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Ainda ecoa uma das falas da então secretária da Criança e da Juventude, Thelma Alves de Oliveira, nos tempos que esse órgão existia: “O Brasil desiste dos seus jovens”. A declaração tem sabor profético. Pátria tida como cordial, o Brasil amarga uma contradição – a do pouco afeto que encerra àqueles brasileiros que serão o seu futuro. Diz-se isso sem sombra de bravata. Não existe país desenvolvido no mundo, ou que mereça este nome, que não tenha entre suas lides programas para aqueles que garantirão o amanhã. É óbvio, daí ser tão surpreendente nossos titubeios diante do assunto. Essa dúvida ainda há de nos cobrar caro, se é que já não cobra.

Mal não faria se cada grande cidade mapeasse seus movimentos juvenis de espiritualidade laica

Caberia falar das discussões em torno da adolescência e da juventude vulneráveis. Mas parte da população se encontra anestesiada, em posição de repúdio. Não é preciso ser um sociólogo de altíssima formação para dizer que os jovens catalisam os nossos medos e ódios, tal e qual descreveu Barry Glassner em A cultura do medo – radiografia dos pavores fabricados na sociedade americana. Basta que andem nas ruas – boné na cabeça, calção largo para que os jovens sejam identificados de imediato com os nossos temores, eles sem defesa, nós sem razão. Para muitos, parece não haver estatística que mostre que parte do que temem é provocado por miopia e miragem.

Talvez um bom antídoto à irracionalidade – que tem nos impedido de discutir o estado da juventude vulnerável, aquela da qual estamos sempre ameaçando desistir – é pensar na juventude que chegou lá. Serve de oxigênio. E por quais caminhos. Talvez esse fenômeno nos faça ver que outros também podem trilhar as mesmas trilhas. Talvez não seja ainda um fenômeno – mas deveria ser considerado como tal. Há entre parcela das novas gerações o que o pensador francês Luc Ferry chama da “espiritualidade laica”. Pelo que se entende uma gente tocada pelo cuidado com o planeta, pelo respeito às diferenças, conciliação ideológica, apreço pela experiência de valor. O mundo novo para essa turma tem de ser palpável, de preferência com hora marcada. Menos românticos do que aqueles que responderam às barricadas de Paris ou à Primavera de Praga, as mocidades do ano 2000 têm ânsia de provar e de fazer. O contrário disso é tédio.

Mal não faria se cada grande cidade mapeasse seus movimentos juvenis de “espiritualidade laica”. Seria uma terapia futurista, no mínimo. Por certo, esse exercício ajudaria a acreditar e a perceber saídas, políticas, redenções, de modo a afugentar a visão negativa sobre todo e qualquer cidadão que mal chegou aos 20 anos. Estaríamos servindo de um elixir antipessimismo. Tanto para esboçar programas para os mais vulneráveis, quanto para apontar caminhos para os mais individualistas e consumistas – atitudes que não deixam de ser, também, uma forma de violência.

Não é difícil identificar esses movimentos juvenis – pode-se usar Curitiba como laboratório. Há por aqui os que muitos classificam como neo hippies, a exemplo dos cicloativistas e seus coques espetaculares. Melhor não ficar só no rótulo. Há uma década esses jovens fazem a boa política. Colocam candidatos para conversar. Apontam saídas para o urbanismo. Mexem com a mesmice da cidade. Em análise mais profunda, combatem a violência – pois ocupam a cidade. Não são os únicos. Merecem crédito diversas personalidades, os jovens do coletivo Ambience, um sem-número de pesquisadores ligados a grupos de gênero e a ONGs. Some-se o grupo de Gehad Hajar, o representante da comunidade árabe que turbina a cultura no Centro Velho. Os ativistas do Bosque Gomm. É lista longa, valorosa e surpreendente.

Na chamada “sociedade sem emprego” essa turma prima pelo empreendedorismo. Projetos como o Casas Abertas, Hub Curitiba, Aldeia Coworking, Guairacá Cultural são criativos, emocionantes, relevantes, mas também sustentáveis, levados na ponta do lápis. O que desenvolvem serve de modelo para administradores, em busca de espaços em que a criatividade, a reflexão e a ação caminham juntas, ocupando lugares vazios, provocando transformações. É difícil entender por que esses saberes, que apontam para o futuro, não são emprestados pelos gestores governamentais.

Caso não bastem nossos exemplos, existem os colombianos. Ciclovias, bibliotecas de fina arquitetura, espaços de produção cultural juvenil – enfim, espaços para o diálogo e expressão têm colocado os jovens no centro da cena de um país que provou a destruição do narcotráfico. É exemplo observado em todo o mundo. Talvez os nossos jovens também o sejam – e cegos não queiramos ver.

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