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Editorial

Proteção para o combate à corrupção

Seria mais produtivo neste momento se a classe política comprasse a ideia de discutir maneiras eficientes de combater a corrupção, reduzindo seu custo social, político e econômico

Enquanto o país espera novos desdobramentos da Operação Lava Jato, juízes, promotores e procuradores têm vindo a público para chamar a atenção da sociedade sobre o risco de avançar no Congresso a partir da próxima semana o projeto de lei 280/2016, conhecido como lei do abuso de autoridade. A proposta de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (que está entre os investigados da Lava Jato), é apontada com razão como uma afronta à independência dos magistrados e um risco ao prosseguimento de investigações de crimes de corrupção.

Na mesma velocidade com que a Lava Jato avançou, surgiram reações à investigação de quem se sentiu ameaçado pelo cumprimento da lei. Foi o que levou, por exemplo, à prisão do ex-senador Delcídio do Amaral, flagrado em uma conversa em que tentava organizar um plano de fuga para o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Desta vez, a tentativa de minar o processo investigatório é através da aprovação de um projeto que cerceia a liberdade de decisão do Judiciário.

O projeto da lei de abuso de autoridade pretende criar uma punição ao juiz de primeiro grau nos casos em que se entender que não havia elementos para o pedido de prisão de algum investigado. Para as entidades que representam juízes e procuradores, o projeto dificulta a ação contra crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, nos quais a prisão preventiva é usada para evitar a dissipação dos recursos desviados ou a continuidade do crime.

Na última quinta-feira (4), foi a vez do juiz Sergio Moro, que conduz o julgamento da Lava Jato em primeira instância, se contrapor ao projeto. Na opinião de Moro, a interpretação da lei feita pelos juízes não pode ser criminalizada para que eles atuem com independência.

Este é um argumento que sozinho já seria suficiente para derrubar o projeto. Mas há mais. As decisões de primeira instância estão sempre sujeitas à revisão de instâncias superiores, ao mesmo tempo em que os juízes atendem a um sistema de corregedoria interna. A existência de falhas nesses pontos do processo legal é uma discussão independente que não justificaria medidas que enfraqueçam a atuação dos juízes.

Usar seu poder político no Congresso para minar as investigações de crimes de corrupção seria um erro inaceitável da classe política e colocaria em xeque o pouco que resta de sua legitimidade. Cabe ao Congresso superar suas próprias fragilidades como representante da sociedade e enterrar o projeto de Calheiros o quanto antes.

Cortar pela raiz essa ameaça à investigação de crimes de corrupção, porém, não basta. A sociedade precisa acompanhar com atenção as manobras que surgem com incômoda periodicidade e têm como alvo a Lava Jato e outras investigações dela derivadas. Não faz muito tempo que se tentou mudar a lei da delação premiada – a intenção era que não fossem aceitos acordos de acusados presos. Outros movimentos mais sutis, como a promoção e movimentação de delegados da força-tarefa da Polícia Federal ocorrida há poucas semanas, trazem riscos que não podem ser ignorados.

Seria mais produtivo neste momento se a classe política comprasse a ideia de discutir maneiras eficientes de combater a corrupção, reduzindo seu custo social, político e econômico. As dez medidas contra a corrupção apresentadas ao Congresso pelo Ministério Público Federal trazem contribuições valiosas para esse debate. Em outra frente, a Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentará um projeto de lei com o objetivo de garantir a segurança do cidadão que denunciar crimes de corrupção. São ideias que merecem ser apreciadas no lugar de outras que visam proteger quem deveria ser punido com rigor.

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