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| Foto: Filipe Araújo/Fotos Publicas

Se a Lei de Abuso de Autoridade estivesse em vigor no início do ano passado, a Lava Jato não poderia ter realizado a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 24ª fase da operação, em março de 2016. O projeto, de autoria do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), prevê uma série de punições para crimes de abuso de autoridade por parte de juízes e procuradores, além de outras categorias de servidores públicos.

Uma das críticas dos procuradores da Lava Jato ao projeto é justamente a criminalização do uso das conduções coercitivas. “Agora, existem outras preocupações que nós temos em relação a esse projeto. Uma é o fato de que se criminalizou a condução coercitiva. Esse foi um instrumento essencial da atuação da Lava Jato”, disse o procurador Deltan Dallagnol em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo nesta quarta-feira (26), pouco depois da aprovação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O Artigo 10 do projeto aprovado pelo Senado diz que é crime “decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo”. Se o texto já estivesse valendo no ano passado, o ex-presidente Lula, alvo da 24ª fase, poderia processar o juiz federal Sergio Moro por abuso de autoridade.

Deltan defendeu o uso das conduções coercitivas, afirmando que é uma medida essencial para a Lava Jato à medida que impede que os investigados façam ajustes de versões em seus depoimentos, caso sejam convocados com antecedência para depor. Além disso, segundo o procurador, é uma medida mais leve do que as alternativas – os pedidos de prisões temporárias e preventivas, por exemplo.

Em março do ano passado, os advogados de Lula criticaram duramente a Lava Jato depois da condução coercitiva do ex-presidente. A defesa de Lula alegou que ele nunca foi intimado para depor à Polícia Federal na operação e a condução coercitiva era descabida. Além de Lula, mais de uma centena de pessoas já foram conduzidas coercitivamente desde a deflagração da Lava Jato, em março de 2014.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo nesta quinta-feira (27), o senador Álvado Dias (PV-PR) criticou a aprovação do projeto no Senado. “A condução coercitiva tem sido muito importante na operação Lava Jato e aqui há um ponto em que se fala de condução coercitiva manifestamente descabida. O que é manifestamente descabido para o presidente Lula é uma coisa, para o juiz Sergio Moro é outra”, analisa o senador.

Áudios

Outra providência de Moro que poderia ser contestada na Justiça pela defesa de Lula caso a lei de abuso de autoridade aprovada pelo Senado estivesse valendo no ano passado é a divulgação dos áudios dos grampos do ex-presidente, também em março de 2016.

Segundo o Artigo 28 do projeto, é crime de abuso de autoridade “divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”.

Em março de 2016, um dia antes da posse de Lula como ministro da Casa Civil da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o juiz Sergio Moro levantou o sigilo de gravações de ligações telefônicas entre o ex-presidente e diversas figuras do mundo político. Uma das gravações, em que Dilma dizia estar enviando o “Bessias” com o termo de posse de Lula para ser usado “em caso de necessidade” foi interpretada como uma tentativa de obstruir a Justiça. A intenção seria tirar as investigações de Lula das mãos do juiz Sergio Moro, já que ele ganharia prerrogativa de foro ao assumir a Casa Civil e só poderia ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Além dessa gravação, havia outros trechos do ex-presidente conversando com diversas figuras do meio político, além de ligações para a mulher, Marisa Letícia. Se o projeto aprovado ontem pelo Senado estivesse valendo, Moro poderia ser processado por Lula por abuso de autoridade ao levantar o sigilo de todas as gravações, mesmo das que não tinham conexão direta com as investigações em curso em Curitiba.

Penas

Em ambos os casos – decretação da condução coercitiva e divulgação das gravações – a pena é de detenção de um a quatro anos, além do pagamento de multa. Uma eventual condenação poderia levar à suspensão do exercício do cargo pelo prazo de um a seis meses, por exemplo. Em caso de reincidência, o projeto do Senado prevê a perda do cargo.

O projeto de abuso de autoridade ainda vai passar pela apreciação da Câmara dos Deputados antes de virar lei. Mesmo que seja aprovado como está pelos deputados, só passa a valer para casos que ocorram depois da aprovação. Ou seja, casos já passados, como a condução do ex-presidente Lula ou a divulgação dos áudios, não se aplicam à lei.

Problemas

Em entrevista à Gazeta do Povo nesta quarta-feira (26), pouco depois da aprovação do projeto pela CCJ, Deltan Dallagnol comemorou a retirada de dois pontos polêmicos do texto, mas apontou outros problemas. Para aprovar por unanimidade o relatório na CCJ, Requião chegou a recuar em alguns pontos, como o crime de hermenêutica e a possibilidade de investigados processarem diretamente investigadores por abuso de autoridade. Os pontos eram duramente criticados por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Apesar dos pontos retirados, Deltan destacou que ainda há problemas no texto aprovado pelo Senado, que podem refletir na Lava Jato. Além da criminalização da condução coercitiva, o procurador destaca a dificuldade para a prisão de poderosos. “Um outro problema é que ele cria um ambiente muito avesso à decretação de prisões de poderosos por juízes, porque ele criminaliza a prisão decretada por um juiz que não seja manifestamente legal”, diz o procurador. “Agora, o que é e o que não é manifestamente legal é sujeito à discussão, é matéria de interpretação de fatos, de provas, da lei, e se esses artigos forem mantidos o que vai existir é um clima de insegurança e receio de juízes em relação a decretação de prisão de poderosos”, completou.

O projeto, no Artigo 9, afirma que “decretar medida de privação de liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais” configura crime de abuso de autoridade. Além disso, também é crime, segundo o texto, “deixar de relaxar prisão manifestamente ilegal” ou “deixar de deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível”.

O texto não detalha, porém, o que seria uma prisão “manifestamente ilegal” ou quando o habeas corpus seria “manifestamente cabível”.

“Essa lei do abuso de autoridade não é adequada”, disse o senador Alvaro Dias. “São questões fundamentais que não foram resolvidas”, criticou.

Veja a entrevista completa com o senador:

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