• Carregando...

O corporativismo venceu mais uma vez na Assembleia Legislativa. Por unanimidade, o Conselho de Ética da Alep arquivou, na quinta-feira, o processo disciplinar contra o deputado Nelson Justus (DEM) pelas irregularidades que ele teria cometido no comando do Legislativo estadual entre 2007 e 2010. Os deputados Ricardo Arruda (PSC), Hussein Bakri (PSC), Tião Medeiros (PTB) e Anibelli Neto (PMDB) tiraram da cartola toda sorte de argumentos para inviabilizar qualquer punição a Justus não porque o considerem inocente daquilo de que vem sendo acusado, mas porque filigranas do Regimento Interno da Assembleia, dizem, tornariam impossível que o processo seguisse em frente – alegação que não se sustenta.

É sempre bom recordar o que diz a denúncia do Ministério Público, a respeito de irregularidades também escancaradas pela série Diários Secretos: Justus teria contratado dezenas de funcionários fantasmas para que o salário pago a esses servidores fosse embolsado pelos participantes do esquema. O desvio, segundo as reportagens, chegaria a R$ 200 milhões. Além disso, o então presidente da Assembleia Legislativa ainda teria contratado servidores lotados no gabinete da Presidência da Casa, mas que atuavam como agentes políticos do deputado no interior. Ora, o artigo 241 do Regimento Interno afirma que “Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar: (...) III – a prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes”. Incrivelmente, o relator Arruda se mostrou incapaz de ligar uma coisa a outra, e disse que a denúncia do MP, apesar de apontar condutas penais de Nelson Justus, não trazia nenhuma acusação que pudesse se encaixar no conceito de “quebra da ética e do decoro parlamentar”. Se é assim, é de se concluir que Arruda entende tanto de ética quanto uma criança de 5 anos entende de Física Quântica, e não tem a menor condição de pertencer a um Conselho de Ética – quanto mais de relatar processos por quebra de decoro.

Os membros do Conselho de Ética parecem decididos a igualar a Assembleia Legislativa de hoje àquela Assembleia Legislativa que gerou o escândalo dos Diários Secretos

Para livrar Justus, os deputados ainda afirmaram que o Regimento Interno exige representação ou denúncia contra um parlamentar, mas que as 43 mil páginas da denúncia oferecida pelo MP à Justiça tinham caráter “meramente informativo”. Outra afronta à inteligência do paranaense. Afinal, tanto havia o entendimento de que estava sendo oferecida denúncia que a Mesa da Alep, em vez de recusá-la de imediato, seguiu o trâmite previsto no artigo 250 do Regimento, encaminhando-a ao Conselho de Ética, cujo presidente, Edson Praczyk, a aceitou e para ela designou relator.

O recurso ao princípio da unidade da legislatura, alegado por Arruda e segundo o qual Justus não poderia ser punido agora por atos cometidos em um mandato já encerrado, também é frágil. Um caso emblemático foi o do ex-deputado federal cearense Pinheiro Landim. Em fevereiro de 2003, ele teve aberto contra si processo disciplinar na Câmara dos Deputados por ilícitos cometidos no mandato anterior. Landim entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal e teve o pedido rejeitado pelo relator, ministro Celso de Mello. Ele citou uma outra decisão, de 1999, proferida pelo ministro Néri da Silveira, para defender que, se parlamentares cometem irregularidades, o princípio da unidade de legislatura não serve para blindá-los contra processos disciplinares abertos em legislaturas seguintes. É o STF, portanto, que desmente os paladinos da impunidade do Conselho de Ética da Alep.

Por fim, é preciso lembrar que processos de cassação são puramente políticos, ou seja, não dependem de atos de outros poderes ou órgãos da administração pública para serem iniciados ou seguirem adiante. É por isso que não serve como argumento definitivo o recurso à decisão do desembargador Guilherme Freire, relator do processo judicial contra Justus no TJ-PR, negando o afastamento liminar do deputado. Por mais que a atitude do magistrado possa servir de guia, ela não obriga a Assembleia a seguir pelo mesmo caminho (caso diferente seria o de uma condenação transitada em julgado), dando a impressão de que os membros do Conselho de Ética decidiram colocar nas costas de Freire a responsabilidade pela decisão que eles mesmos tomaram. Da mesma forma, invocar o argumento da “coisa julgada”, baseado no inciso XXXVI do artigo 5.º da Constituição, é estender para a esfera política uma determinação relativa à esfera jurídica. Hoje existem muito mais elementos para um processo contra Justus na Alep do que havia em 2010.

Os membros do Conselho de Ética, assim, parecem decididos a igualar a Assembleia Legislativa de hoje àquela Assembleia Legislativa que gerou o escândalo dos Diários Secretos. É essencial que os demais deputados se levantem contra esta decisão absurda, que faz pouco da inteligência dos paranaenses e perpetua a impunidade.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]