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Gandhi, o sábio guru da resistência pacífica que ajudou a libertar a Índia do jugo britânico na metade do século passado, legou-nos uma lição interessante ao definir seu modo de pensar e agir: “Meu compromisso é com a verdade, não com a coerência”, dizia ele. De fato, a verdade sempre deve se sobrepor à coerência – mas é evidente que as duas qualidades não são excludentes, mesmo porque é, para dizer o mínimo, uma estultícia ser coerente com a mentira.

Mas não é que grandes nomes do PT andam insistentemente desobedecendo e agredindo tanto a coerência quanto a verdade? Diante da verdade, preferem se manter coerentes com a mentira, ou melhor, coerentes somente com a “verdade” que momentaneamente lhes interessa. Ao contrário de Gandhi, não têm compromisso com uma nem com outra das virtudes. Nos últimos tempos, multiplicaram-se os exemplos desse estranho comportamento.

Nesta semana, a agência internacional de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) informou que manteve em BBB- a nota de crédito do Brasil, mas alterou a perspectiva para negativa. Sua revisão deixou o país mais perto de perder o cobiçado selo de bom pagador – lugar certo para quem quer investir capitais. Quando, em 2008, o Brasil alcançou pela primeira vez o reconhecimento das agências de risco de que sua economia ia bem e que merecia a confiança do mercado, o então presidente Lula comemorou: “Fico extremamente feliz quando recebo a notícia de que a segunda agência reconhece o Brasil como investment grade. No fundo, estamos colhendo aquilo que foi plantado pelo povo brasileiro, e acho que isso demonstra que quem trabalha com seriedade e muita objetividade termina vencendo, conquistando seus objetivos”.

Diante da verdade, alguns preferem se manter coerentes com a mentira, ou melhor, coerentes somente com a “verdade” que lhes interessa

Sete anos depois, a mesma S&P coloca o país à beira do rebaixamento para grau especulativo. O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), não se importou nem com a coerência, nem com a triste verdade. Disse: “Essas agências não têm nada que se meterem no Brasil, deviam estar preocupadas com a vida delas, não com o Brasil. Essa crise, em certa medida, é forjada. Enquanto a agência fica com essas firulas, a população está consumindo. Elas prestam um desserviço ao Brasil, não têm de ficar dando pitaco na vida interna do Brasil. Essas análises não deveriam nem ser levadas em conta, isso não tem a menor importância”.

Guimarães, que teve um assessor flagrado com dinheiro na cueca dez anos atrás, tem onde se inspirar para agredir tanto a verdade quanto a coerência. Uma de suas fontes é a própria presidente Dilma Rousseff. Na campanha que a reelegeu para o Planalto, em 2014, ela se jactava de ter aprovado e regulamentado a Lei 12.850/2013, dispositivo que integrou a prática da delação premiada como um dos mais eficazes instrumentos para acabar com a endêmica impunidade no país e que tantos bons frutos tem dado no decorrer na Operação Lava Jato. Bastou, porém, que seu nome fosse citado por um graduado delator como beneficiária de propina que teria irrigado sua campanha eleitoral para que a presidente se saísse com irritada declaração: “não respeito delator”. A coerência deve ter ficado esquecida em alguma curva do costumeiramente tortuoso raciocínio de Dilma. Curiosamente, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adversário de Dilma, foi citado em outro depoimento da Lava Jato, segundo o qual ele teria exigido propina de US$ 5 milhões dos cofres da Petrobras, de repente os delatores passaram a ser respeitados, admirados e comemorados...

Como se vê, é possível personalizar inúmeros casos de incoerência e desrespeito à verdade e às instituições. Mas há também uma legião de incoerentes anônimos ou mal identificados. Eles costumam se manifestar principalmente por meio das redes sociais. São os que ironizam e criticam os panelaços contra Dilma Rousseff, classificados como “desrespeito”, mas organizam protestos semelhantes contra Eduardo Cunha. São os que lembram com alegria o impeachment de Fernando Collor e a campanha do “fora FHC” enquanto combatem com ódio os que defendem o impedimento de Dilma. Para os primeiros, tratava-se de demonstração de uso das liberdades e da legalidade democrática; mas contra a atual presidente, a mesma medida, presente na Constituição, seria golpe de Estado. Não é incoerente?

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