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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Quantos pobres existem no Brasil? Depende.

A estimativa mais recente aponta que em 2016, após dois anos de expansão, a população pobre chegou a 23 milhões de pessoas. Um outro cálculo, mais defasado, mostra que havia 26 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza já em 2014, antes mesmo da disparada do desemprego e da inflação. E uma nova contabilidade, com dados atualizados até 2015, indica que a pobreza é muito mais disseminada: seriam 45 milhões de pessoas em 2015, ou 22% da população.

Arredondando muito a conta, pode-se dizer que um de cada cinco brasileiros é pobre. Ou um de cada dez. A escolha depende do gosto do freguês e carrega, claro, um componente político.

GRÁFICO:Estamos mais ou menos pobres? Veja o que mudou desde 2004

A questão por trás das diferentes medições é: o que define uma pessoa pobre? Toda metodologia acaba tendo um quê de arbitrária. Tome-se como exemplo a linha internacional de extrema pobreza que o Banco Mundial usa para acompanhar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, entre eles o de “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” até 2030. Segundo essa linha, é extremamente pobre quem vive com menos de US$ 1,90 por dia. Significa que o indivíduo que passa a ganhar US$ 1,91 saiu da miséria? Obviamente não.

Boa parte dos cálculos se baseia em necessidades nutricionais, e daí vem outro problema. “[Esses cálculos] dão à linha de pobreza a aparência de que foi pensada por ‘experts’, apesar de, na verdade, ninguém ser expert em ‘necessidades de uma família pobre’, exceto, talvez, as próprias famílias pobres”, escreve Angus Deaton, Nobel de Economia em 2015, no livro “A grande saída: saúde, riqueza e as origens da desigualdade”.

Apesar de todas as limitações, as medições são fundamentais, aqui e lá fora, para a formulação de políticas públicas de combate à pobreza. Se a sociedade acredita que algumas pessoas precisam de ajuda, é preciso definir – da melhor maneira possível – quem será ajudado.

Os benefícios do Bolsa Família, pagos a 13,5 milhões de famílias, se baseiam em critérios de renda atualizados de tempos em tempos pelo governo. Hoje o programa define como pobres as famílias com renda mensal de até R$ 170 por pessoa, e extremamente pobres aquelas em que a renda per capita não passa de R$ 85.

Se o governo optasse por linhas mais altas, o número de beneficiários e o orçamento do programa teriam de crescer. Para o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), por exemplo, pobres no Brasil são os que têm renda mensal de até R$ 233, em preços de março de 2017.

O Banco Mundial propõe um limite ainda mais alto. Em outubro, a instituição criou dois novos parâmetros para definir a pobreza: a renda de até US$ 3,20 por dia, que vem a ser a mediana das linhas de pobreza em países de renda média-baixa, e de até US$ 5,50 por dia, referência para países de renda média-alta.

Segundo a instituição, o Brasil está neste segundo grupo. E é esse critério mais abrangente que eleva a população pobre do país a 45 milhões de pessoas no ano de 2015, enquanto medições como a do FGV Social e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do governo federal, estimam um contingente bem menor – de 23 milhões (em 2016) e 26 milhões (em 2014), respectivamente.

As linhas alternativas do objetivo do Banco Mundial buscam contemplar a ideia de que a pobreza é relativa. “A capacidade de se manter aquecido pode exigir bens diferentes na República Centro-Africana e na Polônia. Os bens e serviços necessários para buscar um emprego numa vila em Uttar Pradesh [estado mais populoso da Índia] e na Cidade do México podem ser muito diferentes”, explica Francisco Ferreira, economista do Banco Mundial, num texto em que apresenta as novas métricas.

Piorou, mas está melhorando

Em comum, as diferentes metodologias asseguram que a pobreza no Brasil despencou desde os anos 1990, em números absolutos e relativos. Caiu muito no início do Plano Real, depois ficou estagnada até 2004, e então passou a cair sistematicamente. Recentemente ela voltou a crescer, mas sem reverter os ganhos sociais acumulados.

Com base em dados preliminares do IBGE, o FGV Social calcula que, por sua métrica, 6 milhões de pessoas caíram na pobreza entre 2014 e 2016, período em que a população pobre saltou da mínima histórica de 8,4% para 11,2%. O cenário, no entanto, ainda é muito melhor que o da década passada – em 2004, a taxa passava de 25%.

Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social e uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, a pobreza pode estar recuando novamente. “Os últimos dados da Pnad Contínua indicam que, com a queda da inflação, a renda média do brasileiro está tendo crescimento real de 3,1% em 12 meses”, diz.

O mais importante no combate à pobreza, segundo Neri, é buscar uma solução equilibrada entre política econômica e social. “É o caminho do meio. Uma coisa tem impacto na outra”, diz. “Não adianta congelar o valor do Bolsa Família com inflação alta, como se fez em 2015. Tem de ajustar na Previdência, que precisa de reforma porque a expectativa de vida cresceu, ou ajustar em outra despesa menos essencial. E fazer a produtividade crescer, o que surpreendentemente não aconteceu com o avanço da educação.”

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