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Romero Jucá, o senador da “suruba” e do fetiche por bigode. | Marcos Oliveira/Agência Senado
Romero Jucá, o senador da “suruba” e do fetiche por bigode.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Primeiramente, aquilo que é evidente: o líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), não é nenhum lorde. Sem papas na língua, está mais para um dinossauro na loja de cristais. Mas nos últimos tempos vem se superando. Para quem não se lembra, trata-se do senador da “suruba” e aquele que disse que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tem um “fetiche” por seu bigode. Agora, o que não está na superfície: as declarações de cunho sexual de El Bigodón desnudam como o sexo é usado no Brasil para demonstrar o poder, simbolicamente ou não. E isso explica parte de nossas mazelas.

Acuado (e aqui o uso dessa palavra no seu sentido etimológico fica a critério do leitor), Jucá procurou na terça-feira passada (29) atacar a masculinidade de Janot: “Eu diria que [o procurador] tem, pelo menos, uma fixação [em mim]. Ele até deu declaração sobre meu bigode, não sei se é um fetiche, se é alguma coisa”. Janot havia acabado de protocolar a terceira acusação contra o senador no STF em uma semana. E, numa das peças acusatórias, afirmou que “a palavra de um homem está no fio do bigode”.

Jucá insinuou que Janot se sente sexualmente atraído por ele. Ou por seu bigode. A declaração é reveladora do pensamento do senador: o homossexual, para ele, é um inferior. Ou essa orientação sexual não seria usada num contexto em que o parlamentar quis ofender e diminuir o procurador.

Não é só sexo, trata-se de desigualdade

Aí – perdoem o trocadilho! – sexo, política e sociedade se cruzam. O Brasil é um país profundamente desigual. Em que há cidadãos de segunda classe na legislação e no imaginário de expressiva parcela da população. E o gênero e a orientação sexual são fatores muito usados para definir o lugar de cada um.

Não é preciso discorrer muito para saber quem se coloca como superior e impõe a condição de inferioridade aos demais. Homossexuais e mulheres ainda lutam para estarem em condição de igualdade. E até não muito tempo atrás a desigualdade se expressava não apenas no comportamento, mas nas leis feitas por parlamentares como Jucá. A mulher só podia trabalhar fora de casa se tivesse autorização do marido. Adultério (sobretudo o feminino) era passível de prisão. E a violência sexual, tecnicamente, não era um crime contra a mulher, mas contra a honra e a família.

Uma espiadinha na “suruba”

Agora vamos dar uma de voyeur e espiar a “suruba” do Jucá para entender um pouco melhor o que está por trás do senador... digo, das palavras do senador. Lembrando do caso: em fevereiro, o STF começou a debater a proposta de restringir o foro privilegiado dos políticos. Pelo que estava em discussão, eles só teriam direito a serem julgados no Supremo por crimes cometidos em função do exercício do mandato, e não em todos os casos.

Então, El Bigodón saiu-se com esta para defender a ideia de que juízes também deveriam perder a mesma prerrogativa: “Se acabar o foro, é [pra] todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba. Não é uma suruba selecionada”.

O foro privilegiado é uma demarcação legal entre dois tipos de cidadãos: os privilegiados e os outros. E é uma manifestação do poder dos políticos. Acabar com a prerrogativa é tirar-lhes poder. E, como no Brasil o poder é muito associado à masculinidade, é possível especular que muitos políticos associem isso à perda de sua própria hombridade.

Talvez isso explique a desastrosa declaração de Jucá e seu temor de entrar na alegada “suruba”: ele correria o risco de deixar a condição de dominador para ser dominado. Nesse caso – e aparentemente somente por ele estar envolvido – valeria a ideia de igualdade: “Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba”.

Brasília é uma selva cheia de machos-alfa

Se fosse apenas Jucá, poderíamos dizer que se trata de um ponto fora da curva. Mas não é. Por vezes o Congresso parece uma selva cheio machos-alfa. Ou de pretensos machos-alfa.

Bolsonaro: agressões verbais a mulher e a homossexual.Foto: Antonio More/Gazeta do Povo/Arquivo

Em 2014, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que vivia às turras com Maria do Rosário (PT-RS), também recorreu à grosseria e, pior, à apologia a crime sexual para diminuir a adversária. “Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador. Mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece.”

A declaração de Bolsonaro reduz a mulher a objeto sexual do homem, que decide quem merece ou não ter o “privilégio” de ser estuprada. É uma chancela à cultura do estupro, segundo a qual a vítima é culpada. E um salvo-conduto para os homens que não controlam seus instintos. Numa palavra: um absurdo. Deveria ser punido pelos colegas deputados. Foi? Não. O processo contra o deputado por quebra de decoro foi arquivado. E isso diz muita coisa.

Bolsonaro também foi acusado pelo deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) de tê-lo chamado de “veado”, “queima-rosca” e “boiola” durante a votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), no ano passado. Mais um caso de uso da orientação sexual de alguém para humilhá-lo. Bolsonaro levou uma cusparada de troco. Jean Wyllys respondeu a uma ação de quebra de decoro por causa disso. Recebeu uma censura escrita como punição. Bolsonaro nem mesmo foi processado pelo Conselho de Ética.

LEIA TAMBÉM: No STF, Bolsonaro é réu por incitação ao estupro

E tem mais...

Outro macho-alfa da Câmara é Wladimir Costa (SD-PA) – o deputado da tatuagem de Temer. Em pouco tempo ele conseguiu sair do anonimato para ser conhecido em todo o país. Mas não por suas qualidades políticas. Muito pelo contrário.

Costa foi acusado de distribuir, num grupo de Whatsapp formado por deputados, uma foto manipulada da filha adolescente da deputada Maria do Rosário em que a garota está seminua. O objetivo seria supostamente atingir a parlamentar do PT, pois a imagem vinha junto com a inscrição: “É na educação dos filhos que se revelam as virtudes dos pais”.

Wladimir Costa, o deputado da tatuagem de henna. E de polêmicas sexuais.

Maria do Rosário já havia denunciado publicamente que uma foto do Instagram de sua filha havia sido roubada, alterada digitalmente para colocá-la numa situação erotizada e distribuída na internet. Isso é crime virtual. E, no caso do deputado, se comprovada a acusação, trata-se de mais um caso de uso do sexo como instrumento de poder e dominação.

Wladimir Costa também foi flagrado no plenário da Câmara pedindo, em conversa no Whatsapp, que uma jornalista mandasse a ele um “nude”. O texto deixa claro como ele vê as mulheres: “Mostra a tua bunda, afinal não são suas profissões que a destacam como mulher, é sua bunda. Vai lá, põe aí, garota”. Ele tentou se explicar: “Ela me encheu o saco para eu mostrar a tal da tatuagem [no plenário]”.

SAIBA MAIS: Quem é o deputado da tatuagem

E não parou por aí. O deputado também foi acusado de assédio sexual por outra jornalista. Segundo o relato dela, Costa saiu orgulhoso de ter exibido a tatuagem para Temer num jantar. Disse que o presidente gostou do que viu. Como havia a suspeita de que o desenho era de henna (como de fato ele próprio admitiu posteriormente), a jornalista pediu para o deputado mostrá-lo. Cumpriu seu papel profissional. Mas ele então respondeu: “Pra você, só se for o corpo inteiro”.

Com políticos que se comportam como Jucá, Bolsonaro e Costa (e diante do silêncio de muitos outros em relação a tais absurdos), fica difícil acreditar que um dia o Brasil será um país mais igualitário. Desculpem o termo, mas isso é foda.

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