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Os dias ruins da economia brasileira – sem sinais de recuperação até esses meados de 2015 – andam mexendo não só com os costumes da população. Mexem, também, com os discursos. Depois de mais de uma década de relativa bonança, os brasileiros começam a reagir, tal como faziam em tempos idos. Não era agradável, mas de Norte a Sul, na época da inflação galopante, joões e marias sempre davam um jeitinho de economizar as finanças da casa. Estava na conta. Parece que a gente esqueceu como fazia – a palavra de ordem, agora, é se lembrar como se faz para lidar com a crise.

Uma zapeada pelos canais de televisão e uma folheada nos jornais e revistas são o bastante para perceber o esforço de “puxar pela memória”. Matérias aqui e ali se ocupam de provocar a criatividade em tempos de crise e o empreendedorismo, de modo que não fiquemos esperando por milagres. Como sempre foi, ao longo de todo o século 20, o melhor negócio é pedir licença e ir à luta. Eis o grito de guerra.

Mas, nesses idos dos anos 2000, o andar da carruagem é mais veloz do que em outras épocas. A ação e reação exigem destreza extra para lidar com a nova ordem das coisas – laços comunitários mais frágeis, mercado mais agressivo. A palavra empreendedorismo vem à tona – até quase sufocar.

O momento é de apresentar a ciência criativa, a inteligência aplicada à arte de vender, construir, relacionar

Uma boa pista é considerar que empreender não se resume a abrir uma portinha, quesito no qual brasileiros em tempo de penúria são experts. Aos fatos. Pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor, da London Business School, publicada tempos atrás apontou que um terço dos nascidos no Brasil – entre 18 e 64 anos – é seu próprio patrão. O estudo abrange 68 países e o nosso está no topo da conversa. Por essa lógica, seria a meca do empreendedorismo, o que não corresponde à realidade.

De acordo com o empresário Pedro Luiz Passos, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) – um dos comentaristas da pesquisa –, os inúmeros brasileiros que comandam negócios próprios o fazem por contingência da condição econômica. Não raro, dedicam-se à prestação de serviços e carecem de informações e treinamento para o empreendedorismo. Problema deles? Não – problema de todo mundo.

Em meio à avalanche de informações sobre como se virar em tempos bravos, como abrir uma empresa, como economizar – entre tantos outros conteúdos necessários para reagir –, urge que a sociedade organizada, nas mais diversas esferas, ofereça um pouco mais. É preciso mostrar não só o caminho para pagar as contas até que surja um emprego numa corporação, por exemplo. O momento é de apresentar a ciência criativa, a inteligência aplicada à arte de vender, construir, relacionar. A tamanha complexidade que atingimos dispensa amadorismos, embora o modo de operar essa situação nem sempre seja um bicho de sete cabeças. É difícil, mas não é o juízo final.

Em miúdos, o “mexer-se”, a toque de caixa, como se dizia, pode ser planejado e inclui aprendizado. Comunicação, relacionamento com o público, relação com o consumidor, finanças, análise de mercado etc. são trocas vitais, não são o mal travestido. Não podemos esquecer que as universidades têm papel importante nessa tarefa, assim como os gestores municipais. Um bom investimento para esses setores seriam os laboratórios, incubadoras, start-ups em geral, de modo a criar mecanismos para que os jovens, em especial, se ponham a empreender com um mínimo de segurança.

Definitivamente, ter um olho sempre no jovem não é o nosso forte. Diferentemente da Inglaterra, por exemplo, um dos países que têm na captação de talentos um expediente comum, uma política de governo, tendemos a deixar passar os nossos guris e gurias mais promissores. Inclua-se os bons de futebol. Poderíamos ter aprendido a lição do ministro Chris Smith, que na década de 1990 ensinou a Inglaterra a nunca perder de vista um estudante com habilidades extraordinárias nesse ou naquele campo. Pois é – a gente pode aprender.

E não é a única lição de casa. A outra é praticar a subsidiariedade – questão chave nesta conversa dura como pedra. A propósito, saímos feios em mais uma fotografia. Ranking do Banco Mundial – o Doing Business 2015 –, com 189 países, mostrou o país quase na lanterníssima (120.ª posição) quando o assunto é burocracia. Vimos esse filme antes: na maior e mais rica cidade do Brasil, São Paulo, um microempresário costuma esperar mais de 100 dias para fechar a papelada e atuar na legalidade. Se seu estabelecimento precisar de uma reforma, a situação piora ainda mais – um alvará de construção tende a se arrastar por 400 dias. A quem interessar possa: ajudem a fila a andar. Já são horas.

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