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 | Roque de Sá/Agência Senado
| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Está prevista para começar nesta quarta-feira, no Senado, a discussão do projeto de lei sobre o crime de abuso de autoridade cometido por agentes públicos. Roberto Requião (PMDB-PR), relator do texto, entregou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa, no dia 22, um relatório em que se mostra favorável à aprovação do projeto, nos termos de um substitutivo que acolhe algumas emendas apresentadas por senadores e rejeita outras. Assim, o PLS 280/2016 terá uma tramitação normal, ao contrário do regime de urgência que o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AP) tentou aplicar ao projeto para aprová-lo rapidamente no fim do ano passado, em sua vingança particular contra a Operação Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal.

A palavra que define a ocasião é “clima”. Na esteira da indignação popular contra o modo como os deputados destruíram as Dez Medidas Contra a Corrupção, não houve “clima” no Senado para apreciar o projeto sobre abuso de autoridade. Mas os ventos mudaram: primeiro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregou ao STF sua segunda lista da Lava Jato, com pedidos de investigação de detentores de foro privilegiado, incluindo senadores. E, depois (e este será o motivo invocado pelos parlamentares, pois quem admitirá haver uma represália contra a lista de Janot?), a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, deixou aberto um flanco que os políticos resolveram usar, criticando a operação – cuja divulgação realmente teve falhas – e usando-a como argumento em favor do projeto de lei. Agora há “clima”.

Expressões vagas darão margem para enxurradas de processos contra agentes públicos

O substitutivo, no entanto, ainda mantém diversos problemas que já tinham sido apontados quando da tentativa feita por Calheiros de colocá-lo em pauta, meses atrás. Logo no seu início, por exemplo, permanece um texto que parece livrar da acusação de abuso de autoridade questões motivadas por interpretação jurídica, mas na prática mantém aberta essa porta. Isso porque, depois de afirmar que “não constitui crime de abuso de autoridade o ato amparado em interpretação, precedente ou jurisprudência divergentes, bem assim o praticado de acordo com avaliação aceitável e razoável de fatos e circunstâncias determinantes”, o projeto continua com a expressão “desde que, em qualquer caso, não contrarie a literalidade desta lei”.

Permanecem, também, expressões vagas que darão margem para enxurradas de processos contra juízes, procuradores, policiais e outros agentes. Como definir quando uma condução coercitiva, por exemplo, é “manifestamente descabida”? O próprio Requião, em seu voto, defende a manutenção desse palavreado vago, alegando que “de outro modo [ou seja, se o texto fosse mais preciso] poderíamos prescindir mesmo da atividade jurisdicional”, acrescentando uma ironia: “onde não cabe interpretação, até as máquinas podem sentenciar”. Ora, a clareza nos termos nada mais é que uma garantia contra arbitrariedades; é paradoxal que essa clareza seja rejeitada em um projeto de lei apresentado justamente com a alegação de coibir ações arbitrárias de agentes públicos. Outro sinal preocupante, que vem do texto original e não foi corrigido no substitutivo, é a ausência de distinção entre culpa e dolo nas diversas situações tipificadas como crime.

Da maneira como está, o projeto de lei sobre abuso de autoridade tem trechos pertinentes – quem nega, por exemplo, a gravidade de colocar detentos de sexos diferentes na mesma cela, ou de usar violência contra presos para conseguir determinados objetivos? Mas ele também tem o potencial de paralisar as atividades de combate ao crime, seja porque os agentes públicos passariam mais tempo se defendendo em tribunais que trabalhando, seja porque compensaria mais a inatividade, para não haver risco de incorrer em uma conduta considerada abusiva. É um joio que envenena o trigo.

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