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Manifestantes do acampamento Lula Livre, em Curitiba, com máscaras do ex-presidente: atividades diárias da militância. | Ricardo Stuckert/Fotos Públicas
Manifestantes do acampamento Lula Livre, em Curitiba, com máscaras do ex-presidente: atividades diárias da militância.| Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Crítico da “grande mídia”, o ex-presidente Lula (PT) partiu para a estratégia do “Não esqueçam de mim” para continuar presente no noticiário – inclusive nos veículos de comunicação do qual ele reclama. Desde que o juiz Sergio Moro decretou sua prisão, em 5 de abril, os apoiadores do ex-presidente criam diariamente fatos para atrair a atenção. E o próprio Lula busca permanecer na pauta da imprensa por meio de vídeos gravados antes de sua prisão ou de cartas que envia a aliados.

Cientista político e professor do Grupo Uninter, Doacir Quadros afirma que o partido e Lula fazem isso com dois objetivos. Um deles é manter a opinião pública (ou ao menos parte dela) mobilizada para que pressione o Judiciário a soltá-lo. Além disso, eles querem impedir que o ex-presidente deixe de ser falado e perca parte de seu capital político para a eleição presidencial de outubro. Afinal, como diz o ditado popular, quem não é visto não é lembrado. E a prisão de Lula é uma grande ameaça para que ele saia do noticiário, pois a detenção dificulta a “produção” de novidades.

Entrega de Lula à PF gerou suspense e atraiu atenção por dois dias

Doacir Quadros afirma que a estratégia de comunicação do PT já pôde ser identificada no processo de entrega de Lula à Polícia Federal (PF) para cumprir o mandado de prisão.

Foram dois dias em que o ex-presidente se abrigou na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Durante esse período, Lula e o PT criaram o suspense de que ele resistiria e não se entregaria. A cobertura jornalística – nacional e internacional – foi muito ampla. E se estendeu, com grande intensidade, até alguns dias após a sua prisão, em 7 de abril.

Lula aproveitou o suspense para ser ele próprio quem anunciaria a sua “rendição”, num discurso inflamado após a celebração de uma missa em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em 2017.

Da cadeia, ex-presidente fala por meio de vídeos e cartas

Desde então, Lula só se pronunciou pessoalmente outras três vezes. No domingo (22), veio a público um vídeo gravado por ele momentos antes de se entregar à PF. O depoimento não diferiu do conteúdo do discurso de São Bernardo do Campo (SP). Mas recolocou a versão do ex-presidente na mídia.

Um dia depois, na segunda-feira (23), foi a vez de o PT divulgar o conteúdo de uma carta escrita por Lula ao comando do partido – fato que também foi noticiado pela imprensa. Antes disso, ele já havia escrito uma carta à militância, divulgada no dia 18, um bilhete, no dia 16. Tudo noticiado pela imprensa.

No geral, contudo, Lula deixou de falar por si desde quando foi encarcerado na sede da PF de Curitiba. Ainda assim, os apoiadores dele trataram de não deixar o assunto esfriar. PT, movimentos sociais e sindicatos que apoiam Lula montarem um acampamento nas imediações da PF da capital paranaense, que diariamente tem atividades e mobilizações – inclusive com a participação de celebridades que chamam a atenção para a causa, como a cantora Ana Cañas e a apresentadora de tevê Bela Gil, que tem um programa de culinária.

Políticos fazem “procissão” para ver Lula, serem barrados e reclamarem para a imprensa

Mas o que efetivamente mais tem atraído os holofotes da imprensa são os políticos e personalidades que tentam visitar Lula na prisão e, quase que invariavelmente, têm seu pedido negado pela Justiça. Logo que são barrados, eles costumam reclamar, em entrevistas à imprensa, do cerceamento do direito do ex-presidente receber amigos na prisão e de seu isolamento.

Nesta segunda-feira (23), foi a vez de a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) viajar a Curitiba e ser barrada na porta da PF. No mesmo dia, Lula enviou uma carta aos petistas em que “libera” o partido para decidir sobre candidatura presidencial. Mas a lista de impedidos de visitar Lula é longa: dez governadores, diversos deputados, o Nobel da Paz argentino Adolfo Pérez Esquivel, o teólogo Leonardo Boff.

Apenas um grupo de 11 senadores conseguiu visitar o ex-presidente. Mas só porque eles integram a Comissão de Direitos Humanos do Senado, que usou suas prerrogativas legais para “driblar” a Justiça e promover uma inspeção nas condições da carceragem da PF em Curitiba. Após encontrarem Lula, os senadores deram entrevistas falando como sobre como ex-presidente estava.

Das polêmicas de curta duração ao prêmio Nobel da Paz para Lula

O PT também tem criado algumas polêmicas de curta duração, mas que viraram notícia. Parlamentares do partido requisitaram ao comando do Senado e da Câmara a inclusão de “Lula” no meio de seus nomes nos registros do Congresso e no painel do plenário – tal como Gleisi “Lula” Hoffmann.

Além disso, lideranças do partido também têm procurado a imprensa internacional para conquistar apoio externo à campanha pela soltura de Lula e para que ele possa ser candidato a presidente. Foi o que fez na semana passada a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, num pronunciamento à TV Al Jazeera, do Catar.

Noutra frente, numa iniciativa de Adolfo Pérez Esquivel, um abaixo-assinado eletrônico pede que Lula seja indicado ao Prêmio Nobel da Paz. O argumento: Lula reduziu a fome e a desigualdade nos seus governos como presidente do Brasil, entre 2003 e 2010. Com milhares de assinaturas, o abaixo-assinado entrou no noticiário.

Análise: se Lula sair do noticiário, mobilização a favor dele esfriará

O cientista político Doacir Quadros, especializado em comunicação política, afirma que o PT e seus aliados historicamente sempre se mostraram muito hábeis na capacidade de mobilização em torno de seus interesses – inclusive conquistando espaços nos meios de comunicação. Ele diz que é isso que está acontecendo agora na estratégia de comunicação de evitar que o ex-presidente saia do noticiário.

“A partir do momento em que o Lula cair no esquecimento, não haverá mobilização da opinião pública nacional e internacional”, diz Quadros. E, se isso ocorrer, o PT terá dificuldades de pressionar o Judiciário a soltar o ex-presidente e para fazer com que Lula possa transferir votos para o candidato que escolher indicar para a disputa ao Planalto (embora os petistas neguem ter um plano B, o ex-presidente está inelegível e possivelmente terá sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral). “O PT procura manter vivo o símbolo Luiz Inácio Lula da Silva para que ele possa transferir votos.”

O analista cita o impeachment de Dilma como um exemplo de como a mobilização da opinião pública, que incentivou as manifestações pela cassação da ex-presidente, pode ter efeitos práticos. Uma mobilização que não ocorreu no caso do presidente Michel Temer (PMDB). O governo do peemedebista, assim como o do PT, foi alvo de denúncias de corrupção. Mas, sem a força das ruas, ele se manteve no cargo.

Para cientista político, relação do PT com a imprensa é “faca de dois gumes”

Doacir Quadros diz ainda que a relação de Lula e do PT com a imprensa é uma “faca de dois gumes”. Quando ele foi eleito ao Planalto, em 2002, manteve uma relação “amigável” com veículos que hoje critica, como a TV Globo.

Agora, embora o ex-presidente e o partido venham afirmando serem vítimas de uma campanha midiática mentirosa, não conseguem sobreviver sem conquistar espaço nessa mesma imprensa. Segundo o cientista político, na atual sociedade da informação, é impossível que um pretendente ao cargo de presidente tenha sucesso se não utilizar os meios de comunicação para falar com o eleitorado.

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