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Enterro da vereadora Marielle Franco, assassinada na última quarta (14) | Fernando Frazão/Agência Brasil
Enterro da vereadora Marielle Franco, assassinada na última quarta (14)| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O assassinato da vereadora Marielle Franco, em uma ação que também ocasionou a morte do motorista Anderson Gomes, colocou em evidência a face mais aguda da crise de segurança pública no Rio de Janeiro. Para além do horror que envolve o crime, a morte de Marielle, que era defensora dos direitos humanos e denunciava os abusos cometidos por policiais, se junta a de outros ativistas políticos no país. De acordo com a Anistia Internacional, entre janeiro e agosto do ano passado foram 58 defensores dos direitos humanos assassinados em território brasileiro.

Como Marielle, outras 35.073 pessoas foram mortas no Rio de Janeiro entre 2010 e 2016. Os dados do Datasus (Departamento de Informática do SUS) apontam que a estatística carioca reflete a realidade de um país violento: no mesmo período, foram 397.780 homicídios no Brasil.

No contexto nacional, entretanto, o Rio não é o estado que apresenta os números mais alarmantes. Se considerarmos somente os dados de 2016, a Bahia registrou a maior quantidade homicídios: foram 6.097 mortos. Nessa lista, o estado carioca aparece em sexto, atrás, ainda, de Minas Gerais, Pernambuco, São Paulo e Pará.

Se levarmos em conta, além disso, o número de homicídios proporcional à população de cada estado, o desempenho do Rio melhora em relação aos demais. Enquanto o líder no ranking, Sergipe, teve 64,8 mortes por 100 mil habitantes em 2016, o Rio apresentou taxa de 23,5.

Mesmo com variações de intensidade pelo país, a violência que tirou a vida de quase 60 mil pessoas no Brasil em 2016 tem características comuns em todo o território nacional. Sistema penitenciário precário e superlotado, que não promove a ressocialização dos presos, descontrole com relação às armas de fogo e disseminação do tráfico de drogas em várias dimensões são alguns dos ingredientes que, juntos, culminam em uma realidade sangrenta.

No Rio, contudo, os mesmos resultados da receita violenta acabam mais perceptíveis para o país e para o mundo – a ponto de o governo federal fazer uma intervenção no estado apostando na visibilidade da ação. Na cidade turística, vitrine brasileira para o exterior, contrastam belezas naturais e casos chocantes como o de Marielle. “O que acontece aqui não é muito diferente da realidade do resto do país, mas tudo o que ocorre no Rio tem mais visibilidade”, afirma Michel Misse, professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As particularidades do Rio

Se olharmos mais de perto a realidade carioca, entretanto, alguns aspectos se destacam em relação a outros pontos do país. Diferentemente de São Paulo, por exemplo, no Rio várias facções criminosas disputam territórios para a venda de drogas, gerando uma guerra sangrenta e cotidiana. Na capital paulista – que teve a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes do Brasil em 2016 –, por outro lado, o PCC (Primeiro Comando da Capital) domina o crime organizado.

Além de ocupar partes da cidade, as facções se utilizam de armamento pesado para disputas entre elas e com a polícia. “Os criminosos estão equipados com armas de alto poder de fogo, como fuzis, o que dificulta o trabalho da própria polícia”, diz José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar (PM) de São Paulo e pesquisador do Instituto Fernand Braudel.

O Estado ensaiou retomar o controle das regiões dominadas pelo tráfico com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), implantadas no final de 2008. A política, de fato, deu resultado em relação ao número de mortes. De acordo com uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e o Laboratório de Análise da Violência (LAV), lançada em 2012, nas 13 primeiras UPPs houve diminuição de quase 75% na média mensal de mortes violentas.

Crise e corrupção

Os resultados alcançados, porém, esbarraram na crise fiscal do estado. A falta de recursos atingiu o programa que, logo de início, apresentava custos elevados. “É uma política impensável para todo o Rio, mas que teve uma grande capacidade na redução dos homicídios. Com o seu enfraquecimento, os criminosos se sentem mais à vontade para retomar territórios”, explica Cleber da Silva Lopes, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Problemas com as forças policiais, além disso, são singulares no Rio. Em 2013, na Pesquisa Nacional de Vitimização, do Datafolha e do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), o Rio ficou em primeiro lugar no que diz respeito aos casos de extorsão cometidos pela PM.

Entre os entrevistados, 7% disseram ter passado por situações de pagamento de propina. “A PM carioca é mais corrupta e, além disso, a Polícia Civil tem pouca capacidade de resolução de crimes”, afirma Lopes.

No caso carioca, ao menos, mortes como a de Marielle não passam em branco e geram comoção em todo o país. Enquanto isso, outros milhares de brasileiros morrem em outras regiões do país, seja em áreas urbanas ou por conflitos agrários, sem que o problema seja de fato enfrentado. 

Se o Rio tem suas peculiaridades que tornam o problema da violência tão complexo, isso não é diferente em outras regiões conflagradas do país. A maior parte das capitais do Nordeste enfrenta taxas de homicídio que estão entre as maiores do mundo, assoladas pela disputa entre gangues. No Norte e Centro-Oeste, a disputa por terras e comércio ilegal de madeira se somam ao tráfico na constituição de núcleos com índices de violência maiores até do que os das capitais. Segundo o Mapa da Violência 2017, Altamira, no Pará, teve a maior taxa de homicídios do país em 2015: 107 pessoas mortas por 100 mil habitantes. Quatro vezes mais do que no Rio de Janeiro.

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