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Local onde ocorrerá o julgamento de Lula, no TRF-4, em Porto Alegre: divergência dentro da sala vai se espalhar por todo o país. | Sylvio Sirangelo/ TRF4
Local onde ocorrerá o julgamento de Lula, no TRF-4, em Porto Alegre: divergência dentro da sala vai se espalhar por todo o país.| Foto: Sylvio Sirangelo/ TRF4

A absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou o voto a favor dele de apenas um dos três desembargadores que vão julgá-lo nesta quarta-feira (24), no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), pode abrir um flanco na Lava Jato, o maior desde que a investigação foi deflagrada, em março de 2014. Se isso ocorrer, a operação tende a sofrer desgaste. Afinal, seria a mais importante divergência dentro da própria operação: alguém que faz parte do processo entendeu que Lula, acusado de ser o chefe do esquema de corrupção, é inocente.

“Se [a tese da inocência do ex-presidente] for confirmada por pelo menos um desembargador, Lula reforça o seu discurso [contra a Lava Jato]”, diz Elve Cenci, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Norte do Paraná.

Voto a favor de Lula abalaria a coesão interna da Lava Jato

A Lava Jato sempre foi alvo de críticas externas de políticos e juristas. Mas, internamente, tem mantido sua coesão. O TRF-4, que revisa as sentenças do juiz Sergio Moro, até agora absolveu apenas cinco dos 77 condenados em primeira instância. Pela importância do caso de Lula, qualquer que seja a divergência no julgamento vai abrir o mais rumoroso desentendimento judicial entre Moro e a segunda instância.

Certamente Lula e o PT vão explorar essa divergência, por menor que seja. E acirrar as críticas à Lava Jato. “Não tenho grandes ilusões em relação ao julgamento. Dois a um [pela condenação] já seria uma vitória”, disse na segunda-feira (22) Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência no governo Lula.

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Crescimento das críticas provocou perda de popularidade da operação

O crescimento dos questionamentos e críticas à Lava Jato provocou a perda de parte da popularidade que a operação tinha no seu início. “A Lava Jato já teve um apoio maior da população”, diz Elve Cenci.

Pesquisas de opinião confirmam isso. Em setembro de 2016, pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que a atuação de Moro, principal personagem da operação, era aprovada por 55% dos brasileiros e reprovada por apenas 27%.

Um ano depois, em setembro de 2017, o mesmo Ipsos revelou o crescimento dos insatisfeitos com o juiz. Naquela ocasião, os brasileiros estavam divididos sobre a atuação de Moro: 48% dos brasileiros aprovavam a sua atuação e 45% a desaprovavam – um empate técnico, considerando que a margem de erro do levantamento é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos.

Para se defender, Lava Jato entrou no campo político. E aumentaram os questionamentos

A perda de parte do prestígio popular da Lava Jato também veio acompanhada do aumento da atuação política dos próprios integrantes da operação. Eles afirmavam agir em nome da defesa da Lava Jato. Mas, ao pisar no campo da política, também provocaram o crescimento dos questionamentos ao seu trabalho.

Um momento marcante da atuação política da Lava Jato foi a divulgação pelo juiz Sergio Moro da escuta telefônica em que Lula conversava com a então presidente Dilma Rousseff sobre a nomeação dele como ministro da Casa Civil. A revelação do grampo foi feita em 17 de março de 2016, um dia antes de a operação completar dois anos. Foi o passo político mais arriscado da Lava Jato.

Elve Cenci avalia que Moro liberou aquele áudio para conquistar o apoio da população e da mídia para a Lava Jato. A divulgação do grampo teve ainda um efeito político fundamental: tornou praticamente impossível para Dilma impedir o impeachment.

A publicação da escuta levou Lula a ter sua nomeação para o governo barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de obstrução de Justiça. Para Mendes, o objetivo de Lula e Dilma seria garantir foro privilegiado ao ex-presidente, para “fugir” de Moro. Sem Lula no Planalto, Dilma perdeu sua última aposta para articular politicamente a sua permanência na Presidência.

“De certo modo, o Moro chamou o Lula para o debate político naquele episódio do vazamento da conversa com a Dilma”, diz Elve Cenci. A Lava Jato venceu a batalha. Mas não necessariamente a guerra. “A política é o campo onde Lula é mestre”, lembra o professor da UEL.

Manifestações e ações políticas de integrantes da Lava Jato se intensificaram

Desde a divulgação do grampo de Lula e Dilma, integrantes da Lava Jato intensificaram suas manifestações e atitudes políticas, seja em defesa da operação ou das causas em que acreditam. Em 29 de março de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) entregou ao Congresso o projeto de lei de iniciativa popular das Dez Medidas de Combate à Corrupção.

Em setembro daquele ano, o coordenador da Lava Jato no MPF do Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, exibiu o polêmico Powerpoint em que acusava Lula de chefiar o esquema de corrupção da Petrobras – embora a denúncia formal à Justiça fosse apenas pelo caso do tríplex do Guarujá (SP), processo que será julgado agora pelo TRF4. O Powerpoint acabou sendo um marco do que os críticos da Lava Jato afirmaram ser a “espetacularização” da operação em busca dos holofotes da imprensa.

Já o juiz Moro chegou a participar no plenário do Senado, em dezembro de 2016, de uma discussão sobre o projeto de lei que muda as regras para o crime de abuso de autoridade, visto pelos integrantes da operação como uma ofensiva contra a Lava Jato.

Ao chegar a outros partidos, Lava Jato transformou “amigos” em “inimigos”

As novas frentes de investigações, que passaram a ter como foco lideranças dos principais partidos de sustentação do governo Temer (como o PMDB e o PSDB), também ampliaram os questionamentos contra a Lava Jato da parte de políticos que até então vinham defendendo a operação porque ela atingia principalmente o PT.

Houve reação política de procuradores da força-tarefa. Alguns deles intensificaram o uso das redes sociais para denunciar as ameaças que os políticos de modo geral representam para a operação.

Esse tipo de comportamento, além de críticas, foi alvo de uma reprimenda dentro do próprio MPF. Em dezembro do ano passado, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público recomendou que o procurador Carlos Lima, da Lava Jato no Paraná, deixasse de expressar publicamente suas opiniões sobre políticos, partidos e investigados pela operação para preservar “a integridade, a solidez, a isenção e a credibilidade” da instituição. Carlos Lima é o integrantes da força-tarefa mais ativo nas redes sociais.

Já Moro, embora mais contido, não deixa de emitir opiniões por meio de pronunciamentos em palestras e eventos para os quais era convidado. E costuma ser alvo de questionamentos por isso.

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