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O Congresso tem dado sinais preocupantes sobre o tratamento que dará às dez propostas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério Público Federal. Já não bastasse a demora para colocá-las em tramitação na Câmara dos Deputados, há rumores de que os congressistas se movimentam para desfigurar as medidas que aumentariam a punição para atos de corrupção.

Em pelo menos um dos projetos, o que criminaliza a prática de caixa dois nas campanhas eleitorais, as modificações aventadas nos bastidores tendem a inutilizá-lo. Sob o falso argumento de que o fim do financiamento de campanhas por empresas teria acabado com o problema de caixa dois, os deputados querem fazer uma distinção jurídica entre essa prática e o recebimento de dinheiro decorrente de corrupção. Se isso ocorrer, pouco sobra da proposta – a prática de caixa dois só seria punida como crime se ficasse provada a origem ilícita do dinheiro recebido pelos políticos, o que, como todos sabem, é geralmente bastante difícil.

O aumento da pena prevista para o crime de corrupção, um dos temas centrais das propostas do MPF, é outro projeto sob risco de ser desfigurado. Se os parlamentares avançarem com o mesmo ímpeto e enfraquecerem a medida, ela de nada servirá para inibir a prática de ilícitos. A proposta original tem como objetivo elevar o risco de penas em regime fechado e reduzir a chance de prescrição do crime, algo bastante comum no sistema judicial brasileiro.

Alterar o espírito original das ideias levadas aos parlamentares só seria aceitável se, em seu lugar, fossem propostas medidas ainda mais eficientes.

A notícia de que o Congresso articula mudanças nos projetos anticorrupção – a ponto de neutralizá-los – ameaça uma chance rara de melhoria do ambiente institucional na política brasileira. Com a Lava Jato expondo as relações criminosas entre partidos, empreiteiras e estatais, há o risco de acontecer no Brasil o que ocorreu na Itália ao final da Operação Mãos Limpas – após a investigação italiana, parlamentares aprovaram projetos que facilitaram a prática de corrupção, dificultaram a ação de órgãos investigadores, e abriram caminho para a ascensão de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro.

Ao dar sinais de que pretende desfigurar as dez medidas contra a corrupção, os deputados indicam que podem seguir rota parecida. Isso é intolerável. A gravidade dos fatos descobertos na Lava Jato expõe a necessidade de haver drásticas mudanças que coíbam atos de corrupção – sempre, é claro, respeitando direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição.

A análise do projeto no Congresso é, claro, sua função legítima. Cabe a ele debater cada uma das medidas propostas pelo MPF e fazer alterações que melhorem os textos para que se alcance o objetivo de combater a corrupção. Alterar o espírito original das ideias levadas aos parlamentares só seria aceitável se, em seu lugar, fossem propostas medidas ainda mais eficientes.

O parlamento brasileiro tem o dever, no entanto, de conduzir esse debate às calaras e sem descuidar de garantias e direitos fundamentais. Mas não pode, sob pretexto de defesa dos cidadãos, abrir brechas para que o país fique refém das velhas práticas que colocaram o Brasil na maior crise política desde a redemocratização.

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