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Anúncio de sobretaxação do aço brasileiro pelos Estados Unidos atiçou a sanha protecionista da indústria nacional. | Antonio Costa/Arquivo / Gazeta do Povo
Anúncio de sobretaxação do aço brasileiro pelos Estados Unidos atiçou a sanha protecionista da indústria nacional.| Foto: Antonio Costa/Arquivo / Gazeta do Povo

Quando o presidente Donald Trump anunciou, no dia 8 de março, que sobretaxaria o aço e o alumínio importados pelos Estados Unidos em 15 dias, acabou dando início a uma “guerra fria comercial”. Ameaças de retaliação a medida pipocaram em vários países – até mesmo a Comissão Europeia para o comércio ameaçou aumentar os impostos sobre produtos símbolos norte-americano.

No Brasil, não foi diferente. Os EUA são o maior importador de aço brasileiro, e o anúncio de Trump acabou despertando a sanha protecionista de diversos setores da indústria nacional.

O setor de etanol propôs uma sobretaxa ao etanol de milho. A fusão entre Embraer e Boeing entrou na pauta: poderia ser cancelada ou usada como moeda de troca. O setor siderúrgico e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediram proteção dentro das regras da Organização Mundial do Comércio.

E houve quem levantasse a bandeira que estava na hora de o Brasil se proteger da China. No fim das contas, antes mesmo de a medida passara valer nos Estados Unidos, o Brasil entrou para a lista de países que terão a sobretaxa suspensa enquanto negociam a exclusão definitiva com os americanos até o dia 30 de abril.

O recuo americano é estratégico. Como observado pelo professor da USP Glauco Arbix, ex-presidente do Ipea e da Finep, uma guerra comercial não interessa a ninguém, nem aos EUA. “Ao taxarem os produtos, nossos e de outros países, eles encarecem as importações em casos de produtos que os americanos não têm autossuficiência. Essa guerra sempre provoca esse tipo de retaliação, que não ajuda ninguém do ponto de vista do comércio internacional e das economias. Acaba sendo uma situação em que todo mundo sai perdendo”, avalia.

Na opinião do professor de economia do Insper Otto Nogami, o caso do aço ilustra uma medida intempestiva, que tinha como alvo a China, mas acabou espirrando em outros parceiros comerciais e industriais. Ele explica que, no caso do Brasil, há uma dinâmica em todo o processo de produção do aço: o país exporta o aço semimanufaturado para os americanos, mas importa o minério de lá.

“Se ele sobretaxa e dificulta a exportação desse semimanufaturado para os Estados Unidos, faz com que diminua a nossa importação de carvão mineral. Que vantagem eles teriam com a adoção dessa sobretaxa em relação ao Brasil?”, pondera.

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Protecionista, acima de tudo

A reação de ameaçar novas medidas protecionistas para responder ao protecionismo de Trump diz muito sobre o Brasil. O país é um dos mais fechados ao comércio exterior em todo mundo. O ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation deste ano colocou o Brasil na 153ª posição.

Quando se observa apenas os dados de liberdade de comércio exterior, o Brasil fica na 141ª colocação – e tem a mesma nota de Lesoto, pequeno país africano com cerca de 2,1 milhões de habitantes e que vive da agricultura e criação de ovelhas. Nesse mesmo critério, o Brasil perde dos vizinhos Argentina, Equador, Paraguai, Bolívia, Peru e Chile. Ainda está bem atrás de países como Haiti, Zâmbia e El Salvador.

E esse não é o único dado preocupante. Dados do Doing Business, ranking do Banco Mundial que classifica as economias pelo grau de facilidade de fazer negócios, o desempenho do Brasil não está aquelas coisas. No ranking de 2017, o país ocupa a 125ª colocação, entre 190 países. Na vertente de comércio internacional, o Brasil fica na 139ª posição, atrás de países como Papua Nova Guiné, Mauritânia, Líbia e Togo.

Na opinião de Sabrina Sabaini, da UTUMI Advogados, o protecionismo brasileiro tem um conjunto de fatores que o torna peculiar. “Por mais que o país seja aberto ao mercado internacional, o Brasil ainda é um exportador de produtos com pouco valor agregado. É o caso do próprio aço semiacabado que mandamos para os Estados Unidos. Ainda assim, para incentivar a indústria nacional, a gente tem esse tipo de medida de proteção. Você pensa que o Brasil se abriu, mas vê esse excesso de incentivos fiscais e nota que é aberto, mas nem tanto”, avalia.

E esse fechamento não vem de hoje: é uma característica que está permeada na economia brasileira, que vem desde o governo militar, quando a economia era de fato mais fechada. Na época, essas medidas protecionistas liberavam o empresário nacional a produzir com o que poderia ser competitivo no resto do mundo. O problema é que o modelo se reproduziu em toda a estrutura, resultou em bens de capital totalmente defasados e escancara a falta de inovação da indústria nacional.

Nogami observa que essa característica protecionista precisa ser revista para que a indústria brasileira pudesse ser competitiva no mercado internacional. “Nossa pauta de exportação predomina produtos básicos e semimanufaturados. O manufaturado que exportamos vai para economias com defasagem tecnológica, como Paraguai e Argentina, e não para os mercados mais representativos, como o americano, europeu e asiático”, avalia.

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Efeito colateral

Além do excesso de proteção, há dois outros fatores que prejudicam o livre comércio brasileiro: o regime tributário complexo e o ativismo judiciário. O conjunto de burocracia e sistema tributário complexo são um entrave ao crescimento, porque acaba resultando em mais protecionismo. “O Brasil, pensando em uma reforma tributária de simplificação, vai ter mais terreno para explorar outras questões e investir de forma mais colaborativa no mercado internacional”, aponta Sabrina.

Ainda em relação ao regime tributário brasileiro, Nogami observa que ele torna o produto nacional ainda mais caro. E isso leva grandes empresas brasileiras a produzirem fora do país e importarem. “Não vemos nenhuma ação do governo no sentido de dar competitividade a nossa indústria. Não temos uma política industrial clara e definida de longo prazo”, aponta.

O que ocorre é o desenvolvimento de programas específicos para um setor, geralmente com acesso ao Congresso. É o caso do Inovar Auto, que beneficiou as montadoras. O problema é que esse programa, que terminou no ano passado, foi condenado recentemente pela OMC e teve poucos resultados percebidos.

A setorização de medidas protecionistas gera outro problema, na visão do professor Glauco Arbix, um tipo de ativismo judiciário, que acaba prolongando medidas que deveriam ser transitórias ou expandindo benefícios e incentivos fiscais para outros setores. “O que deveria proteger parte de uma indústria nascente se torna um benefício permanente que só leva a acomodação”, critica.

A virada esperada

Mudar o cenário protecionista não é impossível, mas é tarefa árdua. “O Brasil sofre até hoje por ter vivido por décadas em um regime muito protegido. E a gente tem uma dificuldade enorme de se livrar dessa herança”, aponta Arbix. Para ele, a virada de página implica em requalificar pessoal para atuar em um mundo mais dinâmico – o que trará evolução no desempenho da economia brasileira, acompanhada de um ajuste fiscal.

Já para Sabrina, a virada vem com a mudança de mentalidade e o estabelecimento de uma linha mestra de desenvolvimento de mercado internacional: não é preciso abrir o mercado sem freios, mas estabelecer boas relações de troca e acordos bilaterais ou multilaterais. “Você vai proporcionar o crescimento não só do Brasil, mas de uma região”, defende.

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