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| Foto: HUGO HARADA/HUGO HARADA

O economista Paulo Guedes, conselheiro do deputado e presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ), propõe “privatizar tudo” para zerar a dívida pública. Ou então “privatizar metade” para “baixar metade” da dívida. O projeto do economista, no entanto, tem um obstáculo importante: a venda de todas as estatais federais não seria – nem de longe – suficiente para acabar com o endividamento da União.

Guedes revelou sua proposta em entrevista publicada no domingo (25) pela “Folha de S.Paulo”, resgatando uma ideia que apresentou quase três décadas atrás, nas eleições de 1989, quando coordenou a campanha de Guilherme Afif Domingos. “No programa do Afif, eu propunha privatizar tudo. Para zerar a dívida mobiliária, a dívida pública federal interna”, disse.

Mais adiante, Guedes afirmou que “o governo é muito grande, bebe muito combustível”, mas em contrapartida “é pequeno” em termos de educação e saúde. “Se privatizar tudo, você zera a dívida, tem muito recurso para saúde e educação. Ah, mas eu não quero privatizar tudo. Privatiza metade, então. Já baixa metade da dívida”, explicou o economista, que, segundo Bolsonaro, será seu ministro da Fazenda em caso de vitória nas eleições.

Qual o tamanho da dívida? E quanto valem as estatais?

A dívida federal é monstruosa. Encerrou 2017 em R$ 4,855 trilhões, o equivalente a 74,4% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Banco Central. Se o governo quisesse pagá-la de uma só vez, portanto, teria de repassar aos credores três quartos de todas as riquezas geradas pelo país ao longo de um ano.

A Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi), a que Guedes fez referência ao falar do programa de Afif, equivale à soma de todos os títulos públicos que podem ser pagos em moeda nacional. Em janeiro de 2018, ela chegou a R$ 3,405 trilhões, de acordo com o Tesouro Nacional.

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E quanto dinheiro o governo poderia levantar “privatizando tudo”, isto é, vendendo todas as estatais? O valor de mercado dessas companhias é uma boa referência. O problema é que apenas três têm ações negociadas na B3, a bolsa de valores brasileira: Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras, que estão entre as cinco principais estatais federais, junto com Caixa e BNDES. De acordo com as cotações da última sexta-feira (23), as três listadas valem juntas R$ 437 bilhões, dos quais R$ 222 bilhões pertencem à União.

O governo provavelmente arrecadaria mais que isso num leilão de ações. O mero anúncio de privatização inflaria o preço dos papéis. Parece pouco provável, no entanto, que ele pudesse voltar aos picos históricos. Em seu melhor momento, dez anos atrás, a Petrobras chegou a valer R$ 510 bilhões. Hoje vale R$ 281 bilhões, dos quais R$ 135 bilhões pertencem à União.

Uma vez que apenas três estatais estão listadas na bolsa, uma alternativa é tomar como parâmetro o valor patrimonial das empresas do governo. Segundo o mais recente Boletim das Empresas Estatais Federais, o patrimônio líquido de todas elas somava R$ 525 bilhões ao fim de 2016. Mas nem tudo isso pertence à União. Segundo o Relatório Contábil do Tesouro Nacional, a participação do governo nessas companhias, também ao fim de 2016, equivalia a R$ 242 bilhões.

Em muitos casos, o valor de mercado é maior que o patrimonial – na bolsa, a Petrobras vale 1,8 vez seu patrimônio líquido; no Banco do Brasil, a relação é de 1,7. Mas isso não é regra. Um exemplo: após vários anos de prejuízos bilionários, a avaliação da Eletrobras na bolsa está abaixo de seu patrimônio líquido.

Há outros problemas. Na lista de 149 estatais federais há muitas companhias que podem não despertar interesse algum entre investidores privados. Que geram pouco ou nenhum caixa, e dependem do Tesouro para pagar funcionários e despesas do dia a dia.

De todo modo, apenas para efeito de estimativa, se o governo conseguisse vender todas estatais pelo dobro do patrimônio líquido, arrecadaria R$ 484 bilhões, o equivalente a apenas 14% da dívida mobiliária federal.

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Avaliando 168 estatais federais e estaduais, a consultoria internacional Roland Berger calculou uma arrecadação potencial de R$ 421 bilhões, dos quais aproximadamente R$ 300 bilhões – ou 9% da dívida mobiliária federal – viriam da venda de companhias da União. A empresa ressaltou que esse é um cenário hipotético, mas não necessariamente factível ou desejável.

Ainda que “privatizar tudo” não seja suficiente para zerar a dívida, uma operação dessas teria impacto enorme. Os R$ 484 bilhões citados há pouco, por exemplo, seriam suficientes para pagar todos os juros da dívida federal em 2017, que somaram R$ 386 bilhões (5,9% do PIB), e, com isso, praticamente zerar o déficit nominal das contas da União, que foi de R$ 503 bilhões no ano (7,7% do PIB).

Como resultado, as taxas de juros cairiam (não só para o próprio governo, mas para empresas e consumidores) e o endividamento público e privado cresceriam mais devagar, com efeitos positivos sobre toda a economia.

Mais privatizações que Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma

Numa entrevista publicada pelo “Valor Econômico” na última sexta-feira (23), dois dias antes da veiculação pela “Folha de S.Paulo”, o conselheiro de Bolsonaro fez estimativas diferentes, mais modestas. Falou em um plano de privatizações e concessões capaz de arrecadar R$ 700 bilhões e assim reduzir a dívida pública em cerca de 20%. Não mencionou o objetivo de zerá-la.

Para efeito de comparação, em oito anos o governo Fernando Henrique Cardoso arrecadou US$ 49 bilhões em privatizações, cerca de R$ 160 bilhões pela cotação atual da moeda norte-americana. Juntos, Fernando Collor, Itamar Franco, FHC, Lula e Dilma venderam quase US$ 62 bilhões em empresas e participações em duas décadas e meia, algo próximo de R$ 200 bilhões.

O plano de Paulo Guedes e Bolsonaro é ambicioso não só pelo dinheiro envolvido, mas pela dificuldade e morosidade que devem marcar a regulação e a discussão legislativa de um processo desse tamanho.

É importante ressaltar, também, o problema das contas públicas não está somente no endividamento. Faz quatro anos que o Brasil registra déficit primário, isto é, que gasta mais do que arrecada antes mesmo de pagar os juros da dívida. Isso significa que, desde 2014, todo o custo financeiro do endividamento está sendo coberto com mais endividamento.

Quer dizer: mesmo que a dívida fosse paga de uma só vez, no dia seguinte ela começaria de novo, pois as despesas primárias – não financeiras, que não têm relação com o endividamento – são maiores que a receita do governo. O saldo negativo, no ano passado, foi equivalente a 1,8% do PIB. E a tendência é de que o déficit persista pelo menos até o início da próxima década.

Para revertê-lo, o governo precisaria de um profundo programa de corte de gastos (e nele boa parte dos analistas inclui uma reforma da Previdência), ou então de um forte aumento de arrecadação, que exigiria mais impostos ou uma disparada da atividade econômica.

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