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Três anos e meio depois, maior parte do galpão está inutilizada pela UFPR. | Albari Rosa/Gazeta do Povo
Três anos e meio depois, maior parte do galpão está inutilizada pela UFPR.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Um imóvel de dimensões colossais comprado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) na Região Metropolitana de Curitiba está na mira dos órgãos de fiscalização e controle. O espaço se estende por 100 mil metros quadrados, às margens da Rodovia João Leopoldo Jacomel, em Piraquara. Comprado pela UFPR em 2014 por R$ 14,5 milhões e anunciado como seu novo complexo universitário, o local está quase sem uso. O galpão de oito mil metros quadrados que fica no terreno abriga apenas o parque gráfico da imprensa da universidade, mas a maior parte das máquinas sequer está ligada.

A subutilização, no entanto, é apenas parte do problema. A aquisição do câmpus transcorreu a toque de caixa e sem licitação, em um processo permeado por suspeitas e que já chama a atenção de órgãos de fiscalização e controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).

O processo administrativo para a compra do imóvel foi aberto em 7 de fevereiro de 2014, três dias depois de a própria UFPR ter procurado a então dona da área – a multinacional japonesa Jtekt Automotiva – e enviado uma proposta de compra. Dois meses e meio depois – em 22 de abril de 2014–, em uma tramitação rápida, a universidade e a empresa já assinavam o contrato de compra e venda. Na ocasião, o então reitor Zaki Akel Sobrinho disse que queria “deixar um potencial construtivo às próximas gestões”.

A aquisição foi feita por dispensa de licitação. O parecer 01/2013 da Procuradoria-Geral Federal (PGF), no entanto, aponta que “não será lícita a utilização de dispensa de licitação” para a compra de imóveis. Além disso, não consta do processo que a UFPR tenha feito um procedimento de planejamento, apontado como “imprescindível” pela PGF para que não haja “direcionamento ou escolha subjetiva”.

Conforme o parecer, neste processo de planejamento, antes de iniciar a compra, a administração precisa estabelecer os critérios do espaço que pretende e argumentar a necessidade. Além disso, é preciso que se faça uma busca por várias possibilidades disponíveis em mercado, por meio de um “aviso de procura de imóvel”, publicado em jornais de grande circulação - o que, no caso da UFPR, não ocorreu.

“O procedimento de planejamento é imprescindível não só para o correto enquadramento legal da contratação, mas também para o atendimento a princípios da administração pública”, destacou o procurador federal Bráulio Gomes Mendes Diniz, autor do parecer da PGF.

Fachada do imóvel em Piraquara.Albari Rosa/Gazeta do Povo

Tramitação

Apesar dos altos valores envolvidos, o procedimento administrativo jamais passou pelo pleno do Conselho de Planejamento e Administração (Coplad) da UFPR, a quem cabe deliberar sobre recursos da universidade. Em vez de ser analisado pelo colegiado, o caso foi encaminhado em 7 de março de 2014 a uma câmara do conselho – a 3ª – e, uma semana depois, um único conselheiro, no caso um professor, emitiu um parecer ad referendum, endossando a aquisição. Na ocasião, o processo não tinha sequer passado pela PGF.

As decisões ad referendum, em regra, são tomadas em caráter de urgência, mas, posteriormente, precisam passar por análise do colegiado. No caso do processo de Piraquara, o parecer ad referendum só seria analisado pelos outros conselheiros da 3ª Câmara do Coplad em novembro de 2015. Pouco adiantaria: àquela altura, já fazia um ano e oito meses que o imóvel tinha sido comprado pela UFPR. A aquisição, portanto, era irreversível.

Máquinas do parque gráfico da imprensa estão no imóvel, mas nem todas estão funcionandoAlbari Rosa/Gazeta do Povo

Finalidade e subutilização

Conforme orientações do TCU, as compras de imóveis pela administração pública precisam atender as “finalidades precípuas [mais importantes]” da instituição, ou seja, motivadas de acordo com a atividade fim do órgão. Em março de 2014, só após o processo de aquisição do imóvel de Piraquara ter sido aprovado ad referendum pela 3.ª Câmara do Coplad, é que o caso foi encaminhado à PGF, onde a procuradora-chefe Maria Albertina Carino dos Santos observou que não havia no processo justificativa para a compra.

A explicação foi anexada pouco depois. Trata-se de uma página e meia, em que a UFPR diz que planejava transferir para o galpão a imprensa universitária – um parque gráfico, que imprime publicações e materiais de divulgação da universidade. Além disso, cogitava-se levar para o imóvel o almoxarifado central e implantar a central de transportes.

Mais de três anos e meio depois, quase nada disso aconteceu. Por mais de dois anos, o imóvel ficou completamente vazio e ocioso. Somente em setembro de 2016 é que as máquinas que compõem o parque gráfico da imprensa foram levadas ao galpão. Até hoje, no entanto, o setor não está operando integralmente.

Setor não está operando integralmente.Albari Rosa/Gazeta do Povo

A Gazeta do Povo esteve no imóvel e constatou que a maior parte das máquinas da imprensa universitária está desligada por uma questão prosaica: os equipamentos têm voltagem incompatível com a do imóvel – o que só foi constatado meses após a compra. Por este motivo, uma impressora comprada recentemente ainda nem foi montada e permanece embalada. Outra máquina bastante usada - a que faz plotagens – também está desligada. Segundo a universidade, a adequação na rede deve ser concluída nesta semana, possibilitando a utilização integral do maquinário.

Entre os equipamentos inoperantes está uma impressora offset, usada para impressão de publicações de grandes tiragens. Quando precisa imprimir volumes maiores de uma mesma publicação, a UFPR recorre a outras máquinas que fazem o serviço, mas a um custo final muito maior.

Máquina comprada há poucos meses ainda não foi instalada por causa da incompatibilidade de energiaAlbari Rosa/Gazeta do Povo

No dia em que a reportagem esteve no galpão não havia nenhum trabalho previsto no parque gráfico. Os 14 funcionários que trabalham na imprensa ficavam conversando entre si ou zanzando pelo imóvel, sem ter o que fazer. O contrato com os 22 servidores terceirizados do setor estava rompido. Após impasses judiciais, a UFPR deve recontratar novos funcionários em janeiro de 2018. Só então a imprensa poderá passar a operar em capacidade máxima.

O parque gráfico se concentra em um canto restrito do galpão, de modo que a maior parte do imóvel permanece vazio. Diversas salas e anexos também estão completamente sem uso. As únicas vezes em que esteve ocupado integralmente foram duas edições da Feira de Cursos e Profissões – cada uma, com duração de quatro dias.

APA e preço estimado

O imóvel se encontra em uma região de mananciais e nascentes do Rio Iguaçu, declarada Área de Proteção Ambiental (APA). Em decorrência disso, o terreno tem uma série de restrições, entre as quais está a taxa de ocupação, que não pode ser superior a 30% dos seus 100 mil metros quadrados. Como já abriga um galpão de 8 mil metros quadrados, a expansão de edificações no imóvel estaria limitada a outros 22 mil metros quadrados. Ainda assim, as novas construções dependeriam de autorizações ambientais.

O processo de compra pela UFPR é embasado em duas avaliações, que estimaram o preço do imóvel de Piraquara: uma feita por uma empresa contratada pela multinacional japonesa; outra, feita por um professor substituto da própria UFPR. Ambas as avaliações foram elaboradas a partir de uma média de preços de dezenas de imóveis semelhantes – cujo valor do metro quadrado variava de R$ 6,35 a R$ 781, 35.

Nas duas estimativas, no entanto, foram levados em conta terrenos que não estão em Área de Proteção Ambiental – que têm menos restrições e, por isso, custam mais caro. Isso pode ter jogado para cima as avaliações, que apontaram que o imóvel de Piraquara valeria algo entre R$ 21,1 milhões e R$ 23,6 milhões. Deste modo, dá-se a entender que a UFPR fez um bom negócio ao adquirir a área por R$ 14,5 milhões.

Em alerta

Na semana passada, a UFPR recebeu uma série de questionamentos do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União. No TCU, as dúvidas foram levantadas em uma auditoria iniciada em julho deste ano, que investiga, neste primeiro momento, a finalidade da compra do imóvel, se o processo foi embasado por um planejamento prévio e a atual subutilização do espaço.

“A secretaria do TCU no Paraná, de fato, está fazendo um processo de auditoria na UFPR que abrange este imóvel, mas o trabalho ainda não terminou. Por isso, não podemos nos manifestar”, disse o secretário de controle externo do TCU no Paraná, João Manoel Dionísio. A expectativa é de que a auditoria seja concluída já em dezembro. O processo pode ser, ainda, desmembrado em outras partes, para aprofundar a apuração de determinados aspectos que os auditores entendam que se precise de mais elementos.

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“Fato dado”

A atual gestão da universidade – do reitor Ricardo Marcelo – prefere não olhar para trás. O atual pró-reitor de Administração, Marco Antonio Ribas Cavalieri, disse que não fez a reanálise do processo de aquisição do imóvel de Piraquara e que a administração vai se focar em dar uma destinação adequada à área.

“Foi um rito que não passou por nós. Nós não participamos das decisões [relacionadas à aquisição do prédio]. A gente encara como fato dado. As informações que temos dizem respeito ao status do local que se tem hoje”, apontou Cavalieri.

Albari Rosa/Gazeta do Povo

A UFPR instituiu uma comissão de avaliação, que vai deliberar sobre o uso que deve ser feito do local. Além da imprensa universitária, a Pró-Reitoria de Administração recebeu pedidos de alguns setores, que manifestaram interesse em se instalar no complexo de Piraquara – entre os quais, o Setor de Tecnologia e o Departamento de Geologia.

“Desconsiderando os aspectos da compra – que não tenho condições de analisar –, o imóvel de Piraquara é um espaço muito bom, que pode ser bem utilizado pela universidade”, defendeu Cavalieri.

Ex-reitor defende a aquisição

Responsável pela compra do imóvel de Piraquara, o ex-reitor Zaki Akel Sobrinho, disse que tem “tranquilidade total” para defender o processo de aquisição do complexo. Ele garante que cumpriu todas as etapas do regimento da UFPR e que a compra transcorreu dentro de uma política de sua gestão de expandir a universidade.

“De minha parte, como gestor, eu tenho tranquilidade total em relação a este processo. Os melhores interesses públicos foram observados. Foi uma compra acertada e o imóvel será bem utilizado”, disse Akel Sobrinho. “Digo sem falsa modéstia: foi uma marca da minha gestão planejar a expansão da universidade e assim o fizemos”, completou.

O ex-reitor alega que o processo não foi concluído em dois meses – como consta do processo – mas em seis meses. Segundo Akel Sobrinho, a própria universidade “encontrou” o imóvel no fim de 2013 e, a partir de então, começou a tratar da aquisição. “Não foram, de fato, dois meses. Iniciamos o namoro e a negociação desta área em novembro de 2013”, apontou. “Não houve pressa, mas havia sim um interesse nosso, porque entendíamos que era um bom negócio para a universidade.”

Akel Sobrinho sustenta que a tramitação do processo no âmbito universitário transcorreu segundo o regimento da UFPR. O ex-reitor cita a resolução 61/97, que diz ser atribuição das câmaras do Coplad deliberar sobre contratos. Sobre o fato de o parecer ad referendum só ter sido analisado pelo pleno do conselho um ano e oito meses depois da compra, ele entende que não houve “prejuízos, porque a avaliação foi referendada pela câmara.

“Não causou prejuízo nenhum ao processo. Pela agilidade que se buscava naquele momento, havia interesse em efetivar a questão, mas não houve aceleração nenhuma”, apontou o ex-reitor.

Conselheiros consultados pela reportagem, no entanto, divergem do entendimento de Akel Sobrinho. Eles apontam que a mesma resolução 61/97 diz ser atribuição do pleno do Coplad a deliberação sobre políticas na área patrimonial. Além disso, aquisições que envolvem valores elevados – como o caso do imóvel de Piraquara – costumam passar pelo colegiado. Tanto que, neste ano, a própria UFPR endossou este entendimento: a resolução 28/17 determina que matérias acima de R$ 600 mil passem pelo conselho.

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