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| Foto: Nelson Almeida/AFP

Mesmo quando Michel Temer estava fortalecido no cargo, tendo conseguido a aprovação da PEC dos Gastos, já se sabia que a aprovação de duas das mais importantes reformas que ele pretendia deixar como seu legado, a trabalhista e a da Previdência, não viria facilmente. Mesmo parlamentares da base aliada hesitavam em manifestar apoio às reformas, com medo da reação do eleitorado, que em sua maioria desaprova as mudanças nas regras de aposentadoria e na legislação trabalhista – em parte, graças a um efetivo trabalho de desinformação realizado pela oposição a Temer. Em certo momento, o Planalto chegou a usar as indicações políticas como meio de conseguir os votos de potenciais rebeldes dentro dos partidos que apoiam o governo.

A delação de Joesley Batista virou o jogo contra Temer, que perdeu apoio parlamentar e se enfraqueceu politicamente. O presidente conseguiu uma vitória significativa, com a – incorreta, a nosso ver – decisão do Tribunal Superior Eleitoral que não cassou a chapa formada por Dilma Rousseff e por Temer, mas continua sob pressão graças ao inquérito que investiga o presidente por suspeita de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. Se a Procuradoria-Geral da República oferecer uma denúncia formal ao Supremo Tribunal Federal, o futuro de Temer estará nas mãos dos deputados federais, assim como no caso de um processo de impeachment.

Vale a pena pagar o preço? O cálculo não é apenas político, mas também econômico

Isso colocou os parlamentares em uma posição muito confortável, a de aumentar o preço cobrado pelo seu apoio às reformas. Desde que a delação da JBS foi divulgada, o Planalto liberou R$ 1 bilhão em emendas parlamentares – um repasse que, alega o governo, já estava acertado com o Congresso, mas que seguia dependendo da caneta presidencial. Ainda há outros R$ 800 milhões em emendas cuja liberação também é iminente. Mais cedo ou mais tarde, também chegará à mesa de Temer uma versão do Refis – o programa que permite a devedores regularizar sua situação renegociando seus débitos com o governo – tão deformada que servirá apenas para ajudar os devedores, entre os quais se incluem grupos ligados a parlamentares. Em outra frente, políticos do PMDB cobram mudanças na tabela do Imposto de Renda para pessoa física, seja pelo aumento no limite de isenção, seja pela redução da alíquota cobrada pelos que recebem mais.

Ao mesmo tempo, o governo vem trabalhando para reverter um pouco de sua impopularidade, trabalhando tanto com decisões que efetivamente ajudam os mais pobres quanto com outras que soam como concessões a setores mais organizados e mobilizados. Para os servidores públicos, o aceno veio na forma de reajustes concedidos já há vários meses, em medidas provisórias recentemente aprovadas pelo Congresso. Em uma tentativa de atenuar a oposição das centrais sindicais às reformas, o presidente estaria cogitando a criação de um novo imposto sindical, também por MP, após uma eventual aprovação da reforma trabalhista, cujo texto extingue o imposto cobrado atualmente. E o presidente Temer já aprovou um reajuste acima da inflação para os benefícios do Bolsa Família.

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Vale a pena pagar esse preço? O cálculo não é apenas político, mas também econômico, pois algumas alterações – como uma eventual mudança no Imposto de Renda, que não estava previstas – teriam impacto sobre uma meta de déficit primário que já beira os R$ 150 bilhões em 2017. Outras, como o aumento dos servidores e as emendas parlamentares, já estão incorporadas na conta. Certo é que o ganho para os cofres públicos com a aprovação da reforma da Previdência, ainda que se manifeste mais no médio e longo prazo, supera em muito o custo da “agenda positiva” momentânea.

Mesmo assim, há três riscos embutidos: o primeiro está nos detalhes de certas bondades, como o Refis desfigurado, que em quase nada contribui para aliviar as contas públicas e ainda reforça a noção de que vale a pena não cumprir suas obrigações em dia. O segundo é o aprofundamento de uma sensação de injustiça – crítica que, com razão, já é feita à reforma da Previdência, que estaria preservando privilégios de uns poucos enquanto exige sacrifício maior do grosso da população – que ameaça o apoio às reformas mesmo entre os que estão conscientes de sua necessidade. E, por fim, pode ocorrer que a velocidade e a intensidade das concessões revele uma fraqueza do governo que os parlamentares resolvam explorar ainda mais, arrancando novas concessões. Esses obstáculos trazem consigo o perigo de pontos de inflexão fatais para as reformas: caso o Congresso as desfigure, retirando-lhes sua eficácia; caso cesse qualquer apoio às reformas mesmo por parte dos que conhecem a gravidade do problema; ou caso ocorra o enfraquecimento definitivo do governo Temer, arrastando consigo suas plataformas.

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