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| Foto: Andressa Anholete/AFP

Considerada um dos principais soldados do PT, a presidente do partido e senadora Gleisi Hoffman (PR) vai enfrentar uma luta pessoal na segunda-feira (28): ela vai sentar no banco dos réus. Será é a primeira vez, após mais de três anos do início da Operação Lava Jato, que um parlamentar será interrogado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Gleisi pode recorrer ao direito de permanecer em silêncio, mas terá que comparecer pessoalmente ao depoimento, em Brasília. Seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo (PT), que também é réu, será ouvido no mesmo dia. A defesa do casal garante que todas as perguntas serão respondidas, já que “não há nada a esconder”.

Após essa etapa, a ação penal entra na reta final e o julgamento dos petistas poderá ocorrer ainda neste ano, quando a Segunda Turma do STF decidirá pela condenação ou absolvição dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Um desfecho desfavorável à congressista terá implicações diretas em seu futuro político, como a inelegibilidade, sendo que seu mandato acaba no início de 2019, precisando passar por um recall das urnas no ano que vem. De olho nas eleições, a petista adotou, inclusive, postura considerada mais raivosa no campo político.

Gleisi será interrogada por um juiz auxiliar do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato. Paulo Marcos de Farias é considerado o principal arquivo da operação no Supremo. O magistrado era o assessor mais próximo do ex-ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em janeiro, e permaneceu na equipe de Fachin para os casos do esquema de corrupção da Petrobras.

A estratégia para enfrentar a acusação de que recebeu repasse de R$ 1 milhão para sua campanha ao Senado em 2010 tem dois eixos centrais: mostrar contradições dos depoimentos dos delatores que dão sustentação à denúncia e atacar o trabalho feito pela Procuradoria Geral da República (PGR), sustentando que o órgão induziu o STF ao erro no recebimento da denúncia.

À corte, a defesa alegou “má-fé” de Janot na interpretação dos fatos. A pressão popular sob os ministros não deve produzir efeitos no julgamento. “Acreditamos em um julgamento técnico e isento por parte do STF, como tem sido a tradição da corte em matéria de competência penal originária”, diz o advogado Rodrigo Mudrovitsch, que defende a senadora.

Histórico

Gleisi, ex-ministra da Casa Civil do governo Dilma e uma das principais líderes do PT no Senado, figura entre os investigados na Lava Jato desde o início da operação no STF em 2015. Seu nome surgiu com as delações do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. A propina milionária teria sido solicitada por Paulo Bernardo. Segundo a Procuradoria, o valor foi desviado da Diretoria de Abastecimento da Petrobras e teria sido paga pelo papel de relevância dos dois no PT.

Com o avanço das investigações, as implicações feitas por delatores ao casal aumentaram. As citações de Costa e Youssef foram confirmadas pelo advogado Antônio Carlos Pieruccini, ligado ao doleiro e que também assinou acordo de delação premiada. Aos procuradores, Pieruccini confirmou ter levado, de carro, o dinheiro em espécie de São Paulo a Curitiba. Ao todo, foram quatro parcelas de R$ 250 mil cada. “Os três delatores se contradizem brutalmente. O conjunto das declarações deles leva a uma narrativa inconsistente e conflitante com tudo o que há nos autos”, sustenta Mudrovitsch.

Ligações suspeitas

Na denúncia recebida ao Supremo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot afirma ainda que a vantagem indevida foi lavada por Youssef em empresas de fachada. Outros delatores como o ex-senador Delcídio do Amaral e o empresário Ricardo Pessoa também reforçaram ao Ministério Público que Gleisi participou do maior esquema de corrupção já descoberto no país.

Entre os indícios apresentados pelo MP estão 163 ligações de Paulo Bernardo, apontado como verdadeiro operador de sua mulher, para o telefone do assessor responsável pela administração financeira da campanha e para o PT no Paraná. A engenharia criminosa, diz o MP, teria contado ainda com o apoio do empresário Ernesto Rodrigues, que também é réu.

No recebimento da denúncia, em setembro de 2016, o então relator Teori Zavascki destacou que o caso não estava embasado apenas em delações premiadas e citou registros de ligações telefônicas, outros depoimentos, informações policiais e documentos apreendidos, o que se mostra suficiente para a abertura da ação penal. Os ministros seguiram o voto de Zavascki na íntegra.

O processo contra Gleisi, o marido e Ernesto Rodrigues já reúne 2.482 páginas distribuídas em 9 volumes. No processo, os ex-presidentes Lula e Dilma chegaram a ser ouvidos como testemunhas. Os dois inocentaram a correligionária de qualquer prática de corrupção. Fachin avalia internamente que são grandes as chances de o caso ser levado a julgamento ainda neste ano, segundo fontes do STF.

Resistências

A Lava Jato, no entanto, enfrenta agora outro momento no STF, com mais críticas ao trabalho do MP e de forma geral aos desdobramentos da operação – o que tem sido interpretado como um sinal de que os acusados podem eventualmente ser beneficiados. As ressalvas partem especialmente dos ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que estão impondo derrotas a Fachin na Segunda Turma. Nos bastidores, há ministros que enxergam nos ataques à operação até mesmo uma movimentação para esvaziar e enfraquecer a Lava Jato, aproveitando, inclusive, a troca de comando da PGR.

Nova investida

Antes da saída de Janot da procuradoria-geral da República no dia 17 de setembro, a presidente do PT deve ser alvo de uma nova investida do chefe do MP. Há expectativa de que Gleisi seja denunciada mais uma vez. A Polícia Federal já concluiu a investigação aberta após as revelações de executivos da Odebrecht de que a petista recebeu R$ 5 milhões em propina para a campanha de 2014 ao governo do Paraná. A delegada Graziela Machado identificou indícios de que Gleisi cometeu – de novo – os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Para a PF, a senadora aparece nas planilhas apreendidas do setor de propinas da empreiteira pelo apelido de “Coxa”.

Segundo Marcelo Odebrecht e os executivos do grupo Benedicto Júnior e Valter Arruda, a propina de R$ 5 milhões se referia à abertura de crédito de R$ 50 milhões para o financiamento para a exportação de bens e serviços entre Angola e Brasil, que beneficiaria o grupo. Os delatores afirmaram ainda que, a pedido de Paulo Bernardo, também houve pagamentos ilícitos pelo grupo às campanhas da petista em 2008 à prefeitura de Curitiba e em 2010 ao Senado Federal.

Futuro político em risco

Os problemas jurídicos de Gleisi podem colocar em xeque o futuro político da petista, que termina o mandato de senadora no ano que vem. Caso seja condenada, a parlamentar se torna ficha suja e não pode disputar nenhum cargo público por 8 anos.

Dentro do PT, Gleisi não está descartada como plano B ao Planalto caso Lula, já condenado na Lava Jato, não possa concorrer às eleições de 2018. A senadora ganhou ainda mais destaque dentro do partido após se tornar a maior defensora de Dilma Rousseff no Congresso durante o processo de impeachment e de colecionar desafetos após deixar a Casa Civil para disputar o governo do Paraná, em 2014, ficando em terceiro lugar.

A atuação rendeu elogios e mais aproximação com o ex-presidente Lula, servindo de credencial para que concorresse à presidência do partido. E deu certo – em junho, Gleisi foi eleita presidente nacional do Partido dos Trabalhadores. Uma vitória pessoal do ex-presidente que, durante a disputa, chegou a pedir ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que desistisse de enfrentar a colega. O pedido não foi atendido pelo parlamentar, mas funcionou com o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e com o deputado federal Márcio Macedo, que também queriam concorrer ao cargo. Gleisi foi eleita com 60% dos votos.

À frente do PT há pouco mais de dois meses, no entanto, Gleisi tem dividido opiniões de correligionários, inclusive de seus eleitores. Com discurso radical, a nova presidenta – como, a exemplo de Dilma, prefere ser chamada – tem arrancado caras feias dentro do partido. A petista endureceu as críticas à Lava Jato e ao juiz Sérgio Moro – considerado principal algoz de Lula.

Assim que soube da condenação do ex-presidente a 9 anos e 6 meses de prisão, pegou o celular dentro do plenário do Senado e ligou para padrinho político. Conversaram por pouco mais de 5 minutos. Prestou solidariedade e logo se prontificou a voar até São Paulo para um ato político em defesa do principal nome da legenda. Ao redor de Gleisi, logo se juntaram o próprio Lindbergh e o senador Humberto Costa (PT-PE).

Radicalismo

A senadora disparou que a decisão de Moro foi política com o objetivo de tirá-lo da disputa presidencial de 2018. Reforçou que a sentença foi dada sem provas de que o ex-presidente era o dono do imóvel tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo, discurso semelhante ao que apresentou ao Supremo para se defender. “Não pense, juiz Sergio Moro que ficaremos mansos. Não ficaremos! ”, vociferou da tribuna do Senado, repetindo ainda um dos principais discursos do partido que acusa a Lava Jato de perseguição à sigla e à classe política.

A nova roupagem de Gleisi, classificada por adversários como radical, também ganhou repercussão internacional. Em uma cena inédita na história do país, a petista ocupou por seis horas a mesa do Senado acompanhada de outras senadoras para evitar a votação da reforma trabalhista, projeto do governo Temer. “Nem na ditadura, os militares haviam ocupado uma mesa de uma Casa do Congresso Nacional”, repudiou, à época, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Gleisi ainda é alvo do chamado fogo amigo. A última atitude da presidente do PT que, segundo interlocutores, incomodou até o ex-presidente Lula foi a defesa que fez da realização da Assembleia Constituinte na Venezuela convocada pelo presidente Nicolás Maduro.

“O PT manifesta o seu apoio e solidariedade ao PSUV, seus aliados, e ao presidente Nicolás Maduro, frente à violenta ofensiva da direita pelo poder na Venezuela. Temos a expectativa de que a Assembleia Constituinte possa contribuir para uma consolidação cada vez maior da revolução bolivariana e que as divergências políticas se resolvam de forma pacífica”, disse ao abrir o 23º Encontro do Foro de São Paulo, na Nicarágua. “Ela está perdendo o tom e não aceita uma postura mais branda do partido em temas tão polêmicos como este que nem Lula falou abertamente. Daqui a pouco, vira uma Dilma de tão turrona”, disse um deputado petista.

Há quem diga que a postura radical de Gleisi é uma forma de mostrar que o partido não está calado diante os ataques que têm sofrido desde o início da Lava Jato. “Ela é uma mulher forte, não se deixa intimidar. Não é hora de assumir erros para que todo mundo aponte ainda mais o dedo para nós. Vamos resgatar a credibilidade do PT com discurso firme”, disse outro petista que preferiu não se identificar para não catalisar as desavenças internas do partido. Gleisi é do grupo comandado por Lula, a ala mais moderada do partido, por isso o radicalismo tem torcido narizes. Segundo interlocutores, a senadora prefere, se cair, que seja atirando.

A senadora Gleisi Hoffmann não respondeu aos vários pedidos de entrevista.

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