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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/

Em palestra na mesma loja maçônica em que o general Antonio Hamilton Mourão falou em “impor uma solução” para a crise política no país, o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, disse que uma “intervenção” militar poderia ocorrer a partir de uma iniciativa do Executivo, Legislativo ou Judiciário, mas que as Forças Armadas pretendem ser “protagonistas silenciosas” da crise.

“Poderemos, eventualmente, ser empregados, mas sempre condicionados por princípios legais e como reza o artigo 142 [da Constituição], por iniciativa de um dos Poderes. E pagamos um preço caro até hoje exatamente por, em alguns eventos, não termos observado esse princípio”, disse o general na palestra.

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A reportagem indagou nesta terça-feira (19), por meio da assessoria do Exército, que “eventos” seriam esses, e se incluíam o golpe militar de 1964, e também pediu que o general comentasse trechos do seu pronunciamento, mas não houve resposta até a conclusão deste texto.

A referência do comandante ao artigo 142 da Constituição é uma interpretação de Villas Bôas sobre o texto, que nada fala sobre “intervenção militar”, expressão inexistente na Carta. O artigo se refere a operações para garantia de lei e da ordem, como as realizadas atualmente no Rio de Janeiro para combate ao crime organizado.

A palestra de Villas Bôas ao grupo da maçonaria Grande Oriente do Brasil ocorreu em 17 de março, seis meses antes da fala de Mourão, na sexta-feira (15).

Em entrevista veiculada nesta terça-feira (19), ao comentar o caso, o comandante do Exército afirmou que o subordinado não receberá punição pelas declarações.

O vídeo com a fala de Villas Bôas em março está disponível no site da maçonaria e não indica o local de realização da palestra.

O comandante começou discorrendo sobre Amazônia, mas depois avançou sobre a crise política e a suposta “intervenção”. Afirmou que as Forças Armadas têm sido abordado por “pessoas”, cujos nomes não revelou, que pedem a “intervenção”. O comandante indicou que não concorda com a hipótese.

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“Nós, nas Forças Armadas, é curioso vermos, muitas vezes somos instados, as pessoas que nos pedem, às vezes nos exigem, intervenções de caráter político. Na verdade eu interpreto como as pessoas estarem reclamando os valores que as Forças Armadas incorporam. E entendo também que hoje o Brasil é um país já uma sociedade sofisticada, com sistema de freios e contrapesos, com as instituições bem ou mal funcionando, que dispensa a sociedade de ser tutelada”, disse o general.

Villas Bôas afirmou, porém, que as Forças Armadas podem ser “empregadas” se acionadas por um dos três Poderes e que sua visão sobre o tema é baseada em três critérios: estabilidade, legalidade e credibilidade. Ao falar do terceiro ponto, novamente abordou a hipótese de uma ação militar: “E o terceiro princípio é o da credibilidade, decorrente de sermos uma instituição de Estado que temos que preservar a nossa imagem de relativa imparcialidade, porque caso sejamos empregados, não pode ser identificado nenhum favorecimento de um lado ou de outro”.

O comandante do Exército explicou da seguinte maneira a sua posição sobre a crise: “Nossa proposta é que a Forças Armadas sejam protagonistas silenciosos, mas que a sociedade identifique sempre como garantia que os problemas não ultrapassarão determinados limites para que o país tenha garantida a segurança da população e garantido o avanço de, mais cedo ou mais tarde, nós solucionarmos esses problemas e reencontrarmos o caminho do desenvolvimento”. Villas Bôas não explicou que “determinados limites” seriam esses.

‘Soberania’

Em sua palestra, o comandante fez diversas críticas a ONGs (organizações não governamentais), que segundo ele são “300 mil” no Brasil, e sugeriu que há uma conspiração com envolvimento de “grandes países” na demarcação de terras indígenas e criação de unidades de conservação ambiental.

O comandante disse ser “interessante a coincidência que há entre a concentração maior de terras indígenas e unidades de conservação com a existência” de minerais na Amazônia e associou essas demarcações a um suposto “deficit de soberania”.

O general acusou, sem apresentar provas, que as ONGs são usadas para impedir o crescimento econômico do país. “Desde a Segunda Guerra Mundial, quando começou esse movimento ambientalista, paralelamente surge o fenômeno das ONGs, que os grandes países usam para instrumentalizar os seus interesses. E as grandes potências, em razão do processo de descolonização, começa a perder controle de grandes áreas em consequência de recursos naturais, passaram a utilizar a política de congelar as áreas para que elas não venham a interferir no mercado internacional.”

Villas Bôas associou o “ambientalismo” a uma estratégia de parte da “esquerda nacional”. “Paralelamente, depois da queda do Muro de Berlim [1989], uma parte política, principalmente da esquerda nacional, abraçou esse pensamento politicamente correto a que me referi”. O general também atacou o que chamou de assinatura “gratuita e voluntária”, pelo Brasil, de acordos internacionais como o tratado de não proliferação de armas nucleares, de 1968, e a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1989, que prevê, entre outros pontos, o consentimento de povos indígenas para obras de construção civil que atinjam o seu território.

O general afirmou que a Convenção 169 “abrange um capítulo referente às comunidades indígenas e reconhece o direito de autonomia e até reconhece como nações indígenas”. No texto da convenção, contudo, inexiste a expressão “nações indígenas”.

Representantes de ONGs ouvidos pela Folha reagiram às declarações do comandante do Exército. Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace, disse que associar as ONGs a interesses de países estrangeiros para impedir o desenvolvimento brasileiro é uma “alucinação”.

“Essa é uma estratégia já muito conhecida, usada inclusive aqui no Congresso, de usar um inimigo inexistente apenas para validar os absurdos que eles defendem. Além da alucinação, existe aí uma mentira muito simples de ser desmascarada. Por exemplo, nós temos um ministro de Minas e Energia que vai ao Canadá conversar com mineradoras para entregar um pedaço da Amazônia e nós, as ONGs, queremos que esse pedaço de floresta permaneça sob a tutela do Estado. Segunda coisa, eles têm no Congresso um projeto de lei para venda de terras para estrangeiros. Nós somos contra. A prática deles é que internacionaliza a Amazônia”, disse Astrini.

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Adriana Ramos, do ISA (Instituto Socioambiental), disse que o Brasil assinou a convenção da OIT porque “ela é totalmente alinhada com a nossa Constituição, que já reconheceu os direitos dos povos indígenas”. Ela apontou que o número de 300 mil ONGs citado pelo general é “inflado”, pois inclui todo tipo de organização não governamental, como associações religiosas, mas que ainda “deveria ser visto de forma positiva, pois mostra que o Brasil tem uma sociedade organizada, embora reduzida para as demandas que o país tem”.

Kléber Karipuna, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), maior ONG indígena, disse que a convenção da OIT é “uma grande conquista do movimento indígena, uma luta pela garantia da autonomia e dos procedimentos de consulta e de maior participação dos povos indígenas nas tomadas de decisão sobre o seu modo de vida”. “De fato deve desagradar muito ao governo e aos militares hoje. Ela não é respeitada pelos governos desde sempre”, disse Karipuna.

Maurício Guetta, advogado do ISA, afirmou que “não surpreende ver um representante do Exército defender a retirada de direitos dos povos indígenas quando a gente sabe que a ditadura militar foi responsável por um genocídio promovido pelo Estado brasileiro, deliberadamente, e isso está comprovado no relatório da Comissão Nacional da Verdade”.

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