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O promotor Olympio de Sá Sotto Maior Neto: relatório construído a partir de audiências, pesquisa e oitivas. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
O promotor Olympio de Sá Sotto Maior Neto: relatório construído a partir de audiências, pesquisa e oitivas.| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A Comissão Estadual da Verdade do Paraná - Teresa Urban entregou neste mês ao governador Beto Richa (PSDB) dois tomos de mais de 800 páginas com as conclusões de cinco anos de pesquisa sobre o período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988 – do pós-guerra ao fim do regime militar. O relatório foi construído a partir de 59 audiências públicas, pesquisa documental e oitivas individuais com vítimas, agentes do Estado e civis que colaboraram com as perseguições.

Os dois volumes serão enviados a partir da semana que vem para órgãos públicos com mais de 100 recomendações. Entre elas, estão a desmilitarização das polícias, a revisão da Lei da Anistia, a revogação da Lei de Segurança Nacional, a restituição de terras indígenas e um pedido de desculpas formal aos brasileiros e latino-americanos vítimas de perseguição na Operação Condor.

“Nós temos que desconstruir a ideia positiva que se tem da ditadura civil-militar”, afirma Olympio de Sá Sotto Maior Neto, promotor, coordenador da Comissão Estadual da Verdade e responsável pela pesquisa sobre os povos indígenas. “O relatório prova que houve repressão, perseguição e um genocídio”.

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O Paraná tinha um quartel de tortura, em Foz do Iguaçu, onde muitas mulheres foram seviciadas, e também foi palco de um massacre, em Medianeira, onde cinco pessoas foram executadas (os corpos continuam sumidos) e de sequestros, estupros, perseguições e resistência.

O que esse relatório revela sobre a ditadura no Paraná?

No Paraná há a ideia de que não teria ocorrido ditadura e nem graves violações. E quando havia registro era relacionado a professores cassados, estudantes presos, relatos restritos e urbanos. Os primeiros a sofrer foram os militares que se opuseram ao regime. Num segundo momento, e isso ficou caracterizado no Paraná, os trabalhadores do campo. Havia o Grupos dos Onze, gaúchos do campo que discutiam cooperativismo, agroecologia e reforma agrária. Eram inspirados por Leonel Brizola [governador do RS entre 59 e 63]. Vieram para o Sudoeste do Paraná e começaram a ser perseguidos. Militares os prendiam arbitrariamente. Um senhor que passou por essa situação nos deu depoimento. Ele chorou ao lembrar que foram tratados como porcos: amarrados e jogados em cima de um caminhão. Depois eram encaminhados para Curitiba. Temos os registros do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) dessas pessoas. Sofriam tortura e depois eram devolvidas. Temos casos de promotores, advogados e até mesmo juízes presos por não concordar com o regime.

Izabel Fávero foi levada para Foz do Iguaçu e brutalmente torturada. Estava grávida e abortou diante das torturas. Levou choques elétricos, não foi levada para tomar banho nem mesmo depois do aborto

O relatório também apresenta um quartel general da tortura.

O relatório mostra o caso da Izabel Fávero. Ela e o marido eram professores. O Exército reuniu 500 homens para cercar o sítio deles. Ela foi levada para Foz do Iguaçu e foi brutalmente torturada. Estava grávida e abortou diante das torturas. Levou choques elétricos, não foi levada para tomar banho nem mesmo depois do aborto. A repressão começou com os camponeses e depois atingiu os estudantes. Várias pessoas relataram casos de Foz do Iguaçu, eram levadas de Curitiba para lá. Foz também foi o quartel da Operação Condor por aqui, quando os países do cone sul se articularam para perseguir e matar.

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Como os índios se tornaram alvo?

Em 1949, um acordo feito por Paraná, União e Funai diminui o território dos indígenas. O Acordo Lupion [referência ao ex-governador Moysés Lupion]. Ação desmedida em relação àqueles que não tinham condições de se defender. Ainda praticaram algo inaceitável: colocaram no mesmo espaço Caiagangues e Guaranis. Quando fizeram isso instituíram uma polícia indígena para não permitir reações, sem previsão legal. Amarravam os índios em troncos como punição. Depois aconteceu o genocídio dos Xetás. Havia registros de 500 índios. A área em que estavam foi destinada à Cobrimco (Companhia Brasileira de Imigração e Colonização), vinculada ao banco Bradesco, na região de Umuarama. Os índios foram obrigados a sair e parte ainda teve a comida envenenada. Apenas oito foram localizados anos mais tarde. Nós queremos a revisão do Acordo e de concessões de origem fraudulenta.

O relatório também descobriu problemas na origem da construção de Itaipu?

A Itaipu não fez o registro do número correto de grupos indígenas antes do alagamento. Tivemos acesso a um documento oficial de um diretor da Itaipu com tarja de confidencial afirmando isso. Havia o discurso de que eram paraguaios, mas o relatório desmistifica. Obviamente são Guaranis, não têm fronteira. A gente trabalha no sentido de que a Itaipu possa adquirir áreas para destinar aos índios. Fomos procurados por uma filha de um ex-embaixador brasileiro que começou a denunciar a corrupção na usina e diz a filha que ele foi assassinado. O comitê ainda vai ouvir essa denúncia.

Os índios foram obrigados a sair e parte ainda teve a comida envenenada. Apenas oito foram localizados anos mais tarde

Uma das recomendações do relatório é trocar os nomes dos patrocinadores do regime por nomes de vítimas em prédios públicos do Paraná. Por quê?

Não tenho dúvida da necessidade de desconstruir a memória positiva da ditadura. Não se aprofundaram as investigações, as grandes corrupções da época. Há uma memória positiva por causa da propaganda única que não permitia que se contrapusesse o discurso. A falsa ideia do desenvolvimento em troco do endividamento. O relatório tem como destinatários os jovens. Nós sofremos sem a possibilidade de discutir os atos institucionais. A ditadura quis punir todo o sistema educacional. Agora, a Secretaria da Educação já acolheu a proposta de um concurso público estadual a partir do relatório. Nós vamos distribuir para todas as escolas. A memória impede a repetição dos erros do passado.

“O relatório prova que houve repressão, perseguição e um genocídio”Jonathan Campos/Gazeta do Povo
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