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| Foto: Vanderlei Almeida/ AFP

O uso de empresas estatais para favorecer políticos e partidos já foi comprovado e punido, como nas ações da Operação Lava Jato. Mesmo assim, o receituário de atuação estatal pautada por grupos políticos continua vigente. A resistência em se debater alterações nas empresas e principalmente em privatizá-las é um indício da manutenção das indicações políticas, prejudicando resultados e permitindo direcionamento em sua gestão. 

Defensores das privatizações das grandes estatais argumentam que somente com a redução do poder do governo nessas gigantes empresas, com diretorias e conselhos ocupados por indicados do poder em suas subsidiárias e sociedades de propósito específico (SPEs), será possível dar continuidade ao que a Lava Jato começou e evitar que a corrupção e a politicagem continuem a saquear as empresas. 

“A privatização das grandes estatais será o próximo passo, após a Lava Jato. Mesmo na iminência de privatizarmos algumas dessas empresas, as indicações políticas continuam acontecendo, e isso vai ocorrer até o último segundo”, afirmou uma autoridade do governo federal que participa do processo de privatização da Eletrobras. 

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Falar em privatização da Petrobras ainda é tabu e o assunto deve ter papel importante nos debates eleitorais de 2018. A empresa foi um dos principais laboratórios de uso estatal na gestão petista. As perdas reconhecidas, fruto de má gestão e corrupção, são da ordem de R$ 21 bilhões, que ajudaram a somar prejuízos acumulados entre 2014 e 2016 em mais de R$ 70 bilhões.

Na Eletrobras, o “impairment” com o reconhecimento de dívidas a prejuízos chega a R$ 19 bilhões. Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se beneficiou, com o recebimento do tríplex em troca de favorecimento de uma empreiteira em contratos da Petrobras, de acordo com o Ministério Público Federal. 

Também por reduzir a influência política sobre as empresas, as privatizações sofrem fortes resistências de setores do governo e no Congresso. Se por um lado a União quer ver seu caixa engordar em cerca de R$ 12 bilhões com a venda das ações da Eletrobras, iniciativas tentam criar novos cargos ou evitar que partes da empresa sejam vendidas, para manter indicações políticas, como o debate da criação de uma agência para gerir a venda de energia das usinas hidrelétricas do rio São Francisco e algo semelhante para atender a subsidiária Furnas. 

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Essa visão é compreendida em partes por integrante da Polícia Federal. Flávio Werneck, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindopol-DF) argumenta que a percepção sobre a corrupção gerada a partir das operações policiais recentes, inclusive nas estatais, pode ajudar a facilitar as privatizações. “É fato que temos uma ingerência política muito maior do que a devida nas estatais”, afirmou. “No passado recente foi montada uma estrutura nas estatais, e essa estrutura política até facilitou a corrupção”, disse. 

CGU vê prejuízo às estatais em benefício a seus sócios privados e risco de corrupção 

A criação da Lei das Estatais no governo de Michel Temer dificultou o processo de indicações políticas, ao exigir que os altos cargos das estatais sejam preenchidos preferencialmente por servidores e funcionários públicos. Mas essa limitação não evita a cooptação desses técnicos por partidos políticos. 

A Controladoria-Geral da União (CGU), em análise publicada em novembro de 2017 sobre as SPEs do grupo Eletrobras (empresas na qual a estatal é sócia de grupos privados para construir e administrar grandes projetos, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte), concluiu que há falhas no processo de gestão das SPEs. Como acordos que estabeleceram “condição desvantajosa” às estatais em favor dos parceiros privados, levando-as a prejuízos e “ausência ou incipiência de controles e supervisão”, que podem ter “majorado o risco de corrupção” em alguns dos empreendimentos, conforme explicita a CGU. Taxas de retorno reais inferiores ao que havia sido proposto pelo vencedor do leilão também foram apontados como problema em alguns dos empreendimentos, como no caso de Belo Monte. 

A escolha de diretores e conselheiros com perfil político também é apontada pela CGU, em alguns dos casos avaliados. “Na avaliação da CGU, os critérios adotados para a indicação de representantes, avaliação e capacitação de dirigentes, foram considerados insuficientes, posto que se encontravam desalinhados com as boas práticas de Governança Corporativa”, conclui.

Ex-conselheiro critica indicações políticas

A ingerência e indicação política dentro da Eletrobras foi apontada por um dos ex-conselheiros da empresa. José Luiz Alqueres, executivo com experiência no setor elétrico e reconhecido pelo mercado financeiro, admite que as indicações políticas para diretorias e conselhos na Eletrobras continuam ocorrendo, em carta que circulou entre autoridades do setor e do mercado. 

Alqueres deixou o conselho em março de 2017, e agora se posiciona contrário ao modelo de privatização que está sendo trabalhado pelo governo. Ele afirma, em carta, que o conselho da Eletrobras eleito em 25 de julho de 2016 trabalhava por privatizar a empresa, com o objetivo de “valorizar o patrimônio público e assegurar o funcionamento adequado para os consumidores pós-privatização”. Porém, afirma que os conselheiros e presidente tiveram de lutar contra indicações políticas. 

“O Conselho eleito em 2016 teve logo de início que se debruçar em questões operativas da holding e controladas onde por razões políticas muitos dirigentes executivos de sofrível desempenho foram mantidos”, escreveu o executivo, em carta enviada a autoridades do setor. “O Conselho teve que se dedicar a uma ferrenha resistência às abundantes tentativas de nomeações políticas para cargos no setor (onde apareciam nomes muito impróprios em matéria de indicações de conselheiros de Itaipu, Belo Monte (Norte Energia), distribuidoras etc, etc e tal”, afirmou. 

O executivo afirma ainda que tais indicações serviam para manter a base de apoio do governo, necessária para aprovar reformas. “Mais parecia que a causa mesmo era manter o foro privilegiado dos próprios padrinhos políticos dos indicados”, escreveu Alqueres, que poupa das críticas o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, e o presidente da estatal, Wilson Ferreira Júnior, a quem atribui “absoluta correção”. 

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Alqueres tem se posicionado contra o modelo atual proposto para a privatização, apesar de defender a venda da empresa. O executivo sugeriria uma solução de venda de partes da empresa, e não uma diluição do capital no mercado financeiro. Defensores do modelo atual, dentro do governo, avaliam que o ex-conselheiro desistiu da ideia de privatizar a empresa e por isso tem feito os ataques. 

Se a evidência de controle político chega até o mais alto foro de gestão da Eletrobras, no conselho de administração da holding, nas empresas controladas as indicações políticas ocorrem com menor resistência e ao sabor das necessidades dos grupos políticos estaduais. 

Nas seis distribuidoras de eletricidade da Eletrobras, (Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia, Roraima), as indicações políticas para diretoria e conselhos continuam ocorrendo, mesmo com o processo de privatização dessas empresas já estar na reta final. Essas empresas, - que têm grandes níveis de endividamento, acumulam prejuízos a cada trimestre e em alguns casos podem ser vendidas a um valor simbólico tamanho a dívida que terá de ser paga pelo novo controlador – estão em processo de privatização desde junho de 2016. 

Mesmo assim, nos últimos meses diversas trocas de diretores foram feitas nessas empresas, já em processo de preparação para a venda. Na Eletrobras Distribuição Alagoas, o presidente foi alterado em 31 de agosto de 2017, com a posse de Adjar Vieira Barbosa. Outros integrantes da diretoria foram alterados em 2017, mesmo em franco processo de privatização. As trocas na empresa sediada em Maceió teriam ocorrido após a ruptura do senador Renan Calheiros (MDB-AL) com o presidente Michel Temer.

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