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| Foto: Vanderlei Almeida/AFP

A realização de um leilão de infraestrutura (campos de petróleo e gás, concessão de hidrelétricas e aeroportos ou grandes obras) compreende um último estágio, informal: os questionamentos jurídicos de urgência, que tentam sustar os certames bilionários. Na maioria desses processos é comum que, faltando dias ou até horas para o pregão, alguém ingresse com uma ação na Justiça e obtenha decisão favorável pela suspensão da disputa, deixando empresas interessadas de cabelo em pé e fazendo a área jurídica do governo correr para derrubar a liminar, impondo um custo aos envolvidos. 

A estratégia, corriqueira nessas disputas, é usada por grupos políticos de oposição ao governo (não importando se ele é de esquerda, centro ou direita) e também por grupos econômicos envolvidos no leilão, que querem ganharem tempo. “Historicamente, sempre há (questionamento na justiça), independentemente de partido que está no governo. Qualquer iniciativa pode ter questionamento pelo grupo de oposição, ou grupos econômicos que se opõem ao leilão ou não estão preparados e tentam ganhar tempo. Teve na privatização da Vale, por exemplo. Isso permanece”, avalia o advogado Juliano Rebelo Marques, sócio da LRI Advogados. 

Nesta sexta-feira (27), a 2.ª e 3.ª rodadas de leilão de blocos de petróleo na área do pré-sal resultou na arrecadação de R$ 6,16 bilhões, mas não sem uma briga judicial. Menos de 12 horas antes do certame, na noite de quinta-feira, uma decisão liminar da Justiça Federal no Amazonas determinava a suspensão da disputa, marcada para as 9 horas da manhã. O prejuízo com a frustração do leilão – considerando apenas os aspectos práticos, como as equipes envolvidas, material, local e estrutura – seria de R$ 12 milhões, com prejuízos globais de R$ 20 bilhões caso o certame não fosse realizado, calculou o governo. 

A Advocacia-Geral da União (AGU) teve de se mobilizar com urgência e ingressar com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), atrasando o certame em algumas horas. Até a ministra da AGU, Grace Mendonça, foi chamada a atuar pessoalmente para garantir que o leilão ocorresse.

Pela manhã, ela despachou com o presidente do TRF1, desembargador federal Hilton Queiroz, para defender a suspensão da liminar. Após a atuação dos advogados da União, a realização do leilão foi garantida. Autoridades e investidores das maiores petroleiras do mundo aguardaram no local do evento, até que o oficial de Justiça levasse a decisão judicial autorizando o certame. 

Os questionamentos judiciais em caráter de urgência são comuns. A ação popular que pedia cancelamento do leilão foi uma iniciativa partidária, da bancada do PT, deferida por um juiz do Amazonas (estado que não tinha áreas de petróleo sendo concedidas à exploração no certame). Minutos depois do deferimento da liminar, o líder do PT da Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), divulgou à imprensa a decisão. 

O pedido do cancelamento do leilão foi feito faltando poucas horas para o evento, apesar de o processo de licitação ter sido iniciado há mais de seis meses e tendo todos os passos divulgados publicamente. Com isso, o partido conseguiu marcar um posicionamento, contrário à política pública de governo sobre a exploração do petróleo. 

“Existe sim uma questão de (questionar) a condução de política pública, que é discricionária do Poder Público. É uma escolha do governo realizar suas ações e se estiver dentro da competência dele, ainda que parcela da população veja como desnecessária, pode ser feito se não houver ilegalidade. O Judiciário não analisa a questão da escolha do poder público”, avalia o advogado Juliano Marques. 

Processos longos e questionamentos urgentes como estratégia de opositores 

No caso de leilões de petróleo, o processo entre a definição de uma politica pública pelo governo federal e a realização do leilão é longo. O primeiro passo é que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), um órgão ligado à Presidência da República e coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, autorize o certame. Isso aconteceu em abril e maio deste ano para a realização das duas rodadas realizadas nesta sexta.

Depois disso, a agência reguladora do setor ainda deve construir o edital do certame e disponibilizá-lo para consulta pública, quando a sociedade pode contribuir sobre o tema e fazer questionamentos. Ao longo do processo, o Tribunal de Contas da União (TCU) participa ativamente, questionando as condições econômicas do processo e se há qualquer risco de lesão para o contribuinte ou para a União. 

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Mesmo assim, em alguns casos, o ingresso com ações em cima da hora são utilizados de forma estratégica, explica Marques. “Transparência sempre houve. Isso é principio mandatório na administração pública. Os processos são transparentes. Mas as pessoas deixam para a última hora (os questionamentos). É uma estratégia. Vejo mais como estratégia para ganhar tempo, para desmotivar os participantes... São grupos de interesse, sejam políticos ou econômicos”, afirmou. 

Judicialização é processo normal e democrático

A judicialização dos leilões deve ser visto como algo normal e democrático, na visão de Luciano Godoy, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (SP). Porém, ele avalia que a transparência nos processos pode ser aprimorada, o que ajudaria os juízes a decidirem quando forem instados pela população em ações.

“Isso faz parte da Democracia, ninguém foge do Judiciário, é natural. A judicialização não pode ser vista como algo ruim. Podemos melhorar os níveis de transparência e a interlocução do poder público com a sociedade, para o juiz estar mais informado sobre o tema que está sendo questionado. Juízes muitas vezes tomam decisões de alguma forma porque ninguém contou para ele a história inteira. Será que temos tudo transparente, para um juiz se informar facilmente, como faria qualquer cidadão?”, indaga. 

O advogado Carlos Alexandre Klomfahs, que atua em ações públicas, questiona ainda que os prazos entre a decisão do poder público em realizar uma política e a efetivação do leilão poderiam ser alongados. “Precisaria ter uma reforma na Lei das Licitações para incluir maior transparência e prazo mais longo. Prazo curto traz essas consequências”, avalia. 

Mais dor de cabeça e custos para o governo atrás da arrecadação  

Mensurar o custo dos processos de judicialização é algo difícil, mas os pedidos acabam tomando tempo do Judiciário e fazendo os investidores incluir o risco de questionamento judicial em suas contas para precificar um ativo leiloado no qual planejam investir.

Para derrubar a liminar que suspendia a 2.ª e a 3.ª rodadas do pré-sal, a AGU argumentou que a decisão causaria “graves prejuízos à ordem econômica”, comprometendo, por exemplo, a arrecadação de 24,7 bilhões com o pagamento de royalties nos próximos anos e de R$ 6,8 bilhões com bônus de assinatura, além de R$ 1,6 bilhão que a União deve arrecadar com sua parte em óleo. 

Outros R$ 10,5 milhões que foram depositados pelas empresas inscritas no leilão, como taxa de participação do certame e mais R$ 900 mil gastos pela agência reguladora com a organização do evento, seriam perdidos. 

“Há uma perda de eficiência. Se um grupo de investidores internacional ou nacional se preparou, colocou um cronograma, está todo mundo preparado, isso faz parte do risco pensado para se dar um lance. Mas quando há uma ação inesperada, que retarda a decisão, há uma desmobilização, há sim um custo, uma ineficiência existe sim”, avalia Marques. 

Nos casos de obras civis, que dependem de condições climáticas para serem realizadas, o adiamento de leilões pode impactar em atrasos de um ano, a depender da janela de chuvas ou o ritmo da vazão de rios.

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