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 | Ricardo Stuckert/Instituto Lula
| Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

A informação partiu do respeitado instituto de pesquisas Datafolha no início de maio: Luiz Inácio Lula da Silva lidera todos os cenários para o primeiro turno da eleição presidencial de 2018. Nas simulações de segundo turno, só dois possíveis candidatos empatam em intenções de voto com ele: Marina Silva, da Rede, e o juiz federal Sergio Moro – que, ainda que não goste, se tornou o principal antagonista do ex-presidente no imaginário de quem não tolera o petista.

É o ápice de uma tendência verificada desde o ano passado, quando ele já liderava pesquisas de intenção de voto para o Palácio do Planalto. Algo impressionante, a se considerar que Lula é alvo de cinco processos judiciais, quatro deles derivados da operação Lava Jato.

Em Curitiba, o petista responde à ação do apartamento triplex no Guarujá (SP). Para a operação Lava Jato, o triplex oculta vantagem indevida de R$ 3,7 milhões recebida da empreiteira OAS, como contrapartida por três contratos com a Petrobras.

Também é réu noutro, que trata de pagamentos de R$ 12,4 milhões que o Ministério Público Federal diz que a Odebrecht fez para a compra de um terreno para o Instituto Lula.

Em Brasília, outras duas ações têm Lula no polo passivo. Uma delas foi a primeira aberta contra o ex-presidente no âmbito da Lava Jato: a Procuradoria da República do Distrito Federal acusa o petista de tentar obstruir a Justiça pela compra do silêncio do ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, com participação do ex-senador Delcídio do Amaral (sem partido, ex-PT-MS). Foi aceita pelo juiz federal Ricardo Augusto Leite.

Também no Distrito Federal, Lula é acusado pelo MPF de tráfico de influência junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para favorecer a Odebrecht em contratos e obras de engenharia em Angola, na África. Esse processo é derivado da operação Janus, uma das fases da Lava Jato.

A quinta ação contra o petista também corre em Brasília: derivada da operação Zelotes, acusa o ex-presidente de, principalmente, interferir junto à sucessora, Dilma Rousseff, na compra de 36 caças suecos Gripen pela Aeronáutica.

Não acabou: há uma sexta denúncia contra Lula, a terceira em Curitiba, apresentada à Justiça pela força-tarefa da Lava Jato. Nessa, ele é acusado de receber propina em obras e benfeitorias no sítio em Atibaia, que para o MPF foram custeadas ocultamente pelas empreiteiras Schahin, Odebrecht e OAS. O juiz Sergio Moro ainda não aceitou a denúncia.

O que pensam a respeito disso os potenciais eleitores de Lula? Os processos os incomodam? Eles confiam na inocência do ex-presidente? Seguirão fiéis ao petista mesmo que ele seja considerado culpado? Para tentar responder a essas perguntas, a Gazeta do Povo conversou com eleitores que se dizem dispostos a digitar o número 13 na urna eletrônica em outubro de 2018.

Muito cinza, pouco preto e branco

Embora, por óbvio, as entrevistas não tenham relevância estatística, nem permitam traçar um retrato definitivo dos prováveis eleitores de Lula, elas deixam entrever que a realidade é mais complexa que o discurso que dominou o debate político recente no Brasil – em que ou o petista é o “maior ladrão do país” e seu eleitores são mal-informados, para dizer o mínimo, ou há uma perseguição injustificável contra o líder mais popular da história recente do país, com o fim específico de impedir que ele volte à Presidência da República.

Há muito cinza num quadro em que muita gente teima em só enxergar preto e branco. Há quem não veja em Lula um santo, que reconheça que o PT tornou-se, no mínimo, um partido como qualquer outro, imerso em corrupção, mas que ainda assim esteja disposto a dar mais um mandato ao ex-presidente.

“Lula tem que ser investigado. Se roubou, tem que ser punido. Mas ele virou uma espécie de bode expiatório. Acho que as denúncias e, principalmente, o tom das críticas, exacerbam a vontade de defender Lula nos que gostam dele. Não ponho uma lasca de unha por ele no fogo. Mas não há como negar que é o grande líder que a gente teve”, argumenta o geógrafo e pedagogo Luca Rischbieter.

“Lula não é o candidato perfeito, até porque isso não existe. Mas o PT estava realizando um programa de governo muito mais inclusivo do que o que temos agora e do que tivemos nos anos 1990”, afirma o músico e técnico de áudio paulistano Felipe Nelson Crocco.

“Nesse momento, voto em Lula por exclusão. Veja quem são os adversários que se colocam contra ele”, afirma uma funcionária pública curitibana de nível superior, que falou à reportagem sob a condição de anonimato --ela teme represálias por sua posição política no local em que trabalha.

“Prestar, ninguém presta. Veja aí as denúncias contra o [senador José] Serra, o [senador] Aécio [Neves, ambos do PSDB]. Lula ao menos já mostrou que sabe fazer alguma coisa”, afirma o motorista José Muniz Filho, ex-taxista curitibano que atualmente leva a vida trabalhando com um aplicativo de transporte privado.

“Nasci na ditadura, me criei na transição para a dita democracia. Sou homossexual e praticante do candomblé. O único tempo da minha vida em que me senti com liberdade de me expressar livremente foi no governo do PT”, opina o produtor de eventos Rômulo Miranda, amapaense que vive em Curitiba.

Contra a Lava Jato? Não necessariamente

Há um ingrediente adicional: dos cinco entrevistados, dois veem a operação Lava Jato como uma armadilha montada para impedir a candidatura de Lula. Mas os demais, ainda que com ressalvas, aprovam a maior investigação contra crimes de colarinho branco já realizada no país, e que na prática se tornou a principal pedra no caminho de Lula para um terceiro mandato como presidente.

“É uma imbecilidade separar o país entre apoiadores de Lula e da Lava Jato”, diz a funcionária pública. “Eu mesma estou disposta a votar em Lula, certamente votaria em Dilma, e sou a favor da operação, que é importantíssima.” Ainda assim, ela vê com desconfiança os dois personagens mais notáveis da investigação --Sergio Moro e o procurador federal Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal. “Às vezes, me parece que eles se esquecem do papel que têm, da imparcialidade que se espera deles.”

“É muito difícil acreditar que o chefe de um esquema de corrupção numa empresa que fatura bilhões por ano saiu apenas com uma reforma num apartamento no Guarujá e alguns móveis num sítio em Atibaia”, fala o músico Crocco. “A Lava Jato está demonstrando como realmente funciona a macro política brasileira. É evidente que grandes grupos econômicos corrompem políticos para alcançar seus objetivos e que isso acontece há décadas. Mas os crimes não são só da classe política, muito menos só do PT”, pondera.

“Sou a favor da Lava Jato. Creio que ela ajudará a fazer do Brasil um país mais honesto”, diz o motorista Muniz Filho, que ainda enxerga uma vantagem na operação caso Lula seja eleito. “O cara já vai ficar esperto. [A operação] É tipo um cão de guarda”, acredita.

“Não sou contra investigações contra corrupção e crimes de colarinho branco, pelo contrário. Mas por que essa perseguição desproporcional a só um lado?”, questiona o produtor de eventos.

Os argumentos dos críticos à Lava Jato encontram algum eco na voz de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo. “Provas físicas, robustas [contra Lula, nos processos da Lava Jato], não apareceram até agora. Não é a convicção do Dallagnol que irá provar nada. Lembre-se que, no caso do [ex-presidente Fernando] Collor [de Mello], não se levantaram as provas necessárias e ele acabou absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. O MPF muitas vezes se deixa levar mais por crenças e convicções que por provas robustas”, ele diz.

Outra vez na Presidência?

Não é a possível inocência de Lula o que mais empolga seus possíveis eleitores, mas o que o petista poderá fazer uma vez na presidência da República. “Ele é o único líder que veio do fundo do país e o transformou. Negar que o Bolsa-Família é o programa de transferência de renda mais importante do planeta é desconhecer a literatura”, defende Luca Rischbieter.

O geógrafo é filho de um outro entusiasmado e insuspeito defensor do ex-presidente petista, Karlos Rischbieter, morto em 2013 aos 85 anos. Karlos foi ministro da Fazenda entre 1979 e 1980, já nos anos finais da ditadura militar, quando o país era presidido pelo general João Figueiredo. Antes, fora presidente da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

“Meu pai tinha um mote, uma frase que ele repetia sempre: o Brasil precisa ser economicamente mais forte e socialmente mais justo. Pois foi durante os governos do Lula que ele achava que o país tinha avançado como nunca nessa direção”, relembra Rischbieter, o filho. “Meu pai, um alemão careta, ministro do regime militar, viu o mensalão, não tinha nenhuma dúvida quanto à corrupção de muitos integrantes do PT. Mas era muito cético quanto aos propósitos de quem focava no partido o combate a crimes do colarinho branco. Não querem limpar o Brasil, querem só prender o Lula, ele dizia. É uma impressão que ainda carrego.”

Para Luca Rischbieter, uma nova presidência do petista poderia ter apelo aos mercados de capitais – cabe lembrar que os bancos instalados no Brasil nunca lucraram tanto quanto nos anos Lula. “Ele poderia ser um bom candidato de conciliação, não fosse o ódio contra ele nas elites”, acredita o geógrafo.

Muniz Filho, o motorista, é mais direto: “Com o Fernando Henrique na presidência, tinha pouco emprego, pouca renda. Com Lula, o bicho pegou”, diz.

É a economia. Mas não só

“Nos oito anos de Lula, a economia foi mil por cento melhor, sem dúvida. Ele enfrentou a crise do subprime tirando impostos. Mas aquele modelo de economia, baseado no consumo, acabou”, sentencia o cientista político David Fleischer, norte-americano naturalizado brasileiro e professor da Universidade de Brasília (UnB).

“O sucesso de Lula se deve, em grande parte, ao fato dele não abolir a macroeconomia do plano Real. Na verdade, sua primeira medida foi nomear [o atual ministro da Fazenda Henrique] Meirelles [para o Banco Central], garantindo a estabilidade econômica. Do outro lado, houve a vasta política de inclusão social, que veio no bojo do plano Real. Lula abriu a possibilidade de inclusão no mercado de massas até então marginais”, explica Romano, da Unicamp.

“Quando eleitores, desde os mais entusiasmados [com o PT] até os mais refratários, fazem o balanço, veem que no período Lula, sobretudo no primeiro mandato, o país conseguiu fazer a consolidação de um mercado interno, algo que na época foi muito propagado. Eram pessoas que chegaram pela primeira vez a bens de consumo imediato, como geladeira, televisão. Se chegou a falar numa nova classe média, que nunca existiu. Morando na favela, esse novo consumidor agora tinha uma televisão moderna. Mas a casa, um bem mais ligado à classe média, não veio”, afirma o professor de Ética e Filosofia.

“Lula tem muito carisma, é um mestre na autopromoção, e aproveitou ao máximo a inclusão das massas. É um recurso de que ninguém pode tirar a legitimidade. Se ele tivesse feito o que Dilma fez, mudando a matriz econômica, não teria nada a alardear. Mas foi um administrador bastante prudente”, prossegue Romano.

Não só a lembrança da bonança econômica, mas também a do próprio nome do presidente --que, afinal de contas, está na mídia como nunca-- pode explicar as intenções de voto em Lula, acredita Adriano Codato, cientista político e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“Estamos a um ano e meio da eleição. Tirando eu e você e mais um tanto de gente que trabalha com isso, as pessoas não estão ligadas no assunto. Ainda assim, são interpeladas com perguntas sobre em quem pretendem votar. Elas tendem a falar os nomes que lembram imediatamente, ou que estejam mais em evidência. A exposição reforça o ódio a quem já odeia Lula, mas tem o efeito de exposição política que pode explicar parte dos 30%”, pondera.

“E não é só. Aparecem denúncias do Lula, mas também há contra outros políticos. O raciocínio lógico é: ‘Todos roubam’. Disso vem o ‘Fora, todos’ ou o ‘Fico com o menos pior’”, afirma Codato.

Um raciocínio que pode gerar conclusões perigosas, opina Roberto Romano. “Ficou muito claro, nos últimos tempos, que temos um Estado corrompido, no Brasil. Eu não me preocuparia tanto com os que querem o Lula, mas com os quase 60% que não tem apreço nenhum pela democracia. Isso é de arrepiar os cabelos. Temos duas ditaduras no século 20 que começaram com a proposta de acabar com a corrupção. Vargas falou em acabar com a corrupção da República Velha. E em 1964, vimos um milhão de pessoas nas marchas da Família com Deus pela Liberdade. E o regime militar acabou porque os corruptos estavam aboletados no poder.”

Ele vai além: “O problema central não são os atores, mas o jogo que está se armando desde a crise do governo Dilma, da radicalização das massas em relação à democracia representativa. Estamos atravessando águas muito escuras e muito perigosas. Se a democracia é o governo do povo, e o povo não confia na democracia, o que podemos esperar?”

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