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Causou impressão a passagem do urbanista colombiano Ricardo Montezuma pelo Brasil. Foi em inícios de setembro, no Rio de Janeiro, para o Congresso Internacional Cidades & Transportes. Dentre os 2 mil participantes do encontro, apenas Montezuma e mais um vieram de bicicleta. Não deixa de ser engraçado, em se tratando de um evento que discutia, inclusive, a mobilidade alternativa.

A atitude do urbanista foi recebida como algo romântica. Mas não se pode dizer o mesmo de sua fala. Observador dos dilemas e das soluções no campo dos transportes, o colombiano mostrou que na prática a teoria é outra. Embora ciclista militante, não idealiza ao extremo esse meio de transporte limpo, rápido, saudável e eficiente. Sabe que é preciso tornar esse uso sustentável. Educar condutores. Regular trânsitos. Do contrário, a bike se alinha à procissão de dificuldades urbanas que assistimos passar.

Os “não ciclistas”, a propósito, são rápidos em identificar os impasses trazidos pela bicicleta. Objeto de paixão e símbolo de rebeldia, a bike deve estar sujeita a regras, em especial o respeito ao pedestre. No raciocínio predatório que rege o trânsito, o carro mata a bicicleta e a bicicleta pode atingir aquele que anda. O atropelamento com morte de um pedestre em São Paulo, este ano, mexeu com os brios dos antagonistas da bicicleta. Eles viram no fato uma prova de que alguns parafusos precisam ser ajustados em meio a essa revolução.

Diferentemente dos ciclistas, pedestres não estão associados, não empunham bandeiras, seguem dispersos

A questão não deve passar pelas vísceras. O aumento do número de ciclistas traz dificuldades naturais. Trata-se de uma mudança cultural, em cidades que nos últimos 50 anos priorizaram o transporte motorizado individual, deixando todo o resto a chupar o dedo. É esperado que haja conflitos, dos quais se aguardam políticas públicas. Na esteira desse embate, surge outro. Paralelamente ao aumento de espaços para bicicletas deve-se garantir o mesmo privilégio, e ainda mais, para os pedestres. Eles são a medida de todas as coisas.

Eis o nó: diferentemente dos ciclistas, esse grupo não está associado, não empunha bandeiras, segue disperso. Mesmo assim, sua presença continua sendo o maior termômetro para medir a saúde de uma cidade. A esse respeito, Montezuma faz um discurso técnico. Pede, por exemplo, um minuto de atenção para os “cruzamentos” das grandes cidades. É no encontro das ciclovias, das calçadas e das ruas que o pedestre percebe que está sobrando. Do que se deduz que, melhorados os cruzamentos, todo o resto agradece.

Em duas ocasiões nos últimos anos a Gazeta do Povo mapeou as ciclovias e encontrou a tormenta: há lugares que só são atravessados se o espírito de Indiana Jones estiver aguçado. O mesmo se diga das calçadas em geral. Por ironia, a Curitiba de tantas glórias urbanísticas não é nenhum paraíso dos passeios. A manutenção é sofrível; soa estranha a troca dos granitos, pródigos na região, pelos descartáveis tijolinhos; faltam mestres calceteiros e o uso de tecnologias construtivas que em outros países fazem escola.

Em espaços em que a reurbanização passou pela calçada, só há o que agradecer. Um exemplo é o trecho alargado da Marechal Deodoro, no Centro de Curitiba. A avenida que perdeu espaço na medida em que a “XV” ganhou, a partir do advento do Calçadão, em 1972, caiu novamente no gosto dos pedestres. Há motivos – a via é amigável para os pés e para os olhos. Bom? Ótimo, mas sem esquecer que essas notas sempre baixam. A mobilidade é regida pela insatisfação. Há avanços – as vias elevadas, por exemplo –, mas a quantidade de carros e motos só faz crescer. O que exige nova pauta de discussões. Se há um meio de essa conversa não se perder no infinito, esse meio é botar no centro da história aqueles que andam. Quanto mais os vermos, mais teremos provas de que chegamos a algum lugar.

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