1975 - Lula é eleito presidente do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema
Imagem: Instituto Lula

“Nunca antes na história deste país” é uma expressão comumente usada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se referir aos frutos de sua carreira política. Nunca Pernambuco conseguiu eleger um presidente até a chegada do petista ao Planalto. Nunca houve um proletário, de origem humilde, a ocupar o posto máximo do Executivo. A história do político nascido em 27 de outubro de 1945, no pequeno município de Caetés, é cheia de ineditismo. Nunca antes o Brasil viu um ex-presidente ser instado, com um mandado de condução coercitiva, a dar depoimento sobre investigações de corrupção.

Entre os fatos relevantes da trajetória de Lula, a prisão em 1981, em plena ditadura militar, que o lançava como uma promessa política. Como previu ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo, Erasmo Dias, logo após a revogação da prisão do sindicalista: "Ele tem agora um futuro político garantido e se elege tranquilamente deputado ou senador."

1980 - Nasce o político

Em 1975, Lula é eleito presidente do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, no interior de São Paulo, onde havia se filiado sete anos antes. Era o início de sua luta por mais direitos aos trabalhadores, como afirmou em entrevista ao programa “Vox Populi” da TV Cultura em 1978.

“O que falta para nós trabalhadores é sabermos medir a nossa força para que amanhã possamos eleger trabalhadores para nos representar na Câmara Federal.”

- Luiz Inácio Lula da Silva (1975)
Foto de 1980 mostra Lula sendo fichado no DOPS. Imagem: reprodução web.

Em 1980, juntou-se com intelectuais de esquerda para criar o Partido dos Trabalhadores (PT), que nasceu oficialmente em 1982, quando disputou as primeiras eleições e conseguiu eleger 8 deputados federais e 13 estaduais.

Mas a exposição nacional veio com a prisão em 1981, após liderar uma série de greves de metalúrgicos na região do ABC paulista. Quando também teve seu mandato sindical cassado com base na Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei 898, de 29 de setembro de 1969), que vigorou em parte da ditadura militar.

A prisão de Lula no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) durou 31 dias. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 2014, lembrou o cenário anterior à detenção:

"Eles me vigiavam em cinema. Na assembleia, a gente notava que eles estavam lá. Às vezes, disfarçados no bar do sindicato. Na minha casa, por exemplo, eles paravam a perua na porta e passavam a noite. Às vezes, para encher o saco, a Marisa (Letícia, esposa de Lula) mandava fazer café e mandava levar para eles. Foram uns três ou quatros anos que eles monitoraram e me acompanharam antes da prisão"

Segundo o jornal Folha de São Paulo, ao ser solto Lula teria ouvido uma profética frase do ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo, Erasmo Dias, personagem atuante do regime militar:

"Ele tem agora um futuro político garantido e se elege tranqüilamente deputado ou senador"

- Erasmo Dias, ex-secretário da Segurança Pública de São Paulo
Lula comemora revogação de prisão. Imagem: Instituto Lula

Cada vez mais conhecido nacionalmente, Luiz Inácio resolve acrescentar ao seu nome a alcunha Lula. Com isso, pôde disputar o governo de São Paulo. Conseguiu 9% dos votos válidos. Franco Montoro (PMDB) foi eleito com 44%.

Na primeira eleição que disputou,
Lula conseguiu 1,1 milhão de votos

Dois anos depois, participou da campanha das Diretas Já, ao lado de Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, e Tancredo Neves. Em 1986, Lula foi eleito deputado federal com a maior votação já registrada até então. Lançou-se presidente três anos depois, quando foi derrotado por Fernando Collor de Mello (PRN) no segundo turno. Ele voltaria a disputar o cargo mais quatro vezes. Em 1994, foi derrotado, em primeiro turno, por Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em 1998, sofreu a segunda derrota para o tucano.

Neste meio tempo, ajudou a criar o Foro de São Paulo (evento com objetivo de discutir pautas de esquerda), em 1990, junto com nomes com destaque na América do Sul, como o ditador cubano Fidel Castro. Em 1995, virou presidente de honra do PT.

2002 - A chegada ao poder

Com capital político crescente, Lula se elegeu presidente do Brasil em 2002, em uma expressiva votação: 52 milhões de votos. Batendo José Serra (PSDB) no segundo turno. Ao assumir em 2003, se torna o 35 presidente do país. Entre suas primeiras ações, lançou os programas Fome Zero e Bolsa Família. O primeiro falhou, mas o segundo virou uma das principais marcas da gestão petista, que dura até hoje.

"Sempre procuro me comportar com a maior humildade possível. Gosto de falar com o povo. Odeio intermediário com o povo. Esse negócio de gente falar por mim, eu não gosto. Por isso, falo muito."

Fonte: TSE. Infografia: Gazeta do povo.

Com a chegada ao poder, também começaram a surgir as primeiras denúncias contra a administração do político formado na base social.

BOX Entenda quais são as investigações que cercam Lula.

O primeiro escândalo foi desencadeado no segundo ano do primeiro governo Lula. Waldomiro Diniz, então assessor da Casa Civil, comandada por José Dirceu, caiu após denúncias de supostamente arrecadar dinheiro com bicheiros para a campanha petista.

Mas um escândalo ainda maior bateria à porta. E 2005 foi a vez de o Brasil descobrir o “mensalão”, um esquema para subornar parlamentares para votarem projetos de interesse do governo. A CPI dos Correios, presidida pelo senador Delcídio Amaral (PT), ganharia as manchetes nacionais. Tudo começou com um flagrante do então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, recebendo propina.

Na sua justificativa, Marinho afirmou que o dinheiro iria para o PTB, da base aliada. Chamado para prestar esclarecimentos no Congresso, o presidente do partido, Roberto Jefferson, disparou contra todos. Revelou como funcionava o esquema de compra de votos, que tinha participação de outro nome que viria a ser conhecido nacionalmente: o publicitário Marcos Valério. O relatório final da CPI não trouxe o nome de Lula entre os acusados. Mas, 11 anos depois, uma suposta delação premiada de Delcídio Amaral à Lava Jato apontaria que a retirada do nome do presidente teria sido feita mediante pagamento de milhões de reais.

Games, refinaria e cartões

Apesar das revelações quase diárias dos desvios no governo petista, ainda faltava uma ligação direta com Lula. Foi quando eclodiu o “Caso Gamecorp”. Uma reportagem da revista Veja revelou um expressivo ganho patrimonial de Fábio Luís Lula da Silva, conhecido como Lulinha. O filho do presidente, que havia trabalhado como monitor de um zoológico de São paulo em 2002, demonstrou grande talento empresarial. Logo após a criação de uma empresa especializada em desenvolvimento de jogos eletrônicos, a Gamecorp, conseguiu um aporte de R$ 5 milhões de uma telefônica.

Mesmo com a metade de seu mandato envolto em denúncias, Lula conseguiu vencer, no segundo turno, as eleições de 2006. Neste mesmo ano, a Petrobras concluiu a compra de uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos. Um negócio que ainda viria a dar muita dor de cabeça.

Em 2008, outra crise. Agora envolvendo os gastos presidenciais com cartões corporativos. Somente em um cartão de um segurança da filha de Lula, Lurian Cordeiro, foi registrado um gasto de R$ 55 mil em sete meses.

2010 - No auge da popularidade

Escândalos em alta. Popularidade mais alta ainda. Desafiando os cientistas políticos, Lula conseguiu no final de seu segundo mandato atingir sua maior aprovação: 83% dos brasileiros entrevistados à época pelo Instituto Datafolha avaliaram a gestão petista como ótima ou boa. Pesquisa aferida pela CNT/Sensus mostrou uma marca ainda mais impressionante: 87% de aprovação.

Diversas publicações internacionais, como Forbes e Le Monde, colocaram Lula entre os líderes mais importantes neste período. Ele chegou a receber o prêmio de Estadista Global no Fórum Econômico Mundial de 2010, realizado em Davos, na Suíça. No mesmo ano, foi lançado um filme que mostrava a trajetória do petista. À época, uma das produção mais caras do cinema nacional. Entre os patrocinadores do longa-metragem, apareciam diversas empreiteiras que depois foram envolvidas nas investigações da Lava Jato.

Fonte: Datafolha. Infografia: Gazeta do povo.

O início da queda do mito. Deixa presidência em 2011. Um ano depois, os envolvidos no esquema do mensalão foram condenados e presos. Entre os companheiros enjaulados, José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares.

2015 - A queda

A Lava Jato, no entanto, caiu com uma bomba no círculo de relacionamentos de Lula e corroeu sua popularidade. Suspeitas de ocultação de patrimônio, favorecimento de empresas e até desvio de dinheiro da Petrobras começaram a pairar sobre a imagem do maior petista em atividade.

“Os ganhos em massa popular que fizeram Lula obter 80% de aprovação no final de seu segundo mandato como presidente se esvaíram com a crise econômica”

Roberto Romano filósofo e professor da Unicamp à Gazeta do Povo

Em um dos casos mais conhecidos, evidências apontaram que o ex-presidente teria sido beneficiado com uma reforma em um apartamento tríplex no Guarujá, cuja posse Lula nega, com valor aproximado de R$ 1 milhão. Também é investigada a posse de um sítio em Atibaia. Em outra investigação, a Zelotes, o petista é investigado por supostamente ter se beneficiado com a venda de Medidas Provisórias.

Resultado: queda na popularidade. A pesquisa divulgada em fevereiro de 2016 pelo Datafolha mostrou que 49% dos entrevistados não pretendiam votar em Lula nas próximas eleições. Para comparação, a segunda maior rejeição do eleitorado, em fevereiro de 2016, era de Aécio neves (PSDB), com 23%.

"Os ex-presidentes precisam ser respeitados, porque foram instituições brasileiras. Não pode banalizar a figura de um ex-presidente. O que vem depois da negação da política é pior do que a gente tinha. O mundo está cheio de exemplos."

2016 - Réu na Justiça

Com o prestígio político em xeque, a Operação Lava Jato colocou de vez a Justiça no caminho de Lula. Em julho, a Justiça Federal de Brasília aceitou uma denúncia contra Lula, tornando-o, portanto, réu. Ele e outras seis pessoas, incluindo o ex-senador Delcídio do Amaral, são acusados de tentativa de obstrução da Lava Jato, numa trama para tentar comprar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Em paralelo, no Paraná, as investigações do Ministério Público Federal (MPF) apontaram o ex-presidente como “general” e "comandante máximo do esquema de corrupção" na Petrobras, que seria impossível ocorrer sem o poder de decisão dele. “Dessa vez, Lula não pode dizer que não sabia de nada", foram as palavras do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, lembrando o caso do mensalão.

Segundo o MPF, o governo do PT era baseado na “propinocracia” e se amparava em três "grandes propósitos": governabilidade corrompida, perpetuação criminosa no poder por meio do abastecimento de campanhas eleitorais com recursos desviados e enriquecimento ilícito de agentes públicos.

“Todas as provas nos levam a crer, acima de qualquer dúvida razoável, que Lula era o maestro desta grande orquestra concatenada para saquear os cofres da Petrobras e de outros órgãos públicos. Era o general que estava no comando da imensa engrenagem desse esquema, que chamamos de propinocracia.”

Daltan Dallagnol, procurador do MPF e coordenador da força-tarefa da Lava jato

Denunciado à Justiça ao lado da ex-primeira dama Marisa Letícia e de mais seis pessoas, entre elas o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, Lula foi acusado pelo Ministério Público de ter recebido pelo menos R$ 3,7 milhões em propinas no petrolão, considerando somente três contratos com a empreiteira. O montante teria sido lavado por meio da reforma e decoração do tríplex do Guarujá e do custeio por parte da OAS do armazenamento de itens de Lula em um depósito em São Paulo.

Às afirmações de Lula de que não é dono do imóvel e sequer dormiu “uma noite” no apartamento, o MPF argumentou que o fato de ele não figurar como dono do tríplex é justamente para dissimular a verdadeira propriedade. Mensagens extraídas do celular de Léo Pinheiro, por exemplo, apontam que a OAS chegou a personalizar o local conforme o interesse de Lula e Marisa, numa conduta totalmente atípica para uma construtora que planeja vender o apartamento.

Já o transporte e armazenamento do acervo audiovisual do ex-presidente foi pago, segundo o MPF, como forma de ocultar o envolvimento de Lula. A armazenagem do material num galpão em São Paulo durou mais de 5 anos e, ao longo desse tempo, foram pagos R$ 21 mil mensais.

O inferno astral de Lula com o Judiciário, porém, não se resume a essa processo. Há investigações em curso sobre a compra e reforma do sítio de Atibaia, do qual Lula também nega ser o proprietário; sobre pagamentos para a LILS – empresa de palestras do ex-presidente – e doações para o Instituto Lula por empreiteiras; e sobre dinheiro de caixa dois desviado da Petrobras que teria abastecido a campanha de reeleição do petista, em 2006.

2017 - Condenado pelo juiz Sergio Moro

O processo do apartamento tríplex do Guarujá tornou-se a primeira condenação de Lula. No dia 12 de julho, o juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente Lula a 9 anos e meio anos de prisão em regime fechado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Moro absolveu Lula da acusação de corrupção no caso do armazenamento de bens do acervo de quando Lula era presidente – outro ponto que ele era acusado de ter recebido propina. Além da prisão no caso do tríplex, Moro determinou uma multa a ser paga pelo ex-presidente no valor de 150 dias-multa (o valor em reais não foi informado).

Essa é a primeira condenação do petista na Operação Lava Jato e pode abrir caminho para a ilegibilidade de Lula nas eleições de 2018. Para que Lula não possa concorrer à Presidência da República no ano que vem, a 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF4) deve confirmar a sentença de Moro até agosto de 2018, período em que ocorrem os registros de candidaturas. Apesar da sentença, Lula não deve ser preso imediatamente e deve recorrer ao TRF4 em liberdade. Isso porque, de acordo com o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), o cumprimento da pena só deve começar a partir de uma sentença condenatória em segunda instância. O TRF leva, em média, 15 meses para analisar as sentenças da Lava Jato proferidas por Moro.