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| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Parte do Brasil parou nesta sexta-feira, 28 de abril. Alguns bancos, escolas, serviços de saúde e de transporte, repartições públicas e parte de atividades produtivas foram interrompidos por um dia – um protesto contra projetos de reforma trabalhista e da previdência propostos pelo governo federal, em discussão no Congresso Nacional.

Muitos aderiram à greve por acreditar que as propostas prejudicam seus interesses – ou direitos. Outros acabaram participando sem poder escolher: querendo ou não, simplesmente não tinham como ir para o trabalho. Apesar de ser um instrumento político de pressão bastante utilizado por categorias mais organizadas – bancários, professores, motoristas e cobradores de ônibus e funcionários públicos – não há, no Brasil, uma tradição de greves gerais, que paralisam o país como um todo. O movimento deste 28 de abril poderia estar inaugurando uma nova tendência?

Na avaliação de Daniel Gaio, bancário e integrante da executiva nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a adesão de diversas categorias a esta greve geral foi mais fácil por haver uma pauta unificadora – concreta e específica – que atinge os trabalhadores como um todo. Sobre a possibilidade de haver outras greves, o sindicalista diz que as centrais ainda vão avaliar quais estratégias serão utilizadas na continuação do movimento, até mesmo com ações “mais radicais”.

Indignação

Mas nem todo mundo se convence. Acostumados a ver apenas escolas públicas fazerem greves, muitos pais ficaram indignados com a adesão de algumas escolas particulares à paralisação. Em São Paulo, um grupo de universitários, integrantes do Instituto de Formação de Líderes (IFL), organizou para alunos sem aula uma série de palestras sobre empreendedorismo e também sobre as reformas em discussão. “Os professores dizem que participar do protesto é uma aula de cidadania, mas nós achamos que isso é apenas mostrar um lado – e como a democracia só existe quando mostramos todos os lados, estamos apresentando aos alunos que se interessarem os aspectos positivos das reformas”, diz Antônia Martins, integrante do IFL e uma das organizadoras da mobilização.

O direito de um povo de se manifestar contra uma autoridade estatal, bem como de se recusar a participar de ações impositivas que claramente o prejudiquem, é incontestável e legítimo. No célebre ensaio A Desobediência Civil, publicado em 1849, Henry David Thoreau escreve: “Existem leis injustas; devemos submeter-nos a elas e cumpri-las, ou devemos tentar emendá-las e obedecer a elas até a sua reforma, ou devemos transgredi-las imediatamente”?

Como definir o que é justo?

O filósofo político John Rawls também escreveu que a desobediência pode ser considerada como ato legítimo, na medida em que se fundamente no princípio da justiça. A dificuldade, porém, é como se definir, na prática, o que é justo ou injusto. No caso desta greve geral, o Ministério Público do Trabalho divulgou nota, assinada pelo procurador-geral, defendendo a sua legitimidade, amparada na Constituição.

Historicamente, a greve é tida como um instrumento para a conquista de direitos. De acordo com Elísio Estanque, professor de Sociologia da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em Portugal, direitos como carga horária de oito horas ou de férias remuneradas foram conquistas diretas do movimento operário sindical e que nunca teriam sido institucionalizadas de outra forma.

“A greve é o instrumento que, por um breve momento, altera a relação de forças entre os trabalhadores e a hierarquia empresarial, que normalmente tem uma vantagem assimétrica em relação ao trabalhador individual”, diz Estanque.

Se em teoria há certo consenso pela defesa do instrumento como forma de resistência, na vida real, a clivagem sobre o apoio ou não à greve depende diretamente do conteúdo do protesto – e é neste ponto em que as posições ideológicas se evidenciam. Muitos dos que são contrários à greve deste 28 de abril defendem, por exemplo, as manifestações contra o regime de Nicolas Maduro, na Venezuela. E o contrário também é verdadeiro: críticos aos protestos contra o governo Maduro são os mesmo que apoiam os movimentos contra o governo Temer no Brasil.

Esta polarização excessiva é vista como um entrave às soluções para o país. “Quando tudo é ‘polemizável´ e há um sequestro das discussões por grupos que vêm tudo o que o ‘outro lado’ faz como negativo, fica difícil achar um caminho de soluções para o país”, diz Mentor Neto, publicitário de São Paulo que tem mais de 300 mil seguidores nas redes sociais.

No ano passado, ele defendia – e era apoiado por muitos – que o Brasil fizesse um grande movimento de desobediência civil, parando o país até que houvesse renúncia coletiva do Executivo, novas eleições e uma nova constituinte para a reforma política. Hoje, Mentor Neto acha que o momento passou e que agora o movimento voltou a ser específico, conduzido pelos sindicatos. Mas segue acreditando que, para ter um impacto efetivo, não se pode fazer manifestações aos domingos, mas sim parando as atividades com greve em dia de trabalho.

Agenda de esquerda

Opinião contrária tem Mateus Simões, professor de Direito e vereador em Belo Horizonte pelo Partido Novo. Ele considera que o legítimo direito à manifestação não pode suplantar o direito dos demais de ir e vir – e acha que as manifestações anteriores marcadas nos fins de semana foram um avanço da sociedade brasileira. O vereador critica o caráter político da greve, segundo ele “capturada por uma agenda dos partidos de esquerda”, e ressalta os prejuízos econômicos de mais um dia sem trabalho. Para Simões, a mobilização do país deveria ser de apoio às reformas, a fim de superar a crise econômica e os consequentes índices de desemprego.

Para o cientista político Diogo Costa, professor de economia política e presidente do Instituto de Inovação e Governança (Indigo), a questão econômica é central. Segundo ele, independentemente de ideologia, para o trabalhador o que interessa concretamente é o nível de salário e as condições de emprego. E que o caminho para melhorar esses dois elementos seria uma maior competição, entre os empregadores, pelo trabalho do empregado. “Há uma correlação direta: nos setores em que há mais empresas concorrendo, os salários tendem a ser maiores”, diz.

Na avaliação do cientista político, a rigidez da estrutura sindical brasileira, de caráter compulsório e monopolístico, faz com que os interesses dos sindicatos muitas vezes se descolem dos interesses dos trabalhadores. “Se a associação fosse voluntária, seria necessário um esforço maior por parte dos sindicatos em conquistar a adesão dos trabalhadores”. De acordo com ele, os sindicatos têm perdido força: “os salários médios dos países da OCDE vêm aumentando, independentemente de ações de barganha pelos sindicatos”.

Há 28 anos, greve parou 70% do país

No Brasil, a última greve geral que se tem notícia ocorreu em março de 1989, quando, segundo levantamentos feitos pelas centrais sindicais à época, 70% da população economicamente ativa do país teria paralisado suas atividades. Apesar das paixões suscitadas em meio à efervescência do período de redemocratização, seus resultados concretos foram poucos visíveis.

Mesmo na França, país onde há uma tradição de se fazer greve geral, não se tem clareza sobre sua eficácia. Em 2016, por exemplo, o país parou, diversas vezes, justamente contra a reforma trabalhista com viés pela flexibilização. Apesar de todos os protestos, a proposta foi aprovada pela Assembleia Nacional. Interessante observar que o idealizador e principal defensor da reforma era o então ministro da Economia Emmanuel Macron, até aquele momento um desconhecido, e que hoje é o candidato favorito a ser o próximo presidente da França.

Dura realidade

Entre os vértices da política e da economia, no meio está a dura realidade de pessoas como a empregada doméstica Flávia Modesto, que mora em Belo Horizonte (MG). Ela não trabalhou na sexta-feira, porque não havia ônibus, e acabou perdendo o valor da diária. Mesmo assim, acha que a manifestação é justa: “É preciso fazer alguma coisa para melhorar, não é”? Há alguns anos, deixei um trabalho de carteira assinada para ser diarista. “Prefiro assim porque o salário é melhor e eu tenho mais liberdade.”

Mesmo com a mudança na legislação, em 2015, que ficou conhecida como PEC das Domésticas e instituiu mais direitos para quem trabalha em residências, ela são se animou em voltar a se formalizar. “Pelo contrário, o que eu vi entre meus conhecidos é que muita gente acabou sendo demitida”, diz. Flávia contribui com a previdência como autônoma, mas diz estar pensando em parar de pagar, pois não vê garantia de que, quando chegar a hora, de fato irá receber algum benefício. Ela diz que sempre se chateia ao ouvir as pessoas falarem “em nome dos pobres”. “Queria convidar essas pessoas a irem lá em casa para ver como a gente vive”. E conclui: “só depois disso é que eles podem falar alguma coisa”.

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