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 | Caio Coronel/Itaipu Binacional
| Foto: Caio Coronel/Itaipu Binacional

“A água dos rios brasileiros será privatizada”. Esse é um dos argumentos abraçados por quem faz oposição à privatização da Eletrobras, estatal de capital aberto do setor de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Dentre todos os questionamentos que podem ser feitos sobre o processo (como a alteração nas leis sobre a venda de energia ou se a conta de luz poderá aumentar), esse é um argumento improcedente. 

A gestão da água dos rios não é feita livremente pelas usinas hidrelétricas. Existem entidades governamentais, agência reguladora, comitês populares e até mesmo empresa específica para planejamento e administração do setor elétrico envolvidos na definição das regras de uso da água. As hidrelétricas são obrigadas a seguir as leis do setor e dependem de ordens e atos dessas entidades para sua operação. 

O governo de Michel Temer está preparando o modelo de privatização, que tem o objetivo de diluir a participação majoritária da União nas ações da empresa e espera ter o processo pronto em breve (depende da aprovação da reforma do setor elétrico, via Congresso). 

Listamos abaixo cinco pontos que jogam por terra o argumento de que a água dos rios será privatizada com a mudança no controle da Eletrobras: 

1) Por lei, a prioridade do uso da água não é para gerar energia 

A Lei 9.433, de 1997, define a Política Nacional de Recursos Hídricos, que tem como base a determinação de que a água é um bem de domínio público e que o uso prioritário dos recursos hídricos é para o consumo humano e dos animais. Também pela mesma lei fica definido que a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. 

Ou seja, nenhuma usina hidrelétrica ou empresa poderá determinar a gestão da água dos rios. Principalmente se isso estiver reduzindo o acesso ao consumo humano e animal.

2) Operação do despacho elétrico é centralizada 

Uma usina não pode decidir livremente quanto quer gerar de energia diariamente. Ela deve respeitar o comando do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão responsável pela coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) e pelo planejamento da operação dos sistemas isolados do país, sob a fiscalização e regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

O ONS não é uma estatal, mas sim uma entidade sem fins lucrativos que recebe recursos do próprio setor elétrico. Cabe ao Operador fazer estudos sobre o clima, oferta e demanda de energia e acompanhar a situação do sistema em tempo real. O operador é quem define quais usinas devem armazenar água em seus reservatórios, ou gerar mais energia. Segundo o ONS, um dos objetivos de sua atuação é “promover a otimização da operação do sistema eletroenergético, visando ao menor custo para o sistema, observados os padrões técnicos e os critérios de confiabilidade”. 

 A entidade também determina o acionamento das usinas termelétricas, mais caras, caso seja necessário compensar a geração hidrelétrica ou mesmo garantir a preservação da água nos reservatórios. 

3) Gestão dos recursos elétricos é feito por comitê com diversos agentes 

As decisões sobre a gestão do setor elétrico são tomadas de forma colegiada, pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que é presidido por integrante do Ministério de Minas e Energia (MME) e conta com representantes da Aneel; Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Empresa de Pesquisa Energética (EPE); e do ONS. 

Entre as atribuições do colegiado estão o acompanhamento das condições de abastecimento energético e obstáculos, inclusive ambientais que possam afetar a segurança de abastecimento. Dessa forma, para que uma usina mude o nível de seu reservatório (elevando-o ou reduzindo-o), é preciso que o assunto seja decidido de forma colegiada, pelos integrantes do CMSE.

Isso porque ao elevar a cota (nível) de uma usina, o local da margem do rio poderia ser alterado, alagando áreas (até mesmo em outros países, o que causaria conflitos internacionais). Por outro lado, a redução do nível de um rio, além de atrapalhar a captação de água para uso humano, afeta a navegação fluvial. 

No começo deste mês, o CMSE autorizou a redução da cota do reservatório de Itaipu, de forma a ajudar a recomposição de reservatórios no Sudeste. Outro exemplo disso foi a atuação conjunta entre o CMSE e a Agência Nacional das Águas (ANA) para autorizar a redução da vazão do Rio São Francisco em algumas hidrelétricas, para manter o nível do rio em outras áreas, evitando desabastecimento de água para as populações ribeirinhas. 

4) As usinas têm um limite de energia que podem vender 

Diferentemente de empresas de outros segmentos, as usinas hidrelétricas não podem decidir quanto irão produzir e vender. Junto com a concessão para que sejam operadoras (que somente pode ser outorgada pelo governo federal), é definida a Garantia Física do empreendimento. Esse limite é definido pelo Ministério de Minas e Energia, de forma técnica, e levando em consideração a quantidade de água que passará pelas turbinas daquela usina. 

Com base nesse número, a usina irá programar sua venda de energia. No setor elétrico, as usinas vendem contratos para entregar energia em curto, médio e longos prazos. O limite de venda desses contratos deve seguir o que está estipulado como sua Garantia Física, que é a quantidade máxima de energia que elas podem vender. 

Grande parte desses contratos são comprados pelas distribuidoras de energia, que precisarão entregar eletricidade a seus clientes (os consumidores residenciais, comerciais e industriais). Outra parte será vendida ao mercado livre, de grandes consumidores, mas também com regras e limites definidos pelo Governo. 

Dessa forma, uma usina não poderá vender contratos acima de sua garantia física e, portanto, não vão usar a água do rio de forma abusiva ou acima do permitido pelo poder público. 

5) Agência de Águas cumpre planos de usos hídricos e estabelece multas 

Por lei, a gestão hídrica definida na Política Nacional de Recursos Hídricos tem como guardiã a Agência Nacional de Águas (ANA). Cabe à agência cuidar da gestão da água no que antecede a competência do setor elétrico, como pela emissão de outorgas de direito de uso de recursos hídricos em rios sob domínio da União e que vão além das responsabilidades regionais de gestão da água. Em caso de infração sobre o uso das águas, a lei prevê multas que são aplicadas pela ANA. 

De atuação nacional, também cabe à agência acompanhar o trabalho dos Comitês de Bacia Hidrográfica, em cada uma das localidades do país. Essas são as entidades que representam a população local em suas necessidades e interesses dos usos das águas e são compostos por consumidores de água e entidades não-governamentais. Entre as competências dos comitês, aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, arbitrar conflitos pelo uso da água em primeira instância administrativa; estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água.

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