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 | Reprodução/Instagram Flávio Rocha
| Foto: Reprodução/Instagram Flávio Rocha

Certa vez, Flávio Rocha tentou ser presidente da República. Foi em 1994. O empresário tinha 36 anos e dois mandatos como deputado federal, durante os quais participou da formulação da Constituição de 1988. O Partido Liberal o apoiou a princípio, mas acabou recuando e entrando para a coligação que elegeria Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Naquele momento, a candidatura começava a ser investigada por emitir bônus eleitorais irregulares. Esses bônus eram recibos entregues aos doadores da campanha, mas o candidato era acusado de vender esses recibos com deságio, uma forma de camuflar o caixa 2. “Eles querem que eu seja impedido de falar e dar o meu recado a favor do imposto único”, Rocha afirmou, em agosto de 1994.

Dois meses antes, Rocha havia informado que não tinha renda – recebia mesada do pai. Em dois meses de campanha, o empresário usou a estrutura do grupo fundado por seu pai Nevaldo Rocha e declarou gastos da ordem de US$ 200 mil. Nevaldo não gostava dos gastos com o filho na política e chegou a cortar financiamento para uma de suas campanhas, em 1990. Os dois ficaram meses sem se falar.

Agora, em 2018, Flávio Rocha não pretende ser presidente da República, por mais que a aproximação com o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) tenha gerado a expectativa de que ele pudesse se apresentar como vice numa chapa de empresários.

Mas Rocha quer que seu ponto de vista seja ouvido. Ele lançou, na última quarta-feira (17), uma carta-manifesto em que apresenta o grupo Brasil 200, uma referência ao bicentenário da Independência do Brasil, a ser celebrado em 2022, no fim do mandato do presidente que será eleito em outubro. Conta com o apoio de colegas empresários do porte de Luiza Trajano, do Magazine Luiza, e Alberto Saraiva, do Habib’s.

Flávio estava em Nova York, durante uma convenção da indústria têxtil, quando lançou um vídeo (assista abaixo) e apresentou uma carta de intenções. O texto diz: “Quero sugerir a todos vocês que chegou a hora de uma nova independência: é preciso tirar o Estado das costas da sociedade, do cidadão, dos empreendedores, que estão sufocados e não aguentam mais seu peso. Chegou o momento da independência de cada um de nós das garras governamentais. Liberdade ou morte!”

O manifesto também ataca o PT – Flávio foi um dos apoiadores públicos do impeachment de Dilma Rousseff. “O Brasil é um país sem memória, mas não é possível que em pleno ano eleitoral não se fale a cada oportunidade, todos os dias, do período nefasto de quase 15 anos em que uma quadrilha saqueou o Brasil, aparelhou as instituições, usou bancos e obras públicas para enriquecimento privado numa proporção jamais vista e que, espero, nunca mais aconteça”.

Procurado via assessoria da Riachuelo, o empresário não retornou ao pedido de entrevista.

Ação trabalhista

Nascido em Recife (PE), em 1958, Flávio Rocha passou os primeiros anos de vida em Natal (RN). Com oito anos, foi levado para São Paulo, onde estudou no Dante Alighieri, um dos mais tradicionais colégios do Brasil. Cursou economia na Fundação Getúlio Vargas, mas abandonou o curso pouco antes de terminá-lo. Com 14 anos já trabalhava na empresa do pai.

Nevaldo Rocha começou do zero. Em 1947, criou uma loja de roupas, A Capital, ao lado do irmão, Newton. Nove anos depois, surgia o Grupo Guararapes. Em 1979 o grupo comprou a rede de lojas Riachuelo e começou a trabalhar para transformá-la num gigante da indústria têxtil. A empresa hoje tem 40 mil funcionários e 300 lojas.

O controle acionário é dividido entre Nevaldo e seus filhos Flávio, Élvio e Lisiane. Flávio é o CEO da Riachuelo. A empresa responde a uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte. É acusada de terceirizar posições de forma irregular.

O MP pede o pagamento de uma multa de R$ 37,7 milhões em uma petição que afirma: “Despidas de autonomia econômica, operacional e administrativa, as empresas de facção, ao final, funcionam como verdadeiros departamentos produtivos da empresa contratante, inteiramente integrados à sua dinâmica empresarial, apenas dotados de personalidade jurídica própria e vinculados contratualmente para disfarçar a real subordinação operacional, produtiva e econômica à Ré, do que decorre em maior intensidade a subordinação pessoal e estrutural dos seus trabalhadores.”

Leia também: O que é, como pensa e o que pretende o movimento RenovaBR apoiado por Luciano Huck

Flávio reagiu à ação de uma forma que lhe rendeu outro processo: o Ministério Público Federal entendeu que, da maneira como se manifestou sobre o assunto, usando as redes sociais, ele ofendeu a procuradora Ilena Mousinho e moveu denúncia por coação no curso do processo, calúnia e injúria.

“A questão do Grupo Guararapes é mais grave do que uma simples terceirização”, explica o procurador Márcio Amazonas Cabral de Andrade, do Ministério Público do Trabalho. “A Guararapes descentraliza e determina como a produção deve acontecer, quais máquinas devem ser usadas, em quanto tempo as peças devem ser fabricadas. Aquelas pessoas são de uma região paupérrima, recebem menos e têm menos garantias do que os outros costureiros da Guararapes”.

Rocha defende que o processo de deslocamento de parte de produção para pequenos produtores do interior do estado vai ajudar a desenvolver o sertão do Rio Grande do Norte – ele sempre cita como exemplo uma ação parecida realizada na região da Galícia, na Espanha, onde um pool de pequenos produtores atua como fornecedor para grandes redes varejistas.

“Fomos autuados por danos morais, em torno de uma tese jurídica, uma tese exótica, chamada de subordinação estrutural, que é a negação do que o legislador determinou na Lei da Terceirização”, o empresário já declarou em entrevista de novembro passado. “Se a subordinação estrutural fosse aplicada na região do ABC paulista, por exemplo, simplesmente extinguiria a indústria automobilística”.

Leia também: Caso Riachuelo: fraude da empresa ou exagero do MPT?

Empresários politizados

Na política, Flávio Rocha foi eleito deputado federal em 1986, pelo PFL, atual DEM. Mudou para o PL, e depois para o PRN, o partido que levaria Fernando Collor de Mello à presidência da República nas eleições de 1989. Naquele ano, foi o deputado federal mais votado do Rio Grande do Norte. Em 1992, de volta ao PL, votou a favor do impeachment de Collor. A partir de 1994, com o fracasso da candidatura a presidente, decidiu mergulhar de cabeça na atividade empresarial.

Agora, Flávio reclama dos “empresários-moita”, que não se manifestam abertamente sobre a política. Não é um caso isolado. Outros empreendedores têm se decidido a entrar para o cenário político. Foi o caso de Luciano Huck, que ensaiou uma candidatura à presidência, e também do presidente da Havan, Luciano Hang, além de João Amoêdo, do Partido Novo, e de Eduardo Mufarej, do movimento Renova BR. Até mesmo o empresário Emerson Kapaz, que tentou desenvolver uma carreira política nos anos 1990, está ensaiando um retorno.

O CEO da Riachuelo finaliza sua carta-manifesto deixando claro que agora lidera um movimento que pretende crescer. “Peço a todos vocês que participem do Brasil 200 anos com sugestões, propostas, ideias e muito mais. O Brasil 200 só tem um dono: o povo brasileiro, cada um de vocês. Aqui em Nova York, na capital do mundo, podemos nos unir para refundar o Brasil em bases mais livres e solidárias, mais modernas e prósperas para todos. É a minha ideologia, é o meu compromisso, e espero que seja o de vocês também.”

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