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Poucas expressões têm sido tão maltratadas pelo uso excessivo como "quebra de paradigma". O pobre do Thomas Kuhn, quando utilizou a palavra "paradigma" para definir crenças básicas que condicionam todas as demais, estava pensando em coisas como o geocentrismo versus o heliocentrismo. Se alguém acredita que a Terra é o centro do Universo e que todos os astros giram em torno dela, todas as suas observações estarão condicionadas por esse paradigma: o Sol aparecerá no lado leste e cruzará o céu para desaparecer no lado oeste da Terra. Daí vem Copérnico... e todos sabem o que aconteceu.

Se o sujeito acredita que os direitos das pessoas são diferentes quando elas nascem, aceitará que um escravo possa ser hipotecado ou penhorado pelo seu "dono" como um bem qualquer, o que aconteceu no Brasil no século 19. Quando o paradigma da relatividade dos direitos humanos foi quebrado, a prática se mostrou absurda e cruel. Pois é, mas o termo "quebra de paradigma" se popularizou tanto que hoje em dia – suspeito – se quebram uns cinco ou seis por dia. Alguém para de tomar café e passa a preferir o chá: quebrou o paradigma degustativo; outro resolve abandonar Beethoven para abraçar (ugh!) Michel Teló, e seu paradigma musical foi quebrado.

Brincadeiras à parte, estamos vivendo um momento em que, realmente, um paradigma está prestes a ser quebrado: o da impunidade. O julgamento do mensalão será a oportunidade histórica única e insubstituível para que o país modernize a vida política e abandone a crença submissa e resignada de que "a política é assim mesmo" e de que "se todo mundo faz, por que não posso fazê-lo também?"

Não se trata de condenar aprioristicamente os 38 denunciados à fogueira, como templários do século 21, mas de esperar que os 11 ministros do Supremo não deixem passar essa oportunidade de dar um recado explícito e inequívoco à nossa elite política: se até agora valeu tudo, se relações promíscuas marcaram o relacionamento entre os representantes públicos e os interesses privados, se as práticas mais grotescas foram perdoadas em nome da "cultura política", não o são mais. E essas práticas, quando existirem e se descobertas, estarão sujeitas aos mesmos rigores da lei que o Estado utiliza para colocar na cadeia um pobre coitado que roubou uma lata de sardinhas.

Se essa oportunidade for aproveitada, teremos dado mais um passo gigantesco em direção à modernidade. Sejamos justos, nos últimos anos, vários outros paradigmas importantes foram rompidos: o paradigma da desigualdade de renda como um ingrediente do desenvolvimento econômico foi um deles. Passamos décadas ouvindo os "çábios" (desse jeito mesmo) declararem que, antes de o bolo crescer, a grande maioria da população deveria se resignar à pobreza e às carências mais absurdas; quebramos também o paradigma dos juros escorchantes como ferramenta anti-inflacionária: o Brasil tem hoje juros próximos aos internacionais e nem por isso a inflação disparou... O CNJ quebrou o paradigma da intocabilidade dos privilégios e dos segredos da magistratura e, depois de muito esperneio, as coisas já se ajustam em novos moldes.

Quem sabe, a partir de setembro, tenhamos quebrado mais um. E, quem sabe, mais ainda – não custa sonhar: que o eleitorado nacional, em outubro, destrua ainda outro, fazendo uma faxina completa nos seus supostos representantes políticos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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