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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A sanção da reforma trabalhista pelo presidente Michel Temer na última semana é um alento em meio à atual crise política. Apesar do desgaste de Temer, o Senado entendeu que era necessário votar o projeto sem modificações para que se tornasse lei o mais rapidamente possível. O mercado de trabalho agradece.

A legislação trabalhista brasileira está ultrapassada. Traz regras que se encaixavam bem em uma época quando o emprego formal se restringia à indústria dos grandes centros urbanos. Não é essa a realidade da economia hoje, na qual 60% do Produto Interno Bruto é gerado no setor de serviços. Novos modelos de contratação e maior flexibilização nas negociações entre empregadores e trabalhadores são necessários para a legislação não se tornar um obstáculo à geração de empregos.

O espírito da reforma é o de ajustar a lei sem se retirarem direitos – muitos deles previstos na Constituição – e de buscar soluções que possam trazer ganho de produtividade. A peça central para o equilíbrio entre esses dois objetivos, aparentemente conflitantes, é a prevalência do negociado sobre o legislado. Com a reforma, as empresas poderão apresentar aos trabalhadores soluções que podem trazer melhores resultados, em troca do que seus empregados acharem mais pertinente. Os dois lados passam a ser tratados como adultos pela lei trabalhista.

Em outra frente, a reforma tenta reduzir o estímulo existente hoje ao conflito judicial. A Justiça do Trabalho recebe atualmente 11 mil novas ações trabalhistas por dia. É de longe a líder mundial em processos nessa área. Os custos dessa montanha de processos recaem sobre toda a economia. O projeto aprovado estipula que a partir de agora os autores das ações também terão de pagar honorários de sucumbência quando seus pedidos forem indeferidos. Testemunhas poderão ser multadas se mentirem à Justiça. E pequenas empresas terão custos menores para recorrer das decisões. Provavelmente não será suficiente para acabar com a indústria das ações trabalhistas, mas é um primeiro passo na direção correta.

Embora o discurso da oposição seja o de que os trabalhadores não querem a reforma, o projeto recebeu pouca oposição popular. As greves chamadas pelos sindicatos não se transformaram em um movimento amplo, em parte porque o próprio sistema sindical sai ganhando com o poder maior da negociação entre patrões e empregados. Sua maior reclamação era o fim do imposto sindical, cobrado dos trabalhadores sem necessariamente a prestação de um bom serviço. Não é surpreendente que a defesa do imposto não tenha sido mobilizadora.

A reforma traz vários artigos que facilmente agradam o trabalhador. Ela cria, por exemplo, o instrumento do distrato, que formaliza a demissão por acordo hoje feita de forma ilegal. As mulheres não precisarão esperar mais 15 minutos para começar a fazer horas extras – podendo sair mais cedo no fim do expediente. O tempo dedicado ao almoço poderá ser negociado, também dando ao trabalhador a chance de chegar mais cedo em casa. As férias poderão ser quebradas em três partes e o trabalhador precisará ser comunicado 60 dias antes de seu início.

Na tramitação do projeto, os senadores pediram ao governo que fossem feitas algumas alterações no texto após a sanção presidencial – que ocorreu sem vetos. As mudanças devem ser via medida provisória e trazem pontos positivos e outros que poderiam ficar inalterados.

Dentre as alterações pedidas pelos senadores, são pertinentes o fim da multa para o trabalhador intermitente que não comparecer ao serviço, o estabelecimento de critérios melhores para as indenizações por dano extrapatrimonial, o esclarecimento das funções da comissão de funcionários e a retirada da exclusividade de trabalho para autônomos (que no fim seria reconhecido como vínculo empregatício).

Teria sido preferível que Temer tivesse vetado o trecho que permite o trabalho de mulheres grávidas e lactantes em atividades insalubres. É um caso em que é possível uma discussão à parte sem se correr o risco de haver danos irreparáveis. No ajuste em negociação com o Senado, pode-se inverter a responsabilidade sobre a liberação para mulheres grávidas: em vez de terem de pedir ao médico um atestado para não trabalhar, elas teriam de voluntariamente pedir um atestado para trabalhar. Mesmo assim, no entanto, subsistiria com essa redação um risco desnecessário. A mudança deveria ser debatida à parte em um projeto de lei e não no bojo da reforma.

Um último ponto em negociação pode piorar a redação original: o pedido do Senado é que a jornada 12 por 36 horas só possa ser adotada em negociação coletiva, o que impede sua adoção pontual e de forma desburocratizada dentro de uma empresa.

Todas essas alterações ainda serão motivo de debate no Congresso, caso de fato seja redigida uma MP. Durante sua tramitação, há o risco de a nova lei ser distorcida com a inclusão de emendas parlamentares. Espera-se que isso não ocorra e que o espírito da reforma prevaleça no fim do processo.

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