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Quando criança, Francisco Geronimo morava na região de Sete Quedas, que foi alagada para a construção da Usina de Itaipu. Depois, acompanhou pais e irmãos rumo a uma fazenda no interior de São Paulo – ficaram na miséria. Retornaram para trabalhar em Guaíra, na cidade, mas o dinheiro não bastava. Conseguiram um lote em um assentamento em Mariluz, perto de Umuarama, e se reestabeleceram na terra. Passaram-se 20 anos, Geronimo casou, teve dois filhos e agora, aos 41, projeta um futuro para todos ali mesmo. Para isso, ele e outros produtores contam com a ajuda da Incubadora de Empreendimentos Econômicos e Solidários da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Em 2010, a incubadora auxiliou na formação da Cooperativa dos Assentados do Vale do Piquiri (Cooperagra). Através dela, os agricultores conseguiram vantagens para comercializar seus produtos, como leite, mandioca, hortaliças e palmito. “Quando vendiam leite individualmente, por exemplo, a quantidade era pouca e o laticínio não pagava bem. Com a cooperativa, isso mudou”, explica o coordenador da incubadora no campus de Umuarama, Max Rickli.

Mariluz tem cerca de 10,2 mil habitantes, número estável desde 2000. A projeção populacional do Ipardes para 2040 indica que a cidade deve perder 12% da população – mas isso pode ser revertido com ações para fomentar a agricultura familiar. “O que vai fixar a população no campo é a oportunidade de emprego e renda. E para isso precisa agregar valor ao produto”, observa Rickli.

As fazendas mecanizadas propiciam renda para o Brasil via exportações de grãos, mas são as pequenas lavouras, como a de Geronimo, que garantem o abastecimento da população. Ele aponta as vantagens em ficar onde está. “Aqui temos uma alimentação saudável, sabemos o que comemos. E tem a questão do desemprego. Para quem tem pouco estudo, é muito difícil conseguir um bom trabalho na cidade. No campo, a gente vai levando e ainda consegue qualidade de vida”. Outra consequência positiva é a promoção do desenvolvimento local, já que a renda dos assentados é gasta no comércio de Mariluz.

Nas cidades maiores, o arranjo produtivo ocorre de outra forma, mas também em parceria com as instituições de ensino. Um estudo publicado no livro As Universidades Estaduais e o Desenvolvimento Regional do Paraná, por exemplo, identificou uma forte relação entre as cidades com campus e a indústria de alta intensidade tecnológica. “Segundo as teorias mais modernas, é essa inovação que terá um papel central no desenvolvimento, para termos crescimento econômico com bem-estar”, pontua o agrônomo Alexandre Florindo Alves, professor na UEM.

Segundo a economista Augusta Pelinski Raiher, organizadora do livro, as universidades têm um efeito inicial e positivo nesse cenário. “Uma estrutura produtiva vai enraizar vários encadeamentos e atrair novas indústrias fornecedoras, que por si vão atrair outras empresas. E o aglomerado tende só a crescer. Há possibilidade disso ser barrado em uma crise, mas a tendência é que o papel inicial da universidade gere um efeito de bola de neve”, observa ela, que é professora na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Metrópoles

A instalação de empresas é um chamariz para o crescimento populacional das cidades. A projeção populacional do Ipardes para 2040 mostra a consolidação dos grandes centros já existentes e a formação de novos polos regionais, como Francisco Beltrão e Cianorte, que ultrapassarão a marca de 100 mil habitantes. Como as cidades estão se preparando para este futuro anunciado?

Para a professora Olga Freitas-Firkowski, do Departamento de Geografia da UFPR, não há um planejamento adequado, por falta de estruturas adequadas para estabelecer tais planos. Ela observa que essa é uma característica nacional. “Temos hoje uma nova configuração urbana, em que a cidade não é mais contida dentro dos limites político-administrativos de um município”, observa. Em outras palavras: o trânsito congestionado de Curitiba, Londrina e Maringá é bem visível no centro de cada uma delas, mas suas causas fazem parte de um problema bem complexo, que envolve várias cidades no entorno.

Sem vontade política, não há como atacar os problemas urbanos a fundo, observa Olga. “Isso é recorrente na história do Brasil, mas a novidade é que temos dados muito mais confiáveis, feitos pelo Ipardes, pelo IBGE, por monitoramento de satélites. Não significa necessariamente que vão se tornar reais, mas há uma grande chance, e não há vontade política de trabalhar nisso, pois os interesses dos políticos são imediatistas.”

Como instância superior, é fundamental a atuação do governo estadual, opina a professora da UFPR, citando o caso em que o governador Beto Richa tirou o subsídio da tarifa metropolitana de Curitiba com a justificativa de não poderia ajudar todos os municípios. “Você precisa tratar as situações diferentes de forma diferente, não há como dar o mesmo tratamento a realidades tão distintas”, acrescenta. Outro ponto destacado por Olga é a integração das ações das diversas pastas. “Há muitos programas setoriais que não conversam entre si. A política habitacional precisa estar aliada à oferta de escola, postos de saúde e mobilidade urbana”.

Incentivos

Uma iniciativa do governo estadual que tem papel importante no crescimento de algumas cidades é o Paraná Competitivo, diz Augusta, da UEPG. Mas ela não pode ser aplicada em todos os locais. “As empresas querem e precisam ficar perto do mercado consumidor ou da matéria-prima. Não adianta dar incentivo para se instalarem em qualquer lugar, porque uma hora o benefício vai cessar e a empresa vai agir racionalmente, fechando as portas e indo embora”, pondera Augusta.

Então, como alternativa, há a promoção de vocações locais e regionais. “Não pode ser uma política de cima para baixo. É preciso analisar o que já há no município e que tem condições de crescer. Não é simplesmente atrair empresas, isso não é solução para todas as cidades. É preciso fomentar uma atividade que já tenha ponto de partida”, diz a economista.

Uma das empresas que se valeu da concessão de benefícios foi a Klabin, que inaugurou uma fábrica de celulose em Ortigueira, na região central do estado, em junho de 2016. Justamente impulsionada pela localização estratégica: a proximidade com a madeira, matéria-prima da fábrica. A instalação da fábrica, aliás, ainda não foi “contabilizada” nas projeções feitas pelo Ipardes, que se valeu de dados censitários para estimar a população de 2040. O diretor-presidente do órgão, Julio Suzuki, explica que os investimentos recentes serão considerados nas revisões após o Censo de 2020. “A evolução da demografia leva em conta movimentos migratórios, taxa de fecundidade e expectativa de vida, que são medidos pelo Censo. Por isso não há acerto em 100% dos casos, mas os dados são sempre revistos”, afirma.

Qualidade de vida

A expectativa de perder habitantes causa apreensão nos municípios, que dependem da contagem populacional para receber verbas de transferências federais e estaduais. Ainda que algumas cidades consigam reverter esse quadro, há uma tendência mundial de urbanização e queda no número de pessoas vivendo no campo – desde 2010, a América do Norte rural vem perdendo população, conforme o Departamento da Agricultura dos Estados Unidos.

Independentemente das preocupações numéricas, os especialistas batem na tecla da qualidade de vida e do bem-estar, que, mais uma vez, têm relação direta com a produção e disseminação do conhecimento científico e também com a prestação de serviços.

Um outro artigo do livro sobre as universidades estaduais identificou que a elevação de 1% nos gastos nas universidades gera um efeito positivo de 0,73% sobre o Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) – indicador construído com base em quatro dimensões: econômica; social; capital humano e bem-estar; e relativa à segurança. O impacto não é restrito às cidades que sediam as universidades e transborda para o entorno, em um raio de até 120 quilômetros.

Crise

Existe conhecimento teórico sobre desenvolvimento, mas o cenário político-econômico atingiu em cheio as ações de planejamento e os órgãos executores. No Paraná, alguns integrantes do governo iniciaram um “caça às bruxas” contra as universidades estaduais, criticando gastos e divulgando salários de reitores.

“Pensar a universidade como uma fábrica de diploma é algo muito pequeno. Elas fazem muito mais do que isso”, observa Max Rickli. “Passei sete anos na capital e em vários órgãos do estado senti que as pessoas não têm noção do que cada universidade representa para as localidades”, conta a professora Sueli Édi Rufini, do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Alexandre Alves, da UEM, pondera que as universidades falham em comunicar suas ações, seus efeitos positivos e pesquisas, mas ressalta que, muitas vezes o que é considerado gasto das instituições é, na verdade, um investimento.

Para Olga Freitas-Firkowski, é preciso também resgatar os órgãos de planejamento de longo prazo. “No Paraná houve um esvaziamento do Ipardes, e isso é uma decisão política. Estamos esperando a revisão do estudo Vários Paranás, uma ferramenta essencial para se pensar o estado. Sabemos que os técnicos fazem um excelente trabalho, mas não temos certeza quanto à disponibilidade de recursos para as pesquisas”, observa.

A crise brasileira também afetou o cronograma de eventos para se discutir os problemas urbanos de todo o Brasil. A 6.ª Conferência Nacional teria sua etapa nacional em junho passado. Com atrasos nos encontros municipais e estaduais, ela foi jogada para 2019, em decreto assinado em 7 de junho pelo presidente Michel Temer. No Paraná, o encontro estadual será no próximo mês, de 16 a 18 de agosto, em Foz do Iguaçu. Olga lamenta: “É um momento muito delicado para se pensar no planejamento das cidades”. E urgente.

Envelhecimento da população impõe desafios

Programas como o “Oeste em Desenvolvimento” uniram cooperativas, universidades, lideranças associativistas e organismos públicos com o objetivo principal de desenvolver as cadeias produtivas da região. Mas tudo isso tem como pano de fundo o desafio do envelhecimento populacional, explica Jandir Ferrera de Lima, do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Unioeste.

Pelas projeções do Ipardes, a proporção de pessoas com 65 anos ou mais passará dos atuais 9,2% para 19,9% do total, em 2040. “A estrutura universitária do Oeste, composta por quatro instituições públicas de ensino superior, além de instituições privadas, tem atraído jovens, proporcionando um ‘bônus’ para a região. Porém, as oportunidades de emprego e renda não têm sido suficientes para fixá-los nos municípios de menor porte”, observa Lima. Para resolver isso, ações como incubadoras, semelhantes a que atua em Mariluz, são importantes.

“Há outras ações de caráter inovador que fortalecem a relação universidade-empresa e que estão sendo postas em prática para fixar jovens e estimular atividades produtivas de maior conteúdo tecnológico”, diz Lima. Ele cita o caso do Biopark em Toledo, onde as empresas de biotecnologia e farmacêutica terão um espaço estimulante para a pesquisa e inovação.

Mesmo com tanto investimento em inovação, a educação fundamental não pode ser deixada de lado, observa o professor. “Cabe lembrar que em torno de 30% da população de 18 a 35 anos não possui o ensino médio, o que demanda ações para capacitar jovens e estimular o retorno aos estudos, especialmente em um momento que a estrutura produtiva do Oeste na área de proteína animal está robotizando sua linha de produção. Essa transição produtiva junto com a transição demográfica exige mais e mais qualidade de ensino e alternativas de emprego e renda para a população”, salienta.

O efeito das universidades

A elevação de 1% nos gastos nas universidades estaduais causa um efeito positivo de 0,73% sobre o Índice de Desenvolvimento Municipal. O impacto não é restrito às cidades-sede e transborda para o entorno, em um raio de até 120 Km.

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