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Protesto contra a reforma da Previdência em Brasília. | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Fotos Públicas
Protesto contra a reforma da Previdência em Brasília.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Fotos Públicas

A equipe econômica que ascendeu com Michel Temer colocou desde o início a reforma da Previdência como condição para a estabilização da economia. A tese faz sentido e conquistou corações no mercado. Agora, o governo começa a sentir o peso de não conseguir levar o plano adiante por uma combinação de inépcia (o presidente denunciado duas vezes) e impopularidade do tema. A última tentativa antes de o tema ser jogado para 2019 é um ataque de frente ao funcionalismo.

A primeira impressão que esse ataque aos servidores passa é a de que o governo quis antes de tudo encontrar um culpado para o fracasso da reforma. Agora, há um inimigo claro: os servidores privilegiados. É a pressão desse grupo o grande inimigo do ajuste. Ao mesmo tempo, essa estratégia compra tempo com o mercado, cada vez mais nervoso com a lentidão do ajuste das contas públicas e a aproximação de uma eleição presidencial totalmente aberta.

São duas as questões que emergem da “guerra ao servidor”. A primeira é o tamanho do prejuízo da “desidratação” da reforma. A segunda é se realmente os servidores merecem ser colocados como o centro do debate.

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Começando pelo papel de vilão do funcionalismo, há uma hipocrisia em como agora ele é vendido como o bode expiatório da reforma. Foram sucessivos governos, congressos, assembleias legislativas e câmaras municipais que criaram a redoma que protege os servidores. Os penduricalhos, reajustes, carreiras e benefícios previdenciários estão todos escritos nas leis. O sistema político viveu durante décadas em simbiose com a burocracia bem paga e com aposentadoria integral.

Enfrentar as regalias, portanto, é também lidar com essa relação simbiótica. E ela merece ser enfrentada. O déficit per capita na Previdência do funcionalismo (RPPS) é muito maior do que no INSS. No regime dos servidores, houve no ano passado um déficit de R$ 77 bilhões, sendo sendo R$ 43 bilhões para servidores civis e R$ 34 bilhões para militares. Como são 682 mil aposentados e pensionistas civis, o Tesouro arca com R$ 63 mil por ano para cada beneficiário. No caso dos 299 militares e suas pensionistas, o valor é de R$ 113 mil por ano.

No INSS, onde o déficit no ano passado foi de R$ 149,7 bilhões, o valor que o Tesouro precisou arcar para cada um dos 29 milhões de beneficiários é de R$ 5.162 por ano. O valor é mais alto para aposentadorias rurais, já que os trabalhadores do campo não contribuem da mesma forma que os urbanos.

Esse desequilíbrio, somado a outros tantos penduricalhos e facilidades presentes em diversas carreiras, é injustificável. Parte do problema foi atacado em uma medida provisória que agora tramita no Congresso e que aumenta a alíquota de contribuição para os servidores federais que ganham acima do teto do INSS. Mas isso é pouco. O benefício da aposentadoria integral e paritária, que será obtido por quem entrou no serviço público antes de 2003, ou pela média dos salários, para quem entrou entre 2003 e 2013, tem um custo que precisa ser melhor compensado.

O detalhe que a nova argumentação do governo não traz é que o texto da reforma aprovado na comissão especial há cinco meses já fazia parte desse trabalho. Ele eleva a idade mínima de aposentadoria imediatamente para os funcionários que podem manter a integralidade. No resto, a reforma igualava as regras dos sistemas público e privado. Infelizmente, os militares ficaram de fora. E não devem ser incluídos agora. É muito improvável que a nova proposta vá além disso.

Assim, chegamos à segunda questão. Ao desidratar a reforma para torná-la mais palatável, o governo faz com que um novo ajuste seja necessário ainda mais cedo do que o imaginado. O texto que saiu da comissão especial aumentava gradualmente o tempo mínimo de contribuição, algo importante para a sustentabilidade do sistema no longo prazo – afinal, com 15 anos de contribuição, a lei hoje já garante um salário mínimo de aposentadoria.

Além disso, ele tinha uma boa regra de transição, que aumentava imediatamente a idade mínima de aposentadoria e impunha sua elevação gradual. Uma regra mais flexível fará com que a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres só entre em vigor na década de 2040. Em outra frente, o país terá de debater em algum momento a aposentadoria rural, atualmente a categoria mais subfinanciada do INSS. E as várias aposentadorias especiais, como de policiais e professores, também não deveriam ficar de fora, por uma questão de justiça contributiva.

Com um inimigo escolhido e uma reforma capenga em mãos, o governo agora tem poucas semanas para convencer o Congresso de que o dano eleitoral da votação será contornável. A missão parece impossível. A resistência é grande nos partidos de oposição e, dentro da base, a antipatia à idade mínima com a atual regra de transição é grande. A pressão do funcionalismo surtiu efeito em várias votações recentes e ameaça enterrar propostas muito menos amplas que a reforma da Previdência – como a MP que atrasa os reajustes salariais dos funcionários da União.

Se não houver reforma alguma, teremos de refazer as contas. O déficit do INSS deve chegar aos R$ 200 bilhões no ano que vem. O do RPPS deve chegar a R$ 77 bilhões. Com o envelhecimento da população e a previsão de crescimento apenas mediano da economia, a política fiscal do Brasil estará comprometida e o setor público perderá de vez sua capacidade de investir. Com o tempo, outras áreas sociais perderão recursos para a Previdência. Ajustes de curto prazo, como a revisão de benefícios e regras mais rígidas para a concessão de pensões, por exemplo, poderiam reduzir a dor nos próximos dois ou três anos. Mas não resolveriam o longo prazo. A reforma, mais dura que agora, ficaria para o próximo governo.

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