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Jurista Márlon Reis foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010. | Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo
Jurista Márlon Reis foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010.| Foto: Brunno Covello/Arquivo/Gazeta do Povo

O jurista Márlon Reis, que ficou conhecido como “juiz da Ficha Limpa”, fez duras críticas ao modo como foi conduzido o julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na semana passada. Para ele, o tribunal errou ao não considerar as provas de que a campanha eleitoral foi financiada com dinheiro de caixa 2 da Odebrecht.

O jurista também afirmou que novas ações sobre abuso de poder político e econômico podem ser prejudicadas, pois a forma como provas serão produzidas e analisadas pela Justiça Eleitoral pode ser alterada a partir da jurisprudência definida no julgamento do TSE.

Reis foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010. Após 19 anos de magistratura, o jurista pediu exoneração da Justiça e voltou a advogar, prestando consultoria jurídica eleitoral.

Como o senhor avalia o resultado julgamento da chapa Dilma-Temer que absolveu o presidente da República?

Eu acho que foram cometidos vários erros técnicos graves no julgamento. O primeiro deles foi a limitação das provas porque na petição inicial o que se propõe é o âmbito em torno do qual se formará a prova. Mas até onde chegará a prova é uma coisa imprevisível. E a Justiça tem ampla liberdade de fazer juntar ao processo elementos que sejam descobertos posteriormente, desde que sejam relacionados às questões que foram colocadas na petição inicial. Em pelo menos uma das investigações eleitorais que eu li se menciona expressamente a Odebrecht. Não é verdade que as ações estejam apenas cingidas à Petrobras.

Quando considerar apenas o financiamento declarado à Justiça e desprezar as provas sobre caixa 2 como fizeram alguns ministros?

Se é falado que houve caixa 1 ilegal da Odebrecht é pior ainda se a as investigações demonstram que houve caixa 2. [Investigar caixa 2] não é sair do âmbito da discussão [da petição inicial]. É aprofundar a produção da prova. Ciente disso, o próprio TSE autorizou o aprofundamento da prova. E depois decidiu voltar atrás.

O julgamento deixou de considerar provas colhidas pelo TSE. O resultado pode prejudicar novos processos?

Todas as ações por abuso de poder econômico e político podem sofrer uma influência negativa. Eu considero que a mensagem passada foi ruim para a Justiça Eleitoral como um todo. Essa orientação jurisprudencial aberta pode influenciar a produção da prova nas demais ações de abuso de poder e em milhares de processos que estão abertos na Justiça.

O TSE reabriu a ação, mas ministros desconsideraram provas. Um juiz pode mudar de opinião?

O juiz pode mudar de opinião. Mas a Corte inteira mostrou incoerência e não mudança de opinião. Porque eles decidiram [reabrir o processo] de maneira fundamentada e coletiva por ampla maioria. E depois quase todos reverteram isso. Isso não é típico dos julgamentos nos tribunais. A impressão que dá é que depois até onde as provas chegariam é que houve um recuo.

Como o senhor avalia a declaração do ministro Gilmar Mendes de que “não é papel do TSE resolver crise política do país”?

Eu estou de acordo com ele. Assim como não é papel do Tribunal [Superior Eleitoral] dar apoio a governos. O TSE deveria ter simplesmente feito um julgamento técnico.

A reforma política em discussão no Congresso pode melhorar esse cenário de corrupção?

Os riscos de que a legislação piore são altíssimos. É importante lembrar que 167 dos deputados federais foram financiados pela JBS. Outras empresas da Lava Jato junto com a JBS financiaram 70% dos mandatos. Eu não me sinto seguro, como brasileiro, com essas pessoas definindo regras sobre participação eleitoral no Brasil.

O senhor destacaria alguma medida mais nociva à população?

A mais perigosa é o [voto] Distritão. E está ficando mais forte na Câmara, embora de forma silenciosa, ninguém tem coragem de fazer discurso. É uma verdadeira trama oculta. Isso seria o colapso do modelo representativo, garantindo apenas a eleição de pessoas super poderosas política e economicamente. Em desprestígio e fazendo desaparecer as minorias no Congresso Nacional.

Qual seria a melhor forma de voto?

Eu defendo um aprimoramento do modelo atual para separar em dois turnos a votação. Primeiro votando-se no partido para se definir a proporção da distribuição das cadeiras entre os partidos. E depois votando nos candidatos. É um modelo desenhado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Tem chance de a proposta de anistia ao caixa 2 passar no Congresso?

Se a opinião pública e a imprensa ficarem sem vigiar um minuto, passa. Só não passou ainda por conta da vigilância cívica. Mas a vontade [no Congresso] é permanente.

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