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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O governo Michel Temer partiu com tudo contra o que chama de privilégios para tentar aprovar a reforma da Previdência até o começo do ano que vem. O novo texto do projeto que tramita no Congresso será reapresentado em versão mais enxuta e com menos pontos “sensíveis” à categorias que fazem mais barulho nos ouvidos de deputados e senadores.

A nova roupagem do projeto de lei é acompanhada por uma nova estratégia de comunicação. No primeiro ato da reforma, que foi até a aprovação do texto na comissão especial antes da crise detonada pelo áudio da conversa entre Temer e Joesley Batista, o governo bateu na tecla da sustentabilidade das contas públicas. A reforma era para garantir o pagamento das aposentadorias no futuro. O governo apanhou de quem é contra as mudanças em uma guerra de números distorcidos e irreais.

Agora, a narrativa é outra: a reforma combate privilégios. É um argumento mais difícil de ser contestado por quem não quer alterações na lei. Dizer que os números do governo não são bem assim é uma coisa. Provar que não existem privilégios, é algo bem diferente. O problema da história contada pelo governo é que, como arma contra privilégios, a reforma capenga é uma meia verdade.

O texto que será apresentado pela equipe econômica traz a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com regra de transição de 20 anos. Será mantido o benefício com contribuição mínima de 15 anos (e não 25, como no projeto original). E haverá a equiparação nas regras do setor público e privado.

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Até que ponto essas mudanças mexem com privilégios? A idade mínima, de fato, vai cobrar mais dos trabalhadores mais qualificados e que se aposentam com benefícios maiores. Em média, as aposentadorias por tempo de contribuição concedidas neste ano pagam R$ 2,3 mil, contra R$ 1,1 mil das por idade (sendo R$ 990 em média no caso das rurais por idade). A explicação para a diferença é que geralmente são os trabalhadores mais qualificados os que têm carreiras mais estáveis e que conseguem contribuir por 30 (mulheres) ou 35 anos (homens) antes de atingirem a aposentadoria por idade. A reforma, nesse sentido, faz com que as pessoas com as melhores carreiras contribuam por mais tempo.

Estender a mesma idade mínima para os setores público e privado é uma forma de equiparar os regimes dessas duas categorias. Mas essa mudança que é mais gradual do que parece. Isso porque quem entra hoje no serviço público já tem benefícios restritos ao teto do INSS (ou seja, o mesmo valor da iniciativa privada) e já tem uma idade mínima (55 anos para mulheres e 60 anos para homens), coisa que não existe no regime geral.

A ideia de manter os 15 anos de contribuição mínima para que os trabalhadores tenham acesso à aposentadoria é um benefício aos mais pobres e com menos instrução, geralmente com carreiras mais informais e instáveis. Mas no longo prazo o país terá de mexer nesse ponto para não desestimular as contribuições e não criar uma nova forma de injustiça – a diferença no benefício final para quem contribui 15 ou 25 será muito pequena já que o salário mínimo continuará a ser o balizador das aposentadorias.

Há um outro aspecto que não faz parte do discurso do governo: a informalidade, que retira contribuições ao INSS, é também uma espécie de privilégio. Contratos informais são um risco assumido por empresas que acreditam que gastam menos com possíveis fiscalizações a ações judiciais do que com as contribuições ao INSS. Para os trabalhadores por conta própria, a instituição do MEI, com um custo altamente subsidiado, serve como um bom argumento para se exigir uma contribuição mais longa.

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Mas é além desses três pontos que a meia verdade do governo ficará mais evidente quando o projeto for mostrado. Há a expectativa de que aposentadorias especiais de diversas categorias, como policiais e professores, sejam mantidas. Quanto maior a diferença para o resto dos contribuintes, maior o privilégio implícito. Também há poucas chances de o governo encarar os servidores onde mais interessa às contas públicas: as aposentadorias integrais e paritárias. O texto aprovado na CCJ pelo menos previa que os benefícios integrais só seriam concedidos com a idade mínima (62 ou 65 anos) desde a promulgação da PEC. Se isso for retirado do projeto, ele estará mantendo um grande privilégio. E ninguém fala de outros itens, como o pagamento de bônus de produtividade a inativos, que nem entrou no debate.

Também há o risco de o governo voltar atrás no maior rigor para a concessão acumulada de aposentadorias e pensões. A ideia inicial era vetar o acúmulo e depois o acordo costurado na comissão especial previa um acúmulo apenas até dois salários mínimos (ou a opção pelo maior valor). Esse critério deve ser relaxado.

O governo decidiu deixar de fora mudanças na aposentadoria rural. Aí o problema maior está na incapacidade do Estado de obter contribuições ao INSS de grandes empresas exportadoras do agronegócio. E a contribuição individual agrícola uma hora terá de entrar na agenda, assim como ocorreu com a criação do MEI para os empreendedores informais do meio urbano.

Por fim, o governo poderia aproveitar o discurso da caça aos privilégios para dizer o que vai fazer para equilibrar a previdência dos militares, confortavelmente desconsiderados na atual reforma.

A reforma é necessária não apenas porque existem privilégios, como as aposentadorias pelo teto antes dos 55 anos de idade. Ela é necessária porque a combinação de gastos altos e envelhecimento da população está fazendo com que a Previdência sufoque as contas públicas de um jeito que não ocorre nem em países mais velhos, como o Japão.

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