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Em 2016, foram  propostas 3,95 milhões ações na Justiça do Trabalho. | Luis Dantas
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Em 2016, foram propostas 3,95 milhões ações na Justiça do Trabalho.| Foto: Luis Dantas /WikiCommons

Um dos objetivos declarados da reforma trabalhista é diminuir o número de ações na Justiça do Trabalho. Em 2016, foram propostas 3,95 milhões novas ações, incluindo as que tramitam em varas do Trabalho e nos tribunais regionais (TRT) e Superior (TST). No mesmo ano, foram julgadas 3,8 milhões de ações, mas ‘sobraram’ outras 2,4 milhões que não foram apreciadas pelos magistrados. Neste ano, já ingressaram 1,2 milhão de novos processos.

Esses números explicitam porque muitos consideram que há uma “indústria da ação trabalhista”, inclusive profissionais do Direito e parlamentares que votam a reforma. Por isso, a mudança na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que passa a valer no dia 11 de novembro, ataca em quatro pontos cruciais para tentar desestimular a abertura de novos processos.

Uma modificação é a cobrança de honorários de sucumbência para os advogados. A sucumbência é quando a parte que perde o processo deve arcar com os honorários do advogado que ganhou a ação. Na justiça trabalhista, isso não é cobrado. Com a reforma, será. Quem mentir ao longo do processo também será punido, com multa pela litigância de má-fé. A justiça gratuita exigirá comprovação de que aquela pessoa realmente precisa do benefício. E as pequenas empresas e empregadores domésticos terão a cobrança de taxas de recursos menores do que as atuais.

O advogado especialista em direito trabalhista Hélio Gomes Coelho Júnior, professor de Direito do Trabalho da PUC-PR, afirma que “não há no planeta nada similar” à quantidade de ações ajuizadas na justiça trabalhista no Brasil. Para ele, uma série de fatores acaba por forçar essa indústria da ação: a legislação é vastíssima, a estrutura da Justiça do Trabalho é grande e produz muitas súmulas que podem ser incoerentes entre si, há um inconsciente coletivo de que é normal abrir reclamação trabalhista e não há incentivos para a resolução de conflitos por meio de órgãos extrajudiciais.

“O Brasil se recusa a incentivar a resolução de conflitos trabalhistas através de órgãos extrajudiciais, privados, preferindo manter uma pesada estrutura judiciária, que consome perto de R$ 19 bilhões por ano, emprega perto de 50 mil burocratas, com boas remunerações e benefícios, e não dá conta do serviço, tanto assim que as pautas de audiências já estão em 2018 e daqui alguns meses chegarão em 2019”, pontua Coelho.

Para Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), essas medidas são necessárias porque “vêm no sentido de moralizar algo que estava sendo usado de maneira irresponsável”. Ele afirma que o custo do trabalho no Brasil é inerente – o funcionário não ganha tanto, mas custa muito para os empregadores e o excesso de ações judiciais entra nessa conta.

Demanda antiga dos advogados

Na avaliação do advogado Nasser Ahmad Allan, doutor em Direito pela UFPR e representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Paraná, não é só na Justiça do Trabalho que o Brasil tem um grande número de ações. O problema é que, para ele, algumas das propostas só atingem um dos lados, e outras podem fazer com que os processos se arrastem ainda mais.

O caso dos honorários de sucumbência é uma reivindicação antiga da advocacia. Atualmente, não há cobrança, mas pela proposta da reforma, deverá ser pago um valor entre 5% e 15% em cima da liquidação da ação para o advogado. “A proposta passa uma impressão que essa é uma iniciativa menos para remunerar o trabalho do advogado e mais para onerar a parte autora do processo”, analisa Allan.

Para Coelho, a mudança afeta a qualidade dos processos propostos. “O número de demandas pode até não diminuir, mas a quantidade de pedidos formulados, seguramente, irá decrescer, pois não se pode negar que muitas postulações, sabidamente infundadas e indevidas, são apresentadas pelo prévio saber de que, se uma só for deferida, as outras não trazem sanção qualquer atualmente”, pontua.

Só não haveria cobrança de sucumbência nos casos de trabalhadores que utilizarem a justiça gratuita. A proposta da reforma também endurece o acesso a esse tipo de assistência judicial, exigindo que a parte autora comprove a necessidade de utilizar o recurso.

Sem espaço para mentira

O estabelecimento de multa para a litigância de má-fé – ou seja, para quem mentir ao longo do processo, inclusive testemunhas – é um ponto quase pacífico da mudança. O professor Coelho lembra que essas regras já existem no processo civil e são uma boa aquisição para o ambiente do processo do trabalho. “Não há ética de ocasião, o cidadão, enquanto parte ou testemunha, deve agir corretamente”, argumenta.

Para Allan, o problema é que da maneira como está proposta, essa litigância é uma via de mão única porque só pune o autor da ação e elimina a possibilidade de aplicação do Código de Processo Civil. “A alteração da verdade dos fatos é passível de acontecer dos dois lados. Se alguém tentou alterar provas, a pessoa tem que ser condenada, independentemente de ser o autor ou réu da ação”, defende.

Mais chance para recorrer

No novo texto da CLT, consta a possibilidade de redução pela metade do valor do depósito recursal para entidades sem fins lucrativos, filantrópicas, empregadores domésticos, microempresas e empresas de pequeno porte. Atualmente, a crítica é que muitas empresas acabam aceitando fazer acordos porque não têm dinheiro para pagar o recurso e seguir com o processo.

Realmente, o custo é alto. O professor Coelho lembra que atualmente, nos litígios trabalhistas, o réu que quiser recorrer ao TRT deve depositar R$ 9 mil. Se for para o TST, o valor pula para R$ 18 mil. Ele cita como exemplo uma pequena empresa que, em um mês, receba três sentenças com condenação de R$ 30 mil em cada. Para recorrer, a empresa terá de fazer três depósitos de R$ 9 mil, mais o pagamento de R$ 600 das custas processuais.

“Como um microempreendedor, um microempresário ou uma empresa de pequeno porte conseguirá recursos para poder recorrer ao Tribunal e, ainda, pagar seus custos fixos e seus compromissos? A proposta de reduzir a meio o valor dos depósitos para tais empregadores, que são os grandes empregadores do Brasil, é bastante adequada. Encaixar o empregador doméstico em tal benefício também é elogiável”, afirma.

Para Allan, a questão é saber a quem vai beneficiar de fato essa medida, já que “a oneração financeira não é tão grande assim”. “Se a pretensão é que se reduza o número de processos, ao aumentar a possibilidade de recursos, você aumenta o prazo da ação”, pondera.

Justiça sem limite

Estabelecer regras mais rígidas para o acesso à justiça gratuita é uma medida elogiada por Coelho. “Não há risco em demandar, ou seja, se não ganhar nada, também não perde nada”, critica. Para ele, há necessidade, sim, de filtrar quem tem acesso ao benefício, mas o advogado admite que pode haver contestações à mudança, com alegação de inconstitucionalidade.

Entenda quais são as propostas da reforma trabalhista para frear a indústria das ações

Honorários de sucumbência

Como é: atualmente, não é cobrado esse tipo de honorários na Justiça do Trabalho. A sucumbência é o princípio de que a parte perdedora no processo deve arcar com os honorários do advogado da parte vencedora.

Como fica: quem é beneficiário da justiça gratuita não terá de pagar. Para os demais, o juiz do trabalho poderá fixar honorários de sucumbência, variando entre 5% a 15% do valor da ação. Fica também estabelecida a sucumbência recíproca, para os casos de procedência parcial da ação. Nesse caso, fica vedada a compensação entre os honorários.

Justiça gratuita

Como é: qualquer pessoa tem direito ao benefício da justiça gratuita, basta fazer uma declaração para obtê-la.

Como fica: pela proposta, agora a pessoa que pleitear a justiça gratuita deverá comprovar a insuficiência de recursos para arcar com as custas do processo. O texto diz que os magistrados podem conceder o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, para quem recebe salário igual ou inferior a 30% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, que atualmente é de R$ 5.531,31.

Litigância de má-fé

Como é: atualmente, a CLT não menciona punições para os casos de litigância de má-fé. Para eventuais punições por essa razão, é preciso consultar o Código de Processo Civil (CPC).

Como fica: o novo texto da CLT acrescenta dispositivos sobre a litigância de má-fé, ‘importados’ do CPC. Nesse caso, quem mentir ao longo do processo terá de pagar uma multa, que varia entre 1% a 10% do valor corrigido da causa, para a outra parte, além de arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. Se o valor da causa foi muito baixo, a multa pode ser de até duas vezes o teto da aposentadoria vigente.

Depósito recursal

Como é: não há distinção que leve em consideração o tamanho da empresa ou capacidade financeira do empregador que está sendo processado para os depósitos recursais.

Como fica: A proposta é de reduzir pela metade o valor do depósito recursal para entidades sem fins lucrativos, entidades filantrópicas, empregadores domésticos, microempresas e empresas de pequeno porte. Empresas em recuperação judicial e beneficiários da justiça gratuita são isentos desse depósito. Também é proposta a substituição do depósito recursal por fiança bancária ou seguro garantia judicial.

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