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| Foto: Mauro Pimentel/AFP

Quem costuma acompanhar os campeonatos de futebol sabe como é importante o gol marcado fora de casa nas disputas do tipo mata-mata. É um critério de desempate. Na prática, vale mais que o gol feito pelo time mandante dentro de seu estádio.

Um gol – um único gol – é exatamente o que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá buscar fora de casa, nos tapetes do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), em Porto Alegre, na próxima quarta-feira (24), durante julgamento do recurso contra sua condenação no caso do tríplex pelo juiz da Lava Jato na primeira instância, Sergio Moro. A aposta de Lula é que, mesmo perdendo por 2 a 1, ele conseguirá reverter a derrota em seu próprio campo (as eleições) e com apoio da torcida (seus milhões de eleitores).

A importância do placar

O placar do julgamento no TRF4 será fundamental para o futuro de Lula. Dependendo do escore, o petista pode ir do céu ao inferno. Ou ficar no purgatório. Pela Lei da Ficha Limpa, condenados em segunda instância (como o tribunal de Porto Alegre) não podem participar de eleições. E, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), também já podem ser presos.

A 8.ª Turma do tribunal, que irá julgar o ex-presidente, é composta por três desembargadores: João Pedro Gebran Neto (o relator do caso), Leandro Paulsen (revisor) e Victor Laus. Há quatro resultados possíveis: condenação de Lula por 3 a 0 ou 2 a 1; e absolvição também por 3 a 0 ou 2 a 1.

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É difícil prever o vai ocorrer. “Tem argumentos bem consistentes na defesa do Lula, mas não dá para prever um resultado. De uma maneira geral, independentemente do caso envolver o Lula ou não, o que a gente tem visto na Lava Jato é que tem havido uma afinidade das decisões da primeira instância e do TRF4”, diz Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da USP. Se essa afinidade se mantiver, Lula será condenado.

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CENÁRIO 1: Lula condenado por 2 x 1

PT em busca de mais tempo

Por isso o time de advogados do ex-presidente vai entrar em campo para pelo menos conseguir o tão desejado golzinho de honra e não perder de goleada. “O que o PT busca primordialmente é ganhar tempo. E o tempo poderá ser favorável se imaginarmos a possibilidade do Lula ser condenado por 2 a 1”, diz o advogado criminalista Fernando Castelo Branco, professor de Direito Processual Penal na PUC-SP.

Castelo Branco explica que a divergência de um único voto a favor de Lula abre a possibilidade legal de a defesa do ex-presidente entrar, no próprio TRF4, com um tipo de recurso que ele não terá se o placar for de 3 a 0: os embargos infringentes. Enquanto os embargos infringentes não forem julgados, o processo na segunda instância não termina, Lula não fica inelegível e não pode ser preso.

Na prática, a apreciação dos embargos infringentes é um novo julgamento, que seria realizado pelos três desembargadores da 8.ª Turma juntamente com os três da 7.ª Turma do TRF4: Márcio Antônio Rocha, Claudia Cristina Cristofani e Salise Monteiro Sanchotene.

Gol de honra embola o meio de campo eleitoral

“[O julgamento dos embargos infringentes] é um processo demorado”, diz Castelo Branco. O TRF4 já julgou três recursos desse tipo nos processos da Lava Jato até agora. Dois deles foram apreciados seis meses após a decisão da 8.ª Turma e o outro, sete meses depois.

Portanto, se Lula conseguir o “gol fora de casa” e a média de tempo de julgamento dos embargos infringentes for mantida, ele só poderia ser oficialmente condenado (ou absolvido) em segunda instância entre o fim de julho e o fim de agosto.

Após o julgamento dos embargos infringentes, caberiam ainda embargos de declaração – recurso em que a defesa pede para que os desembargadores esclareçam pontos obscuros ou omissões na sentença desse segundo julgamento de Lula no tribunal de Porto Alegre. Esse recurso, contudo, não pode mais mudar a decisão. Mas, como o TRF4 demora em média de um a dois meses para julgar os embargos de declaração, a condenação definitiva de Lula no TRF4 ficaria para o período entre o fim de agosto e fim de outubro.

Isso embolaria o meio-campo da eleição. O prazo final para o registro de candidaturas presidenciais é 15 de agosto. E a data-limite para pedir na Justiça Eleitoral o indeferimento de um candidato é 25 de agosto, num processo que pode se arrastar na Justiça Eleitoral até 17 de setembro. O primeiro turno está marcado para 7 de outubro e o segundo será em 28 de outubro. Ou seja, Lula poderia inclusive não estar inelegível durante toda a campanha, mesmo que seja condenado nesta quarta-feira.

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O grande imbróglio: Lula eleito e condenado

Além disso, mesmo tendo sua candidatura barrada na Justiça Eleitoral, Lula poderia continuar a fazer campanha amparado numa liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF). E, eventualmente, pode vencer a eleição nessa condição.

“Cento e setenta prefeitos se elegeram na eleição passada com o registro indeferido. Esses dados estão no site do TSE”, diz o advogado Luiz Fernando Pereira, especialista em legislação eleitoral. “O Lula pode se eleger com o registro indeferido. Alguém pode dizer que é um absurdo, mas estaria longe de ser inédito”.

Se vier a vencer a eleição, estaria criado um enorme problema político: como meia dúzia de juízes pode anular milhões de votos? Colocar esse dilema na mesa de um tribunal superior é uma das apostas do PT. Estudo jurídico encomendado pelo partido a Pereira diz que há “razoáveis chances” de Lula conseguir uma liminar para reverter sua inegibilidade em função do “elevado grau de dificuldade de impedir a posse de um presidente eleito”.

E, se efetivamente tomar posse em 1.º de janeiro de 2019, todos os processos que correm contra Lula (sete no total) seriam suspensos até ele deixar a Presidência, em janeiro de 2023 ou janeiro de 2027 (se vier a ser reeleito). A Constituição proíbe que um presidente seja processado por fatos que não tenham relação com o mandato em andamento.

CENÁRIO 2: Lula condenado por 3 x 0

“Goleada” reduz as chances do ex-presidente

O imbróglio eleitoral que vai ocorrer no caso de um placar de 2 a 1 contra Lula tende a ser bem menos “enroscado” se o ex-presidente perder por 3 a 0 no TRF4. Isso porque, nesse caso, a defesa do ex-presidente não poderia ingressar com embargos infringentes contra o mérito da sentença, apenas com os embargos de declaração. Ou seja, poderia apenas pedir esclarecimentos sobre a decisão e não poderia tentar mudá-la. Tecnicamente, haveria ainda a possibilidade de recursos se, na decisão dos desembargadores, houver redução da pena imposta pelo juiz Sergio Moro – mas esse recurso tampouco mudaria a sentença; apenas poderia adiar o desfecho.

No caso dos embargos de declaração sobre a decisão com placar de 3 a 0, a tendência é de que sejam apreciados entre o fim de fevereiro e o fim de março, podendo encerrar em definitivo o processo no TRF4. Isso impediria que Lula chegasse à campanha eleitoral com recursos pendentes, o que facilitaria o julgamento na Justiça Eleitoral de sua candidatura – que tenderia a ser indeferida se a Lei da Ficha Limpa for cumprida. E dificilmente o recurso contra a condenação no TRF4, que defesa dele levaria às instâncias superiores, seria julgado ainda em 2018. Esse também seria o cenário em que Lula poderia ser preso mais cedo.

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E a prisão em caso de condenação, como fica?

É estranho, mas Lula poderia ser candidato de dentro da cadeia

Uma condenação de Lula, seja placar de 2 a 1 como o de 3 a 0, poderia criar uma situação inusitada: o ex-presidente ser candidato ao Planalto de dentro da cadeia – o PT já afirmou que ele vai registrar candidatura mesmo condenado. Embora estranha, essa possibilidade existe porque a Justiça comum e a Justiça Eleitoral não necessariamente vão tomar decisões convergentes. O petista poderá fazer campanha amparado por liminar.

“Há casos de prefeitos que se elegeram presos. Estar preso não significa estar inelegível, estar inelegível não implica em estar fora da campanha. Em tese, juridicamente Lula poderia ser candidato mesmo preso”, diz o advogado Luiz Fernando Pereira, especializado em legislação eleitoral.

Mas o professor de Direito da USP Gustavo Badaró vê o outro lado dessa moeda: “Na prática, a prisão do inviabiliza qualquer pretensão eleitoral. Não vai dar para fazer campanha, viajar, participar de campanha no rádio e na TV”.

Prisão de Lula tende a ficar para dezembro ou depois

A hipótese de Lula fazer campanha preso, porém, é muito improvável. Nos bastidores da Justiça Federal, a estimativa é de que, devidos aos trâmites burocráticos da Justiça, a prisão do petista em caso de condenação só iria ocorrer dez meses após serem esgotados todos os recursos no TRF4. Ou seja, não antes do fim de dezembro.

Os números da Lava Jato comprovam como a execução da pena de prisão após a condenação pelo TRF4 não é imediata. Dos 47 réus da operação que foram condenados de modo definitivo pelo tribunal, só 13 estão presos. E 11 deles já estavam detidos cumprindo mandado de prisão preventiva, expedidos antes da sentença de segundo grau.

CENÁRIO 3: Lula inocentado

Absolvido, Lula será candidato sem empecilhos

Há ainda mais um cenário para Lula no julgamento do TRF4: ele ser absolvido. Caso isso ocorra, seja qual for o placar, o ex-presidente certamente não terá nenhum empecilho para se candidatar à Presidência.

O Ministério Público Federal (MPF) certamente iria recorrer contra a absolvição ao STJ ou ao STF – nesse último caso, se a decisão puder ter sua constitucionalidade questionada.

Mas dificilmente haveria tempo hábil para um novo julgamento e eventual condenação do petista nessas cortes. Em quase quatro anos de Lava Jato (e três em que a operação está em tribunais superiores), STJ e Supremo nunca finalizaram um processo da operação. Lula, portanto, seria candidato. E um candidato ainda mais forte, pois foi inocentado.

Além disso, embora o petista responda a outros seis processos em primeira instância nos quais eventualmente até poderá vir a ser condenado ainda em 2018, muito dificilmente algum desses casos será finalizado pela segunda instância ainda neste ano.

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