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| Foto: Wenderson Araujo/Gazeta do Povo

Pré-candidato a presidente pelo Podemos (antigo PTN), o senador paranaense Alvaro Dias reluta em se definir politicamente. Diz que no Brasil há muita “esquizofrenia” nas discussões entre esquerda e direita. Mas, depois de alguns rodeios, dá uma resposta titubeante: “Talvez eu seja de centro”. Trata-se da posição moderada no espectro político. Mas, para chegar ao Planalto, ele pretende apresentar ao país um projeto que pode ser considerado radical: “refundar a República”. Em apenas 100 dias. “Ou você faz no início [do governo], quando está com credibilidade plena, ou não faz mais.”

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Alvaro explica a “pressa”. Sua proposta mexe profundamente com privilégios e interesses políticos e corporativos que vão unir suas forças para barrar as mudanças no Congresso. E só não farão isso se o presidente eleito tiver o apoio das ruas.

Em tempo: para o senador, “refundar a República” é reduzir profundamente o tamanho do Estado, cortar ministérios, cargos comissionados, privatizar quase todas as estatais. E também tesourar privilégios de juízes e diminuir o tamanho do Senado em um terço e o da Câmara pouco mais do que isso. E também diminuir o número de partidos.

Se alguém viu nessas propostas apenas o “lado de direita” de Alvaro, ele apresenta sua face “de esquerda”, que no fim o leva para o centro: se eleito, pretende aprovar uma reforma tributária baseada num “imposto quase único”, uma espécie de CPMF sobre movimentações financeiras, que permita que sobre mais dinheiro no bolso da população de menor renda.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Alvaro detalha seu plano para “refundar a República”, entre uma e outra alfinetada nos adversários. Também rebate as críticas sobre sua trajetória política, que inclui sete trocas de partidos. Equilibra-se sobre as incoerências de seu partido. Posiciona-se sobre temas polêmicos: casamento homoafetivo, aborto, descriminalização das drogas, ideologia de gênero, ensino religioso nas escolas, porte de armas. E também dá pistas de qual será sua estratégia de campanha: conquistar o eleitorado do Sul e do Centro-Oeste para poder chegar ao segundo turno.

A pesquisa Datafolha divulgada no início de dezembro colocou o senhor com 4% das intenções de voto no cenário que hoje é o mais provável de ocorrer. É um índice modesto. Mas há vários casos de candidatos que se elegeram começando a disputa com porcentuais semelhantes. Além disso, a pesquisa também mostra que o senhor é conhecido por apenas 44% dos eleitores. E também há o fato de seu partido, o Podemos, ser pequeno. Qual sua estratégia para se tornar mais conhecido e vencer a eleição?

Talvez por causa da tragédia política que se instalou no país, há um desespero em busca de uma mudança. Isso antecipa o processo eleitoral e as pessoas fazem análises como se a eleição fosse agora. Mas só será em outubro do ano que vem. E, até a eleição, é possível que o quadro atual seja alterado. A questão do desconhecimento é real. Mas se o desconhecimento pode ser apontado por alguns como algo ruim, para mim é positivo. Porque, se eu tivesse assaltado a Petrobras, eu seria conhecido por 120% dos brasileiros. Hoje é conhecido quem roubou.

Além disso, a análise que se faz sobre pesquisas, a meu ver, é equivocada. Quando se diz que um candidato tem 30% de intenções de voto, são 30% em cima de apenas 30% que já decidiram em quem votar. São apenas 9%. Então o jogo não começou; a eleição está totalmente aberta. Mas há setores da imprensa que estimulam uma bipolarização entre a extrema esquerda e a extrema direita que não ocorrerá e que é extremante nociva para o país.

O senhor fala de Lula e Jair Bolsonaro?

Exatamente. Uma extrema esquerda organizada em função dos últimos anos de aparelhamento do Estado. E uma extrema direita mais desorganizada, mas ativa, principalmente nas redes sociais. Mas vai chegar um momento de reflexão, de que a tragédia nacional pode ser reeditada. De que, se a escolha for infeliz, o país continuará sangrando e a população sofrendo por tempo indefinido. Por isso eu imagino que haverá lucidez em 2018. E isso me leva a acreditar que as estruturas partidárias perderão força, até pela desmoralização dos partidos em função da Lava Jato. Nesse cenário, ganham força a forma e o conteúdo a serem apresentados na campanha.

Partidos grandes, como o PT e o PSDB, têm um “exército” de prefeitos, deputados e vereadores para virarem cabos eleitorais. É uma estrutura capilarizada que, segundo a ciência política, é fundamental para eleger um presidente. É isso que o senhor considerada que não será fundamental?

Veja o que o Datafolha diz: o eleitor quer um candidato com experiência administrativa e passado limpo. Isso é que será preponderante. Eu tenho experiência administrativa positiva. E um passado limpo. Nesses 15 anos, ninguém combateu mais o roubo que eu. Ninguém apresentou tantos pedidos de auditoria e representações ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União, ingressou com tantas ações no Supremo Tribunal Federal, apresentou tantos projetos de lei no campo do combate à corrupção. Até porque a oposição foi dizimada [pelos governos do PT] e poucos restaram. Hoje, alguns que se apresentam nesse campo com valentia e, evidentemente, oportunismo estavam à sombra do poder e dele se beneficiaram, se alimentando de suas falcatruas. Hoje eles se apresentam como heróis do sertão, valentes combatentes da corrupção. Mas a população tem de cobrar: onde você estava quando o Brasil estava sendo assaltado? Combatia a corrupção ou era cúmplice ou partícipe dela?

O senhor pode citar nomes?

Por formação, eu prefiro não dizer agora, atirando pelas costas. Mas vou dizer na frente deles quando tiver a oportunidade, nos debates eleitorais.

E há também aqueles que hoje combatem privilégios, mas não abrem mão dos seus. É preciso indagar para eles: você abriu mão dos seus? Só tem autoridade para questionar privilégios quem abre mão dos seus. Eu abro mão de uma aposentadoria de ex-governador [do Paraná] que já teria rendido mais de R$ 10 milhões em 26 anos, direito líquido e certo. Eu abro mão, há mais de dez anos, da verba indenizatória e do auxílio-moradia de senador. Nas soma, por mês, eu abro mão de R$ 50 mil. E vivo as dificuldades naturais de quem banca as despesas do seu mandato com recursos próprios. Isso me autoriza a combater privilégios. E isso está ligado ao carro-chefe da nossa proposta, de ruptura com este sistema corrupto de poder.

O senhor falou em outras ocasiões que uma forma de romper esse sistema é acabando com o toma-lá-dá-cá, a barganha de espaços no governo em troca de apoio no Congresso. Praticamente todos os governos, desde a redemocratização, adotaram essa prática. Como seria possível governar sem a negociação de cargos?

Essa prática é antiga, mas foi institucionalizada pelos governos do PT. As alianças se ampliarem, a cooptação se alastrou e a oposição se dizimou. Mas esse é um desafio possível. Quando eu fui governador [de 1987 a 1991], eu fiz isso. Ninguém indicou ninguém para qualquer cargo que seja. Eu montei a minha equipe com o melhor que pude encontrar em cada área. Por isso nós terminamos nosso governo com 93% de aprovação, segundo o Datafolha. Exatamente pela qualidade técnica, que teve prevalência no momento da escolha. Eu acho que o momento mais importante de um mandato de presidente é o momento da escolha de sua equipe. Se ele escolhe bem sua equipe, com qualificação técnica, abre perspectiva de sucesso. Se ele loteia o governo, ele plantou o fracasso. Se eu chegar à Presidência, será assim, com indicações qualificadas, técnicas, suprapartidárias. Vai haver uma ruptura. Mas é preciso ter coragem. Vou contar uma história: o Itamar [Franco, ex-presidente, de 1992 a 1994] me convidou para ser presidente de Itaipu, um dos cargos mais cobiçados do país. Quando eu cheguei em Brasília, apresentei os nomes que ia nomear para as diretorias, quadros técnicos, competentes. Aí, o Itamar me falou: “Alvaro, quem vai nomear os diretores são os partidos”. Então eu recusei o cargo. Eu sempre rompi com esse sistema.

Mas, sem negociar cargos, seu governo não ficaria refém do Congresso, dos partidos? Não haveria risco de o senhor não conseguir governar?

A ruptura com esse sistema abre perspectiva de desenvolvimento do país. Porque foi com esse modelo que nasceu o mensalão, sanguessugas, gafanhoto, o petrolão. E, com o apoio da sociedade, você terá o apoio do Congresso. Porque o Congresso não rema contra a maré. Se um líder adota esse modelo, terá o apoio da sociedade. Mas o presidente tem de chegar e, ainda no calor das urnas, dizer quais as mudanças que quer fazer. E tem de ir à sociedade e tem de ter competência de se comunicar. O Plano Real, por exemplo, deu certo porque houve boa comunicação; e a população apoiou. O Brasil é um país à espera de reformas. É preciso obter o apoio das pessoas, dizer que as reformas não são contra elas, mas a favor delas.

Quais são essas reformas? Isso inclui a reforma a da Previdência? Pesquisa indicam que a maioria da população é contra a reforma da Previdência. Como obter apoio da população para reformas que muitas vezes são impopulares?

O povo é contra a reforma da Previdência porque o governo não conseguiu se comunicar bem com a população. Mas a principal reforma, que autoriza as demais, é a reforma do Estado. Eu chamo de refundação da República. Passa pela reforma de estruturas, com a redução dos quadros e do aparelhamento, eliminando paralelismo, superposição de ações, com a redução de ministérios e de estatais. Temos hoje 149 empresas estatais federais Com exceção daquelas estratégicas, do setor de energia, temos de privatizar praticamente todas elas. E reduzir o tamanho do Estado de cima abaixo: ministérios, secretarias, diretorias, departamentos, cargos comissionados. Enxugar pra valer.

E não só no Executivo. Mas também no Legislativo, que vai doer mais. Por exemplo, com a redução do Senado em um terço, cortando de 3 para 2 senadores por estado. Na Câmara, ainda tem de fazer o cálculo... Mas, quando eu fui deputado, eram 323. Hoje são 513. Podemos voltar a essa situação anterior. E, na sequência, tem de reduzir proporcionalmente o tamanho das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores. Isso vai significar uma grande economia e vai também qualificar o Legislativo.

E ainda é necessário reduzir o número de partidos, com uma cláusula de desempenho [nas eleições] mais rigorosa do que essa que foi aprovada agora [no Congresso]. E aí a gente já começa a reforma política. Hoje temos 35 partidos representados no Congresso. Toda reunião de líderes não decide nada, vira um comício, não há consenso em nada. O processo legislativo fica comprometido.

Essas mudanças mexem ainda mais profundamente em interesses do que a simples negociação de cargos. Volto a insistir na pergunta: será possível executá-las? O Congresso não poderia boicotar seu governo?

Se o governo não tiver popularidade, sim. Se tiver popularidade, não. Mas é importante dizer que não se faz reforma para o mandato em andamento. Tem de jogar as mudanças da reforma política para frente. Isso facilita. Mas é com apoio popular e com o convencimento de que, caso contrário, o país vai ficar inviável.

O senhor falou em reforma do Estado e reforma política. Quais outras reformas têm de ser feitas?

Uma é a reforma do sistema federativo, porque há hoje uma injustiça distributiva de recursos públicos, em função de a União ter concentrado os recursos. E tem também a reforma tributária, que coloque mais dinheiro no bolso dos brasileiros.

E como seria essa reforma tributária?

A reforma tributária terá que ter como consequência a redução dos preços dos produtos essenciais para a população: combustíveis, medicamentos, cesta básica. É possível fazer e também reduzir o número de impostos e tarifas. Tem de ser um imposto quase único.

Seria um imposto sobre consumo?

A ideia é tributar menos o consumo e mais a renda. No caso, se estabeleceria o imposto sobre movimentação financeira, que estabelece a impossibilidade de sonegação. E esse imposto quase único abarcaria quase todos os tributos existentes.

Seria uma espécie de CPMF?

Sim, mas num outro modelo, porque eu fui combatente vigoroso da CPMF e posso me colocar como um dos principais responsáveis pela derrota da CPMF no Senado. Essa redução de número de tributos iria garantir maior distribuição de renda, uma dinamização da economia. E a população pagaria menos. O Imposto de Renda seria cobrado de quem ganha mais, porque o imposto sobre movimentação financeira garantiria uma receita suficiente. Vou citar um exemplo do meu governo no Paraná. Havia uma sonegação brutal no setor de carnes. O ICMS sobre a carne tinha alíquota elevada, de 17%. Nós reduzimos para 7% ou 5%, não me lembro ao certo. E a receita cresceu 300%. Ao se reduzir o imposto, eliminou-se a sonegação.

E a reforma da Previdência?

Há de se fazer uma reforma da Previdência modernizadora. Não essa reforma do governo Temer. É uma reforma simplista, que não vai alcançar os resultados propalados. Vai aumentar o emprego, a renda, receita? Eu não sei como. Por que o governo não explica.

Se a reforma de Temer chegar ao Senado, com o senhor vai votar?

Eu vou esperar ela chegar para decidir. Porque qualquer reforma é mais importante do que deixar como está. Mas uma reforma precipitada pode apenas aumentar os conflitos e pode ser nefasta ao invés de ser benéfica. Uma reforma da Previdência deve levar em conta a complexidade do país, deve considerar que a longevidade não é igual em todas as regiões do país, de que há atividades profissionais que são mais desgastantes e outras menos desgastantes. Há de se fazer uma reforma. Mas é preciso conversar com a sociedade para que ela assuma o futuro do país de forma plena.

Voltando aos cortes de privilégios. E o Judiciário? O senhor não falou nada da Justiça. Pretende propor o corte dos chamados “penduricalhos” dos salários, como o auxílio-moradia, por exemplo?

Quando alguém faz um concurso para a magistratura, ele tem de saber que vai ganhar um salário sem penduricalhos. Um magistrado bem remunerado é uma segurança de que a população vai ter um bom retorno. Então há de se remunerar os magistrados com bons salários, mas em penduricalhos. Então, quando eu falo em eliminar privilégios, isso alcançará todos os poderes. A exemplo do que nós estamos propondo com o fim do foro privilegiado. É um projeto de minha autoria de 2013, aprovado no Senado, que alcança todas as autoridades dos três poderes; e não apenas os políticos.

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O salário dos juízes é adequado?

Há de se pensar nisso. Ele não é adequado por causa do penduricalho. Se for só o salário, é adequado. Mas essa é uma questão que pode ser discutida. Mas essa não é a discussão principal. No parlamento, primeiro temos de discutir quantidade: quantos devemos ser? Para depois discutir quando merecemos ganhar. O mesmo vale para o Judiciário: primeiro temos de discutir a composição dos quadros das cortes superiores. O modelo atual está sendo condenado pela sociedade.

No caso, o senhor propõe eleição para cortes superiores?

Seria um modelo misto: que a escolha parte do próprio mundo jurídico – e aí é preciso discutir a forma. Mas o mundo jurídico faz a lista, valorizando a meritocracia, encaminha para o presidente, que reencaminha para o Senado.

O senhor é a favor de mandato para ministros do STF?

É um assunto que pode ser discutido. Tem validade a tese.

Qual seria a ordem de proposição ao Congresso de todas essas reformas que o senhor propõe? Qual é a prioritária?

Nos primeiros 100 dias de governo, tem de apresentar o conjunto de reformas todas. Ou você faz no início, quando está com credibilidade plena, ou não faz mais. É preciso ser ágil na apresentação das propostas, na refundação da República. As grandes mudanças só ocorrem se o presidente assumir as reformas. Se eu eventualmente chegar à Presidência, vou eleger uma comissão de especialistas para elaborar os pré-projetos. E aí submeto à sociedade. E depois ao Congresso. Com isso, você foge do corporativismo. O Congresso acaba adotando a reforma que vem da sociedade.

O senhor falou em privatizar quase todas as estatais, mas disse que pretende manter algumas estratégicas. Quais?

A Petrobras, por exemplo.

Mesmo com tudo o que ocorreu na Petrobras?

Nós temos de tirar a Petrobras das mãos dos assaltantes e devolvê-la ao país.

E como impedir que os casos de corrupção na Petrobras não voltem a ocorrer?

Qualificar tecnicamente. Tem de partir do princípio de que a desonestidade na administração pública não é a regra. Ou não tem de ser a regra no futuro. E a Petrobras, se for privatizada, continuará estatal com outro idioma. Porque certamente uma estatal chinesa ou norueguesa vai comprar. Porque, em vez de gerar recursos para o país, vai gerar para outra nação. A Petrobras é uma empresa que pode gerar recursos para saúde e educação, pode alimentar o caixa do Tesouri em vez de significar uma hemorragia como nos últimos anos, porque ela foi criminosamente assltada. Certamente é uma empresa preciosa para o país, estratégica.

E quais outras são estratégicas?

A Eletrobras, porque administra a energia, os custos da energia. Nós não podemos entregar a definição dos preços da energia no país para uma empresa chinesa, por exemplo, que vai privatizar o Rio São Francisco. Os nordestinos não vão gostar. A energia é um setor essencial. Mas isso não impede que haja competição das estatais com o setor privado. Devemos abrir alternativas para que o setor privado possa investir nesses setores, que venha concorrer com as estatais. Se você privatiza tudo, vai prevalecer o legítimo interesse ao lucro. E as estatais competentes podem estabelecer parâmetros comparativos de preços a fim de evitar o exagero na cobrança de tarifas aos consumidores.

Mas o estado não teria mecanismos de regulamentar isso de outra forma, regulando os preços?

Mas aí você estabelece uma imposição complexa para a iniciativa privada. Acho que tem de ter liberdade de empreender e de consumir. Isso tem a ver com o liberalismo: por que o Estado não pode competir com o setor privado em determinados setores estratégicos, muito pontuais?

O senhor acaba de defender o liberalismo. Falou em privatizar quase todas as estatais, preservando algumas. Como o senhor se define politicamente? Um liberal atenuado? Ou senhor é de centro? Seu partido diz que não é nem de esquerda nem de direita...

Na política brasileira, com essa esquizofrenia que existe hoje, fica difícil definir a si próprio. Mas talvez eu seja de centro, porque há valores da direita e valores da esquerda que não podem ser desprezados. A direita e a esquerda não são proprietárias de determinados valores que defendem. Acho que são valores universais. Acho que temos de aproveitá-los. E é a soma deles que constrói e nos empurra adiante. Eu advogo teses da direita – como a redução do tamanho do Estado, um estado mais eficiente, mais enxuto, mais econômico, uma correta relação do custo-benefício dos investimentos. E, quando eu falo que é preciso fazer uma reforma tributária que garanta uma melhor distribuição de renda, aí você já desenha aquilo que alguns pretensiosos da esquerda se dizem proprietários e que não são. Na verdade há programas sociais que devem ser mantidos até emergencialmente, porque nós temos um país com um quadro de pobreza incrível. E, enquanto isso se mantiver, até o país superar essas dificuldades, nós temos de ter programas sociais de complementação de renda. Mas os programas sociais não são propriedades da esquerda. Até porque eles já existiam antes. O PT manteve programas que já existiam e, ocasionalmente, mudou seu nome – como o Bolsa Escola, que virou Bolsa Família.

Um dos pontos centrais de sua campanha será o combate à corrupção. Mas os deputados de seu partido, o Podemos, se dividiram na votação da admissibilidade das denúncias da Procuradoria Geral da República contra o presidente Temer. Na segunda denúncia, oito votaram a favor de Temer, para mantê-lo no cargo, e sete contra. O partido està dividido na tese do combate à corrupção?

O Podemos defende a democracia direta, a consulta popular para decidir sobre determinados assuntos. Houve a consulta [às bases]. Nós reunimos a executiva do partido e orientamos que fosse acolhida a denúncia. Mas isso gerou uma crise, com o líder do partido [Alexandre Baldy], que acabou levando ao afastamento dele. E o afastamento dele lhe conferiu um prêmio: ele mudou de partido [foi para o PP] e virou ministro. Naquele ocasião, houve esse dilema. Mas eu acho que, até a eleição do ano que vem, nós não poderemos exigir uma posição de unidade do partido. O Podemos ainda é um partido ainda em construção.

Mas isso não enfraquece a tese de combate à corrupção de sua campanha, com o partido (ou parte dele) adotando uma posição divergente daquela que o senhor defende?

Isso dificulta sim. Mas temos de administrar isso da melhor maneira, pressionando para eu se busque unidade, mas sem exigir. Porque o pessoal que veio para o partido já veio com essa condição, de liberdade de posicionamento. E o partido, que tinha quatro deputados, hoje tem 18. E vai passar de 25 na janela [de mudança partidária].Mas o Podemos ainda não é um partido, é um movimento. Aliás, eu sou muito cobrado de ter trocado muito de partido... Até achei que essa seria uma pergunta sua...

Foram sete trocas de partido...

[Alvaro conta e diz]: Foram seis partidos. Do PSDB eu fui expulso e depois voltei. Então um [partido] não conta. Mas não importa. Podiam ser dez. Eu costumo dizer que nunca troquei de partido. Eu mudei de sigla. Mas não de partido. E hoje estou no Podemos, que não é um partido, é um movimento. Pode virar um partido.

E essa é minha resposta à crítica de que eu troco muito de partido: eu sempre fui um contestador da política. O que mais me irrita hoje na análise da política e que eu sou um integrante da velha política porque eu tenho 41 anos de mandato. Não, eu sempre contestei a velha política. Pode-se dizer que eu sou o mais velho contestador da velha política e desse sistema. E sempre rompi com ele quando tive a oportunidade. É uma conduta de coerência. Há uma história que pode ser contada: que eu me sentia irriquieto com as estruturas não modernizadas do sistema partidário e político, que eu contestava o sistema da velha política. Na verdade, eu nunca mudei de partido. Mudei de sigla, procurando um partido que nunca encontrei. Mas eu, que nunca encontrei um partido, posso assegurar que agora encontrei.

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Uma crítica em relação ao Podemos é que se trata de um partido que só mudou de nome. A atual presidente da sigla, a deputada Renata Abreu (SP), já era presidente do PTN...

A Renata Abreu, que é uma empresária jovem, tem 35 anos de idade. Ela nunca poderia ser da velha política.

Mas o pai dela, José Masci de Abreu, era quem presidia o partido antes da Renata...

Mas era um partido que praticamente não existia. Todos os deputados do Podemos, com exceção de um da Bahia, estão no primeiro mandato.

O senhor fala que o Podemos não é um partido, mas um movimento. Mas quais movimentos o partido representa?

O Podemos foi idealizado pela Renata Abreu, que estudou os movimentos europeus. Ela foi buscar essa experiência europeia para tentar aplicar aqui no Brasil. Se há insatisfação na Europa com os partidos, imagina aqui no Brasil. Portanto, caberia aqui um movimento como esse, que é inovador, um partido-movimento. Vai se tornar um partido de verdade? Eu não sei; o tempo dirá. E, se não houver reforma política, certamente ele vai virar refém do sistema atual e não vai virar um verdadeiro partido.

Eu insisto na pergunta: que movimentos o partido representa? O Podemos do Brasil não é só um movimento de políticos? O Podemos da Espanha, por exemplo, surgiu do movimento de rua dos indignados, em 2011. Só após isso é que eles decidiram se organizar politicamente.

O mal é pensar que a política é o mal. Tem de ser um movimento da política e de políticos. Não existe política sem políticos. Mas o Podemos do Brasil é diferente do Podemos espanhol, que é de esquerda. Mas não é muito diferente de outros partidos-movimento da Europa. O modelo político é o mesmo. E o Podemos do Brasil, apesar de não ser muito divulgado, está agregando valores de fora da política: líderes da OAB, do Ministério Público, da Polícia Federal.

O senhor acaba de citar que o Podemos está agregando integrantes do MP e da Polícia Federal. Existem conversas para filiar integrantes da Lava Jato do Paraná?

Eu tenho o maior respeito pelos integrantes da força-tarefa no Paraná. E não os convidaria em função desse respeito que devoto a eles. Eu não comprometeria o trabalho deles com especulações de natureza política. Tenho rechaçado as especulações. E é verdade: não tenho conversado com eles sobre política. Eventualmente, tenho contatos sobre combate à corrupção, apresentação de projetos no Congresso. Já apresentei no Senado sugestões do Edson Fachin, do Sergio Moro. Desde a emenda 37, me aproximei muito do Ministério Público. E, mais recentemente, na discussão sobre o foro privilegiado.

O senhor tem contato frequente com Sergio Moro?

Ocasionalmente. Ele já foi ao Congresso e participou de debates dos quais eu participei. Já foi em homenagens às quais eu compareci. Nessas ocasiões, tenho tido a oportunidade de conversar com ele. Mas nada proposital. Antes [da Lava Jato], até tínhamos mais contato. Ele era muito atuante na Ajufe [Associação dos Juízes Federais] e costumava ir ao Congresso para apresentar propostas. Mas agora a relação tem sido cuidadosa para evitar especulações de má-fé.

Durante a campanha presidencial, alguns temas de natureza comportamental devem surgir no debate. Por exemplo: casamento entre pessoas do mesmo sexo. Qual é a sua opinião?

O Supremo já deliberou sobre esse assunto. Então é algo tranquilo, já tem jurisprudência formada. E eu respeito a decisão do Supremo, que respeita a liberdade humana de fazer suas opções.

Descriminalização das drogas? Ou pelo menos de parte delas, como a maconha?

Sou rigorosamente contra. A liberalização certamente aumentaria o consumo. E nós não temos estrutura para recuperar os viciados.

Ampliação ou redução das possibilidades de aborto legal?

A legislação atual é suficiente. E, nesse campo, eu sigo muito a orientação religiosa.

Porte de armas? Existe uma discussão para rever e até revogar o Estatuto do Desarmamento.

Acho que tivemos tempo suficiente para perceber que alterações são necessárias. Neste momento de crescimento avassalador da criminalidade no país, muitas pessoas querem ter o direito de fazer sua opção [a ter uma arma] para se defender. Existem situações, no interior do país, na área rural, em que não há policiamento, que o cidadão tem de ter alguma forma de proteção. Então, acho que temos de ter uma legislação rigorosa, mas que permita o porte de arma. Obviamente, quem tiver deverá arcar com as consequências legais de um desvio de conduta [no uso da arma].

Como o senhor vê a discussão sobre a abordagem de questões de gênero nas escolas, sobre a ideologia de gênero?

Fui o relator do Plano Nacional de Educação na Comissão de Educação do Senado. Recebi a proposta com esse dispositivo e o retirei. Apresentei um texto final, redigido a várias mãos, que contemplou a manifestação de várias igrejas e outros setores para que esse dispositivo fosse retirado do plano.

O senhor acha que esse não é um assunto que deva ser discutido nas escolas? É um tema que só cabe à família?

Especialmente à família. Obviamente, se há uma discussão na escola, ela não deve ser institucionalizada.

E com relação ao ensino religioso na educação pública? Recentemente o STF permitiu que houvesse aulas de religião nas escolas públicas. Qual sua posição?

Deve haver liberdade em relação à religião. Somos um país aberto a todas as crenças. Então não vejo nenhum problema que se ministre religião em todas as escolas.

Seu irmão, [o ex-senador] Osmar Dias, pretende concorrer ao governo do Paraná pelo PDT, partido que tem um provável adversário seu, Ciro Gomes, como pré-candidato a presidente. O senhor tem conversado com seu irmão? Convidou ele a ingressar no Podemos?

Naturalmente, nós temos conversado. Mas ele tem total liberdade de definir seu futuro. Eu disse a ele que nosso partido está com as portas abertas. Mas nada de bullying [risos]. Ele tem de buscar um lugar [partido] onde se sinta confortável. Mas se ele permanecer no PDT, o apoio recíproco entre nós ficará inviabilizado legalmente. Obviamente, eu vou votar nele e ele em mim. Mas não poderemos fazer campanha um para o outro.

A última pesquisa Datafolha mostrou que o senhor está num empate técnico com Bolsonaro no Sul. O senhor vai muito bem no Sul, onde fica o Paraná, seu estado...

Meu sonho é unir o Paraná [pela minha candidatura] de forma suprapartidária, com os prefeitos, políticos, entidades e associações. E não só o Paraná. Mas o Sul. Não tem o movimento o Sul É Meu País? Sou o único candidato que tem mais intenção de votos do que rejeição no Sul. Então, por que não aproveitar a oportunidade de ter uma candidatura sulina que possa ser viabilizada? Eu creio que, se houver uma unidade do Sul [pela minha candidatura], certamente estarei no segundo turno. E também posso incluir aí o Centro-Oeste, que tem um eleitor de perfil semelhante ao do Sul.

O que eu queria perguntar é se, diante de sua popularidade no Paraná, há alguma possibilidade de o senhor desistir da candidatura à Presidência para disputar o governo do estado?

Sabe quando eu vou desistir? Nunca. O que não me falta é coragem. E eu tenho esperança. Acredito na inteligência das pessoas. De que elas, diante das candidaturas que estão postas, vão refletir sobre o futuro do país com responsabilidade. Essa reflexão vai prevalecer em determinado momento da campanha. Espero que a gente consiga mostrar para o país que a administração pública é viável.

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