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| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

Nascida e criada em Curitiba, a operação Lava Jato, que completou quatro anos neste mês, acabou se tornando referência no combate à corrupção no país, inspirando outros estados e influenciando tribunais superiores e discussões nacionais. A capital paranaense virou o centro do noticiário político, com prisão e condenação de importantes figuras do país, como políticos, empresários e operadores financeiros. 

O país parou para assistir a prisão do ex-deputado federal e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, além de denúncias contra um alto número de políticos – de várias bandeiras partidárias –, empresários e doleiros. Tudo com o ponto de partida nas investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba e sob os cuidados do juiz federal Sergio Moro – alguns deles já velhos conhecidos

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Até agora, já foram deflagradas em Curitiba 50 fases da operação, levando para a cadeia mais de 200 investigados. A força-tarefa de Curitiba também foi responsável por “exportar” o modelo de atuação para outros estados, como São PauloRio de Janeiro Brasília, além de espalhar “filhotes” da Lava Jato por todo o país. 

“Nós centralizamos toda essa discussão, os modelos vêm sendo replicados pelos estados. É evidente que a forma como isso foi feito aqui deu certo. É um conceito que gerou várias repercussões e está cada vez mais capilarizado, a Lava Jato está se tornando um verdadeiro paradigma, que está mudando várias estruturas”, diz o advogado Antônio Figueiredo Basto, que atua na operação desde sua deflagração, com a prisão do doleiro Alberto Youssef.

Outra façanha da Lava Jato em Curitiba foi pautar discussões de assuntos de dimensão nacional. Graças à pressão que vem de Curitiba, o Supremo Tribunal Federal (STF) já discutiu a prisão em segunda instânciacolaborações premiadasprisões preventivasconduções coercitivasprerrogativa de foro e outras questões de amplo alcance. O Congresso Nacional também se movimentou no ritmo das investigações que partiram de Curitiba – para o bem e para o mal. Os deputados e senadores já discutiram projeto de lei de abuso de autoridadeforo privilegiado, medidas anticorrupção, entre outros assuntos.

Apesar de não concordar com o posicionamento da força-tarefa em relação a alguns desses temas, Basto concorda que as investigações de Curitiba pautaram discussões nacionais. “Tentar inspirar na cabeça das pessoas que é preciso prender para manter a operação é um abuso”, opina, em relação à discussão sobre a prisão após condenação em segunda instância. “A Lava Jato, a partir de Curitiba, operou uma verdadeira revolução em vários conceitos, alguns de vital importância”, reconhece o advogado.

Os fatores para o sucesso

Para a advogada Alessi Brandão, que também atua defendendo réus da operação, muita coisa mudou a partir da deflagração da Lava Jato. “Aqui, as pessoas foram presas, continuam presas, o nosso Tribunal Regional Federal mantém e aumenta as condenações. É uma coisa que era inconcebível”, comenta. “Se você for fazer uma análise dos últimos quatro anos, quando você imaginou que o Eduardo Cunha ia ser preso? E esse cara está preso há muito tempo”, completa. O ex-deputado está preso em Curitiba desde outubro de 2016.

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Para o procurador do Ministério Público Federal (MPF) e integrante da força-tarefa da Lava Jato, Roberson Pozzobon, a operação passou uma mensagem clara de que é possível desafiar o histórico de impunidade de réus de colarinho branco no país. “O simples fato desses réus estarem hoje contrariando as estatísticas do mapa carcerário brasileiro, em larga medida composto por pessoas sem instrução, pobres e marginalizadas, traz a sensação de que a impunidade nos crimes de corrupção pode estar com seus dias contados”, analisa. 

Na opinião de Alessi, porém, o principal fator que explica a proporção que a operação tomou é a informação. “O grande merecedor dos louros da Lava Jato é a informação, mesmo”, diz. Para ela, o fato dos processos serem públicos ajuda a explicar a presença da operação na grande imprensa e, consequentemente, no radar da opinião pública.

“A regra de transparência e publicidade que pautou a operação desde o início permitiu que os trabalhos fossem submetidos ao crivo e às críticas de toda a população brasileira”, ressalta Pozzobon. Para o procurador, isso explica o apoio que a Lava Jato recebe da sociedade civil. 

Para Basto, uma série de fatores ajuda a explicar o sucesso da Lava Jato. “É uma soma de fatores que acabaram propiciando um ambiente muito fértil para a Lava Jato aqui em Curitiba”, diz. 

Entre os fatores, o advogado cita a importância do processo eletrônico usado na Justiça Federal, que permite acesso quase em tempo real às informações da operação; a especialização de Moro e dos procuradores em investigar crimes de lavagem de dinheiro; e o preparo dos investigadores e o entrosamento das equipes. “Essa operação não teria vingado em qualquer outro lugar do país. Eu tenho certeza absoluta de que, se não fosse em Curitiba, não teria acontecido”, ressalta Basto. 

“Os curitibanos abraçaram, muitas vezes literalmente, a operação Lava Jato. O incentivo da população de Curitiba, com palavras de encorajamento e a produção e distribuição de adesivos por conta própria, por exemplo, foi, sem dúvida, muito significativo para todos aqueles que se dedicaram e se dedicam à Lava Jato”, destaca Pozzobon. 

Experiência

A experiência com o Caso Bandestado é outro fator que ajuda a explicar o avanço da operação. O caso de corrupção, investigado no Paraná em 2005, foi responsável inclusive pela produção da Lei 12.850, chamada Lei Anticorrupção, que trouxe mudanças no combate à corrupção no país. 

“Claro que você partiu dessa experiência e criou uma lei, e um campo muito fértil para aplicação desses fatos”, diz Basto. “Esse espírito jovem aliado com essa experiência do Banestado, juntou a experiência do que aconteceu de ruim com a vontade de fazer a diferença”, aponta Alessi. 

Uma das inovações trazidas pela Lei Anticorrupção foi a previsão dos acordos de colaboração premiada, que segundo Pozzobon, foi essencial para as investigações. “Tais institutos premiais permitiram que fossem encaixadas diversas peças dos complexos quebra-cabeças da corrupção. Por meio deles foram obtidas provas robustas para o processamento de agentes poderosos, econômica e politicamente, bem como para a recuperação de valores bilionários desviados dos cofres públicos”, destaca o procurador. Até agora a Lava Jato já recuperou R$ 11,5 bilhões desviados dos cofres públicos, segundo dados do MPF. 

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Além dos fatores apontados, Basto lembra que é preciso destacar o “golpe de sorte” dos investigadores. “Não se pode descartar também que há o ingrediente do inesperado, que é você estar fazendo uma escuta em um doleiro de Brasília, em um processo absolutamente sem nenhuma grande pretensão e acabar encontrando o Alberto Youssef e atrás do Alberto Youssef está todo esse grande esquema de corrupção. Isso é imponderável. Foi um achado”, ressalta. 

República de Curitiba

Em um dos pontos mais emblemáticos da operação, Curitiba acabou ganhando o apelido de “República de Curitiba”. O termo foi usado pelo ex-presidente Lula ao se referir ao modo de investigar da força-tarefa da Lava Jato. A conversa de Lula, ao telefone, foi divulgada nos autos de uma investigação que corria contra o ex-presidente na Polícia Federal. 

Os áudios da interceptação telefônica do ex-presidente foram divulgados um dia antes do petista tentar assumir o cargo de ministro da Casa Civil da ex-presidente Dilma Rousseff, em uma tentativa de barrar as investigações contra ele em primeira instância através da obtenção de foro privilegiado. 

Apesar do termo “República de Curitiba” ter sido usado por Lula de forma pejorativa, insinuando que a lei que vigora na cidade é diferente do resto do país, o apelido foi rapidamente incorporado por apoiadores da Lava Jato. 

“Não tomo a expressão “República de Curitiba” em um sentido bairrista ou separatista, mas como uma referência de que, mesmo fora do circuito dos maiores centros econômicos e políticos do país, Curitiba sedia uma das diversas grandes operações em curso no Brasil”, diz o procurador da Lava Jato.

Para Pozzobon, ainda é cedo para entender qual será o legado deixado pela operação para o país. “A operação está em andamento e em franco desenvolvimento, sendo que muitos de seus resultados ainda são provisórios”, explica. “Por ora, fico feliz quando ouço que a operação Lava Jato desafia a impunidade e traz esperança aos brasileiros de que é possível reverter a corrupção sistêmica que sangra nosso país”, completa o procurador. 

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