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 | Marcelo AndradeGazeta do Povo
| Foto: Marcelo AndradeGazeta do Povo

Poucos brasileiros e empresas estabelecidas no país que têm valores em contas no exterior aderiram à segunda fase do programa de repatriação de recursos, declarando esses valores à Receita Federal para trazê-los ao Brasil pagando imposto de renda e multa. Com isso, a arrecadação foi menor e o governo terá de buscar dinheiro em outro lugar ou cortar gastos.

A expectativa da equipe econômica de Michel Temer era arrecadar R$ 13 bilhões com a reabertura do programa, que já havia sido realizado em 2016. Porém, o pagamento de multas e impostos na segunda fase do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) resultou em apenas R$ 1,6 bilhão, ou 12% do esperado. 

Deixaram de entrar nos cofres públicos cerca de R$ 11 bilhões. O aumento do imposto sobre os combustíveis anunciado há duas semanas já reflete essa frustração de arrecadação. Os cerca de R$ 10 bilhões que o governo vai arrecadar neste ano com a taxação maior da gasolina, diesel e etanol já foi anunciada para cobrir parcialmente o insucesso com a repatriação. 

Questionado, o Ministério do Planejamento afirmou que “cálculos e medidas adicionais para diminuir frustração de receitas são estudadas em seu conjunto pela equipe econômica, que inclui o Ministério da Fazenda, e divulgadas em momento oportuno”.

Além disso, ainda está mantido o sigilo sobre os dados de quem legalizou o dinheiro. A ONG alemã Transparência Internacional está questionando o motivo de privacidade imposta pela Receita Federal aos nomes de quem trouxe os recursos ao país, em ação que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), ingressada pelo PSB. 

O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Kléber Cabral, avalia que a proximidade entre a primeira e a segunda fase e a falta de novidades entre os dois programas pode ter levado a essa frustração da arrecadação.  “Foi muito próximo do programa anterior. A razão principal do Congresso ter tido a iniciativa desse segundo programa era para permitir que parentes de políticos pudessem entrar. Chegou a ser aprovado assim, mas com a opinião pública isso acabou não passando”, disse. 

Segundo Cabral, na primeira fase do programa a multa e imposto eram de 30%, mas era considerado o câmbio de 31 de dezembro de 2014. A taxa efetiva cobrada para declarar o dinheiro era de 24% por causa dessa defasagem cambial. Nesta segunda fase do programa a taxa foi de 35%, e sem defasagem do câmbio. 

“Também foi criada uma certa insegurança quanto ao futuro do programa. A própria Receita antes de terminar o prazo chegou a publicar notícias de que estava encontrando apartamentos no exterior, por exemplo. Isso gerou uma insegurança. E ainda teve gente que achou que a repatriação era um Refis, que sai toda hora, e isso pode ter levado mais pessoas a esperar o próximo programa, ainda mais quem está em países da Ásia e Oriente Médio, que não têm acordos de compartilhamento de dados com o Brasil”, avaliou Cabral.

Na reavaliação do cumprimento do Orçamento, quando foi anunciado o aumento do imposto sobre os combustíveis, o governo jogou a toalha e disse que não chegaria a arrecadar os R$ 13 bilhões esperados, mas que ainda contava com R$ 2,9 bilhões. Mas ao fim do prazo se formalizou apenas a metade da arrecadação prevista e o governo terá de apertar ainda mais os números para compensar o que faltou. 

O governo errou nos cálculos ao reabrir o prazo e também cedeu à pressão de parlamentares, que pediam a reabertura do programa, uma colher de chá para quem tinha mandado dinheiro para fora do país, principalmente para paraísos fiscais, como forma de evitar pagar impostos no Brasil. O prazo de adesão terminou no dia 31 de julho. Foram R$ 4,6 bilhões de ativos repatriados por 1915 pessoas físicas e 20 pessoas jurídicas. 

Governo segue escondendo identidade 

Ao aprovar a regulamentação do programa de repatriação, a Receita Federal definiu que os CPFs e CNPJs daqueles que aderiram ao programa serão alterados no banco de dados do Fisco e ficarão ocultos até mesmo para os auditores fiscais e órgãos de controle. Todos os documentos da repatriação serão armazenados nos sistemas da Receita usando o CNPJ da própria Receita, de forma a impedir que até auditores e agentes do Ministério Público e órgãos de fiscalização possam auditar os dados. 

O assunto aguarda análise no Supremo Tribunal Federal (STF). O PSB ingressou no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade para questionar a ocultação dos dados de quem repatriou recursos, sob o argumento de que isso prejudica a transparência e a isonomia entre os contribuintes, pois a fiscalização de dados fiscais deve ser realizada a todos. Nessa ação, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, proferiu despacho determinando que a Presidência da República, o presidente do Congresso e o secretário da Receita expliquem a medida. 

A repatriação de recursos no exterior é uma medida que beneficia as camadas mais ricas da população, que tiveram altas somas de dinheiro enviadas ao exterior para evitar o pagamento de impostos. A lei que criou o programa foi aprovada e sancionada durante o governo de Dilma Rousseff (PT) em janeiro de 2016, como uma forma de ajudar na arrecadação federal, em queda devido à crise econômica. O projeto nasceu em uma proposta do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). 

O governo previa arrecadar entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões com o regime, recolhendo imposto de renda com alíquota de 15%, mais uma multa de igual percentual, totalizando 30%. 

Ao final do prazo de adesão, em 31 de outubro de 2016, a Receita apurou que a arrecadação final foi de R$ 50,9 bilhões. Com pressão no Congresso, o programa foi reaberto com aprovação de lei em 30 de março de 2017. Desta vez as multa foi aumentada e, junto com o imposto, somava 35%. 

Um dos defensores da reabertura do programa foi o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que estimava que a reabertura pudesse trazer entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões. Ou seja, apenas 5% do esperado por Jucá de fato chegou aos cofres públicos.

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