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| Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

O embaralhado cenário da sucessão presidencial revelado pela pesquisa Datafolha no último domingo (15) permite ao menos uma projeção que pode se confirmar e que assusta: a eleição de 2018 pode ter recorde de votos brancos e nulos. E superar os 19% alcançados por esses eleitores na votação de 1998. É a avaliação do diretor-geral do Instituto Datafolha, Mauro Paulino, com base nos dados colhidos pelo levantamento e no descrédito da classe política no momento atual. 

O "desempenho" dos brancos e nulos na pesquisa, com Lula ou sem Lula na disputa, chamou a atenção. Sem o petista no páreo, os eleitores que fazem essas opções lideram. Paulino explica que o voto branco é assumidamente o de protesto e o nulo, muitas vezes, se dá por erro do eleitor. Ele considera "ilógico" o voto começar, na urna eletrônica, pelo deputado estadual e a escolha do presidente ser a última dessa hierarquia. 

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O diretor do Datafolha rechaça opiniões que enxergam similaridade entre as eleições de 2018 com a de 1989, algo corriqueiro de se ler e ouvir. A diferença crucial para ele: hoje, o político de modo geral caiu em descrédito. Em 89, vivia-se a euforia da volta do voto direto para presidente. E era uma eleição só para esse cargo. Tudo era festa. 

Os dados exibem que o lulismo tem mais força que o petismo, o que justifica a forte aceitação de Lula mesmo preso e o mau desempenho de outros petistas (Jaques Wagner e Fenando Haddad), ainda conhecidos apenas nos seus estados. Paulino entende que a prisão de Lula provocou mais percepção nos eleitores de que ele provavelmente não seja candidato do que arranhões à sua imagem e a do partido. 

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Sobre outros candidatos, Paulino diz que Jair Bolsonaro (PSL) nesse momento empacou e que criou seu nicho próprio, estabelecendo o que o diretor chama de "marca Bolsonaro". Para melhorar, teria que ser menos radical. Ou não. E achar que o patamar de 17% a 20% pode levá-lo ao segundo turno e continuar firme nesse discurso linha dura. 

Joaquim Barbosa (PSB) desponta como a grande surpresa dessa eleição. Alguém começar uma campanha, na qual nem se anunciou candidato e nem tem dado entrevistas, com 10% é promissor. 

Paulino atribui o desempenho de Marina Silva (Rede) a seu recall, fruto da exposição de duas campanhas presidenciais (em 2010 e 2014). A compara a segunda escolha de todo eleitor, como os times do Juventus, em São Paulo, e do América, no Rio. Mas acredita que a falta de tempo de TV será um problema para a candidata, que ela tem mau desempenho em debates e, quando atacada, se fragiliza. Tende a se desidratar com a campanha. 

Leia abaixo trechos da entrevista que o diretor do Datafolha concedeu à Gazeta do Povo: 

1989 igual a 2018?

"A eleição de 2018 nada tem a ver com a de 1989. Era a primeira eleição do pós-ditadura, o clima era de festa, todo mundo muito feliz em votar de novo. Muito diferente do clima atual. Era uma eleição solteira. Hoje o clima é de desesperança, de revolta com a classe política. Mais de 60% das pessoas não têm partido de preferência. É outro ambiente político, de rejeição recorde aos políticos. Há uma crise de representação que não havia em 89". 

Lulismo maior que o petismo 

"O lulismo é muito maior do que o petismo. O prestígio de Lula é muito maior que o do PT. O Lula vence todos os cenários, no primeiro e segundo turnos. Tem 30% de intenção de votos e teve 37% na anterior. Mas o PT vem subindo, vem recuperando prestígio. Tem 20% dos simpatizantes". 

Desempenho dos votos brancos e nulos

"Nunca teve isso antes. Com Lula ou sem Lula é recorde nesse momento, mês de abril, faltando pouco mais de cinco meses para a eleição. O que nos faz imaginar ser bem possível que tenhamos taxa recorde de brancos e nulos nesta eleição. A maior foi de 19%, em 1998. A urna eletrônica ajuda a baixar essa taxa. Não tem mais a possibilidade de escrever na cédula de papel, anular escrevendo o que quisesse.Hoje, quando a gente separa os nulos dos brancos vemos que o verdadeiro voto de protesto é o branco. O nulo é mais fruto do erro. Quando se separa, se vê que os nulos se concentram mais no interior do Norte e do Nordeste. E o voto branco no Sudeste e nos grandes centros. Quanto menor o IDH do município maior a taxa de votos nulos. O que deve acontecer este ano é um aumento de votos brancos, dos votos de protesto. É a anulação consciente do voto. Isso por conta dessa crise de representação. Os políticos terão que convencer o eleitor que a política vale a pena". 

Bolsonaro atingiu o teto?

“Nesse momento, sim, Bolsonaro empacou. E ficou nesse patamar de 17%, chegando a 20%. Ele tem um nicho muito específico de eleitor. Ele criou a marca Bolsonaro. Essa marca atingiu um determinado segmento de perfil específico. De classe média, mais jovem, preocupado com segurança pública, amedrontados com o noticiário de segurança pública, que vivem com essa sensação do medo. Nesse público, o discurso dele colou. De combater o crime de forma mais dura. De as pessoas se armarem. Só que esse discurso não atinge um público mais amplo. Me parece que o Bolsonaro teria que ampliar um pouco mais o leque de propostas. Esse público dele já está conquistado. Talvez buscar um público mais de centro, que também está muito preocupado com segurança pública, mas que aguarda outros candidatos se manifestarem a respeito. Bolsonaro pode tentar um discurso menos radical. Mas fica num dilema: cede e corre risco de perder público e eleitor cativo. Ou opta por continuar radical e assegurar esses quase 20% que pode levá-lo ao segundo turno. Jovens, morador de grande centro e que defende a pena de morte, contra a liberação da maconha. Um perfil mais conservador. Dos eleitores dele, 60% têm menos de 34 anos. Agora, os jovens de periferia não votam no Bolsonaro. Não gostam desse discurso policialesco. Eles temem a polícia, a ação da polícia. Na periferia esse discurso joga contra o Bolsonaro. Eles sabem quem vai apanhar". 

Marina e seu forte recall 

"A Marina tem um recall muito forte. Ela é meio aquilo que a gente chama de o segundo time de todo mundo: o Juventus da Mooca, de São Paulo, e o América, do Rio. Em 2014, ela chegou a empatar com a Dilma em 34% na pesquisa. Agora, por outro lado, não terá tempo de TV e caso tenha posição de destaque vai começar a ser atacada e não terá como se defender. Ela não vai bem nos debates. Demonstra fragilidade. E isso não deve mudar. De fato, no começo da campanha ela ganha um bom número de eleitores por conta do recall. Quando começar a campanha é bem provável que desidrate. É um dos aspectos (a semelhança de história de vida com Lula) que atraem mais com a saída do Lula. Tem esse perfil, de origem humilde. Mas que o Joaquim Barbosa também tem". 

Joaquim Barbosa, a surpresa 

"Um dos destaques da pesquisa. Sem fazer campanha e sem estar na mídia já sai nesse patamar de 10%. Considerando o quadro atual... O Alckmin é bastante conhecido e tem apenas metade disso. É um patamar alto, do Joaquim Barbosa, para quem nem se declarou candidato. Tem potencial de crescimento. Como tem qualquer candidato do PT e do PSDB, que tem tempo de TV e máquina partidária. E ainda contar com o apoio do MDB. 

Michel, Meirelles...

"Qualquer candidato associado ao governo tem muito mais a perder que a ganhar. A começar pelo Michel Temer. Com todo esforço que fez e continua fazendo, ele ainda está no mesmo patamar de janeiro. Uma reprovação recorde e também rejeição alta de candidato. Das maiores da história. O Meirelles certamente será associado ao governo Temer. Isso será explorado pelos adversários". 

Prisão do Lula 

"A prisão do Lula provocou mais percepção nos eleitores de que ele provavelmente não será candidato do que arranhões na imagem do partido e dele próprio. Diria que a prisão foi inócua na imagem do partido e do Lula. Nem benéfica nem prejudicial".

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