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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu uma “pedalada” esta semana ao examinar a admissibilidade de se julgar as contas da campanha eleitoral de 2014 da presidente Dilma Rousseff. Com base em representações apresentadas pelo PSDB, quatro dos sete ministros da corte – Gilmar Mendes, Luiz Fux, Henrique Neves e João Noronha – já haviam votado pela continuidade do processo que pede a impugnação da chapa formada por Dilma e seu vice, Michel Temer. Embora a maioria já estivesse formada (apenas a relatora, Maria Thereza Moura, votou contra a continuidade do processo), sem possibilidades de mudanças ainda que os dois ministros restantes votassem contrariamente ao entendimento da maioria, eis que a ministra Luciana Lóssio pede vistas do processo e adia a decisão final.

A atitude de Luciana Lóssio não era, exatamente, inesperada ou surpreendente. Ela foi nomeada para o cargo em 2013 pela presidente Dilma, que deve ter notado seus méritos: afinal, tratava-se de uma advogada que atuou na campanha do PT em 2010 (informação que, aliás, não consta do “currículo completo” de Luciana publicado no site do TSE); nas suas ausências eventuais, ela é automaticamente substituída pelo suplente, Admar Gonzaga – que também fez parte do comitê jurídico da mesma campanha. Ainda que se trate de pleitos diferentes (Luciana trabalhou para Dilma em 2010; as contas que estão em discussão no TSE são as de 2014), as ligações tão estreitas entre a advogada e a presidente no campo eleitoral bastariam para que ela se declarasse suspeita para participar do julgamento e pedisse seu afastamento da causa, assim devendo proceder também seu substituto caso fosse convocado.

Se Dias Toffoli não se declarou impedido no mensalão, por que Luciana Lóssio faria diferente?

Esta, no entanto, não é a prática no país. Basta recordar o caso de José Antonio Dias Toffoli, reprovado em concursos para a magistratura, mas elevado ao Supremo Tribunal Federal por Lula em 2009. Toffoli tinha sido advogado do PT nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, e foi subordinado de José Dirceu como subchefe da área de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Sua namorada (hoje esposa) já tinha defendido Dirceu quando o petista teve seu mandato parlamentar cassado. Nada disso, no entanto, foi visto por Toffoli como razão para que ele se declarasse impedido de votar no julgamento do mensalão, em que figuras-chave do petismo como Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha foram ao banco dos réus.

Para se ter uma ideia do impacto da participação de Toffoli, ela permitiu que vários dos réus tivessem votos pela absolvição em número suficiente para que pudessem recorrer a embargos infringentes, que acabaram aceitos pelo plenário do Supremo (novamente com a participação de Toffoli). Como resultado, alguns dos principais réus, incluindo Dirceu, Genoino e Delúbio Soares, acabaram absolvidos do crime de formação de quadrilha no segundo julgamento; no caso de Dirceu e Delúbio, a mudança representou a passagem do regime fechado para o semiaberto.

O cinismo imperante, então, pergunta: se Dias Toffoli não se declarou impedido em um caso no qual havia gritante evidência que justificasse a não participação do ministro, por que Luciana Lóssio faria diferente?

Evidencia-se, assim, o modus operandi do aparelhamento petista nos tribunais superiores – Toffoli, inclusive, não só é colega de Luciana Lóssio no TSE como também preside a corte desde maio do ano passado, tendo coordenado o criticado processo de apuração das eleições de 2014, em que o resultado parcial só foi divulgado horas depois que os dados começaram a ser computados.

Em resumo: para colaborar com a presidente em cuja campanha eleitoral trabalhou, uma ministra do TSE decide não se declarar impedida de julgar um processo apesar do óbvio conflito de interesses, e ainda por cima interrompe um julgamento que já tinha resultado definido, dando ao governo uma sobrevida para buscar aprimorar sua defesa. Sim, é verdade que o pedido de vista não infringe nenhuma das regras do TSE, mas as circunstâncias em que ele se deu escancaram os males do aparelhamento, algo que precisa ser evitado em prol da saúde e do fortalecimento da democracia. Mas como fazê-lo, com um governo que já demonstrou repetidas vezes seu desprezo pelas instituições?

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