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A reação do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, à tentativa de golpe realizada em 15 de julho ainda não terminou, e se volta agora contra a imprensa do país. Na quarta-feira, o governo ordenou o fechamento de mais de 130 veículos de comunicação e mandou prender quase 50 profissionais de um jornal que já estava sob controle estatal desde o início do ano. Além disso, pelo menos 149 generais e almirantes foram demitidos e acusados de ter conspirado contra Erdogan. Eles se somam a dezenas de milhares de militares, funcionários públicos, professores e magistrados que já foram vítimas de um verdadeiro expurgo promovido por um governo democraticamente eleito, mas que se mostra cada vez mais autoritário.

As próprias circunstâncias em que se deu o golpe ainda não são claras; independentemente da sua real natureza – uma verdadeira tentativa de depor Erdogan ou uma orquestração do próprio governo, hipótese que não se pode descartar completamente –, os episódios de 15 de julho estão indubitavelmente sendo usados como pretexto para um endurecimento que já estaria nos planos de Erdogan, cujo crescente autoritarismo tem sido alvo de ampla contestação interna. Um fato especialmente significativo foi o expurgo de 2,7 mil juízes, removidos de suas funções quase que imediatamente após o golpe, sob acusação de apoiar a revolta. Ora, parece altamente improvável que fosse possível compilar lista tão extensa de forma tão rápida, levantando suspeitas de que esses magistrados – supostamente ligados ao líder religioso Fetullah Gülen, que o governo culpa pelo golpe – já estivessem na mira de Erdogan bem antes de 15 de julho, indicando uma ânsia de colocar o Poder Judiciário sob a bota do Poder Executivo.

A repressão de Erdogan coloca a Turquia em uma situação perigosíssima

O fato de Gülen viver nos Estados Unidos, que se recusam a extraditá-lo, ainda ofereceu a Erdogan outro elemento típico de regimes autoritários ou que buscam se fortalecer internamente: a paranoia do “inimigo externo”, tão típica de republiquetas como a Venezuela, onde o falecido Hugo Chávez chegou a insinuar que os norte-americanos eram os culpados pelo câncer que afetou a ele e outros líderes de esquerda sul-americanos. Um dos ministros de Erdogan afirmou explicitamente que os Estados Unidos, e não apenas Gülen, estavam por trás da tentativa de golpe.

A história da Turquia do século 20 assemelha-se à do México, mais ou menos no mesmo período, ou da França revolucionária do século 18: uma nação com população profundamente religiosa, mas que em determinado momento se viu governada por defensores do laicismo mais radical. Num movimento pendular, o Justiça e Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco), partido de Erdogan, tem adotado políticas simpáticas a uma certa islamização – ainda que não tão radical quanto a vista em outros locais – do país e de suas estruturas oficiais, afastando-o das tradições democráticas da separação de poderes, dos pesos e contrapesos, da imprensa livre e de um laicismo mais saudável que aquele por trás da fundação da Turquia moderna. Esse movimento tem tudo para se intensificar agora, usando uma justificativa hipócrita: para “defender a democracia” – no caso, o mandato do presidente eleito –, abolem-se gradativamente as liberdades democráticas.

A repressão de Erdogan coloca a Turquia em uma situação perigosíssima: tendo uma guerra civil bem ao lado, na Síria, ela corre o risco de embarcar em um conflito próprio ou de se ver tragada pela luta vizinha se os expurgos enfraquecerem de forma significativa as unidades militares de fronteira. O Estado Islâmico também já atacou o país, incluindo um recente atentado no aeroporto de Istambul. Até há pouco, a Turquia alimentava ambições de se integrar ao projeto europeu, mas a radicalização civil e religiosa parece afastar o país da órbita do Ocidente e puxá-lo para mais perto do explosivo caldeirão do Oriente Médio.

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