• Carregando...
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante a votação da reforma trabalhista: opositores fizeram barulho contra o projeto. | Antonio Cruz/ Agência Brasil
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante a votação da reforma trabalhista: opositores fizeram barulho contra o projeto.| Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

A sessão do Senado que aprovou o texto da reforma trabalhista nesta terça-feira (11), por 50 votos a 26, com uma abstenção, reforçou o Fla x Flu que contaminou o debate: enquanto a oposição e críticos bradavam que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estava sendo rasgada e enterrada - com direito a protestos que chegaram a impedir a votação - , governistas e outros comemoravam a atualização e modernização da lei. Tudo isso sem meio termo. Mas, um ponto é fato: a reforma em curso é muito mais profunda do que a proposta inicialmente pelo governo federal – e altera substancialmente as relações trabalhistas no Brasil.

Desde que foi criada, em 1943, no governo Getúlio Vargas, a CLT passou por mudanças esparsas. O fato de ter passado tantas décadas ‘intocada’ acabou causando um anacronismo da legislação em vigor com a realidade do país. “Se não fosse a modernização dessa lei, conviveríamos com uma CLT que diz que a mulher para litigar na justiça do trabalho precisa da autorização do marido”, exemplifica o juiz do trabalho Marlos Melek, que atuou na comissão de redação da reforma na Câmara. Ele explica que a reforma tenta colocar a CLT no espírito do seu tempo, usando como pilares a liberdade, segurança jurídica e a simplificação.

Outro exemplo da necessidade de se mexer na lei é lembrado por Elton Duarte Batalha, professor de Direito Trabalhista da Universidade Presbiteriana Mackenzie: a CLT não permite que uma pessoa com mais de 50 anos fracione as férias, porque já a considera idosa. “Essa reforma não é perfeita, mas é muito boa porque terá mais segurança jurídica, quando você analisa todos os tópicos”, analisa. 

Para Batalha, a reforma não precariza os direitos dos trabalhadores, mas modifica a lógica da relação trabalhista. Atualmente, o Estado impõe os direitos e as partes sociais – empregados e empregadores – têm de cumprir. Com a reforma, são as próprias partes que poderão definir quais os pontos mais importantes da relação de trabalho, observado o mínimo da lei. “A dignidade do trabalhador está na Constituição e não vai ser tocada. Na prática, eu não vejo esse prejuízo que tanto falam”, afirma.

Debate polarizado e atropelo em Brasília

A polarização expressiva sobre o tema e o cenário político acabam por desviar o foco do debate sobre o que está de fato sendo mudado. Para o advogado especialista em relações do trabalho Fabiano Zavanella, sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados, algumas mudanças na CLT já deveriam ter ocorrido há tempos. “Há muitas coisas obsoletas na CLT e algumas posturas do judiciário trabalhista contribuíram para o agravamento do cenário [da crise] e até o fechamento de empregos”, pondera. Para ele, garantir o emprego também implica em preservar as empresas. 

Por outro lado, ele pondera que o modo como a reforma foi conduzida em Brasília – com muita pressa – acabou por contaminar as informações sobre o conteúdo da reforma. “Se olhou para o aspecto político e se deixou de lado a análise aprofundada do que está sendo feito. Podemos questionar o processo legislativo, que foi feito no atropelo, mas com o texto tem de ter parcimônia”, analisa.

Mais de 900 artigos

Mesmo com a reforma trabalhista, a CLT continua uma gigante, com mais de 900 artigos. O juiz do trabalho e membro da comissão de redação da reforma na Câmara, Marlos Melek, pondera que no Brasil todas as leis são muito inchadas – não é uma exclusividade da CLT. “Gostamos muito de legislar e isso está diretamente relacionado à vontade que o estado brasileiro tem de se meter na vida das pessoas. E isso se repete na esfera trabalhista”, argumenta.

Mudanças como o acordo de demissão ainda exigem maior reflexão

A reforma trabalhista atualiza a CLT para regulamentar realidades que já estão presentes no mercado de trabalho, como o home office. O professor de direito trabalhista do Mackenzie Elton Duarte Batalha pondera que ao regulamentar o teletrabalho, a reforma está tirando do limbo milhares de trabalhadores que agora poderão receber tratamento adequado pelo desempenho de suas atividades. “O trabalho intermitente, que já existe na Itália e em Portugal, vai abrir possibilidade para quem não quer trabalhar o dia inteiro”, lembra.

Outras medidas positivas apontadas por Batalha e também pelo advogado Fabiano Zavanella estão relacionadas com os aspectos processuais. O estabelecimento de critérios para comprovar a necessidade de acesso à justiça gratuita, a sucumbência e a punição para a litigância de má-fé tendem a diminuir as ações aventureiras – e com isso o volume total de processos também deve ser reduzido.

Por outro lado, há algumas mudanças que exigem reflexão. Para Zavanella, a previsão que merece mais atenção é a o acordo de demissão – em que o empregado tem acesso a 80% do saldo do FGTS, metade do valor do aviso prévio e indenização pela demissão, mas fica sem seguro-desemprego. Apesar de o acordo informal já acontecer na prática, a possibilidade de uma dispensa consensual pode trazer riscos ao trabalhador. “Há o risco de as empresas forçarem para que as dispensas aconteçam dessa nova forma. Parece-me que as empresa de boa-fé não farão isso, mas não podemos pensar só nessas”.

Zavazella ainda destaca outros dois pontos polêmicos: o das horas in itinere, que hoje contam como jornada e com a reforma não serão mais computados como tal, e as dispensas coletivas, que não precisarão necessariamente de negociação para acontecer. Para ele, essa dispensa é mais complexa pelo reflexo que pode causar, como uma grande empresa em um município pequeno, o que não afetaria só o empregado, mas a economia local também.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]