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Rolando Alexandre de Souza, diretor-geral da Polícia Federal
Rolando Alexandre de Souza, diretor-geral da Polícia Federal, em solenidade de posse ao lado do presidente Bolsonaro e do ministro da Justiça, André Mendonça.| Foto: Isac Nóbrega/PR

Uma das principais reclamações do presidente Jair Bolsonaro feitas para justificar a troca no comando da Polícia Federal, que levou à demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça, foi o fato de não estar recebendo relatórios de inteligência da PF. No pronunciamento à imprensa feito no dia da demissão do ex-ministro, Bolsonaro disse que praticamente “implorava” a Moro esse tipo de informação e nunca foi atendido. Mas, afinal, que tipo de informação o diretor-geral da PF pode repassar ao presidente e ao ministro da Justiça?

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) Edvanir Paiva, a PF não produz relatório de inteligência para o presidente.

“O presidente falou muito em querer dados de inteligência. Veja, dados de inteligência não tem nada a ver com investigação. Inteligência é confirmar informações que coloquem em risco o órgão, as investigações, o Estado. Quando essas informações necessitam de o governo saber para fazer uma prevenção ou para fazer uma articulação de todas as forças, ela vai por meio do Sisbin [Sistema Brasileiro de Inteligência], chega à Abin [Agência Brasileira de Inteligência], a Abin faz um relatório e informa ao presidente”, explica. “Não é a PF que informa o presidente diretamente sobre esses assuntos”, completa Paiva.

O advogado criminalista Fernando Parente, sócio do escritório Guimarães Parente Advogados, também destaca que o papel da Polícia Federal não se confunde com as atribuições da Abin.

“Existem serviços de inteligência de proteção do Estado. Esses são feitos, no Brasil, pela Abin. Assim como existe o serviço secreto norte-americano, existe a Abin para a gente aqui. A Abin, em razão dos segredos de Estado, fornece dados ao presidente da República, que precisa tomar decisões de segurança pública, defesa do Estado, uma série de questões”, explica.

Parente lembra que o papel da PF não está ligado direta e imediatamente a esse tipo de conduta, relacionada a ameaça de soberania do país, que tem a ver com os segredos de Estado. “O interesse em controlar as atividades da PF para receber informações do exercício da sua atividade pode sim configurar uma ingerência indevida”, ressalta.

Em seu depoimento à PF no último sábado (2) no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as acusações de interferência política de Bolsonaro na corporação, Moro disse que o presidente recebia relatórios de inteligência via Abin.

Segundo Moro, “podem ser requisitados à Abin os protocolos de encaminhamento dos relatórios de inteligência produzidos com base em informações a ela repassadas pela PF e que demonstrariam que o Presidente da República já tinha, portanto, acesso às informações de inteligência da PF as quais legalmente tinha direito”.

Informações sobre investigações da Polícia Federal não podem ser repassadas ao presidente

Segundo Edvanir Paiva, a Polícia Federal não pode repassar nenhum tipo de informação referente a investigações em andamento, nem ao presidente, nem ao ministro da Justiça. “O Código de Processo Penal diz que as investigações são sigilosas. A Lei 12.850 de combate ao crime organizado também”, ressalta Paiva.

Segundo o presidente da ADPF, apenas envolvidos nas investigações em andamento são informados. “Só pode saber de investigação quem está envolvido na investigação: o delegado, o procurador da República que acompanha e o juiz da causa. Obviamente, o chefe [da superintendência da PF, por exemplo] costuma saber de boa parte da investigação porque é ele que tem o dinheiro e os recursos na mão”, explica.

Segundo Paiva, nem mesmo o diretor-geral da PF costuma ficar sabendo de todas as investigações em curso. “O diretor-geral pode ficar sabendo de algumas investigações, as mais sensíveis, as que precisam de maior mobilização interna da polícia e vão causar alguma repercussão que envolva a polícia como um todo”, explica o presidente da ADPF.

“O diretor-geral da PF é um administrador. O papel dele é trazer os recursos, distribuir, fazer a administração da PF. Eventualmente ele sabe de algumas investigações em andamento para que possa se preparar para repercussão, para que ele possa direcionar recursos. No caso da Lava Jato, por exemplo, em algum momento o diretor-geral soube que a Lava Jato teria uma deflagração. E ele soube que precisava mandar delegados, agentes, peritos, papiloscopistas para Curitiba. Ele, em uma ação nacional, acaba ficando sabendo, só que ele não pode passar para fora. Se passar para fora, quebra sigilo funcional, o que inclusive é crime”, completa.

Presidente pode ser avisado de investigações sensíveis da PF, mas só depois de deflagração

Ainda de acordo com Paiva, o ministro da Justiça e o presidente da República costumam ficar sabendo de operações sensíveis da Polícia Federal, mas apenas após a deflagração, quando não há mais como embaraçar as investigações.

“O que usualmente costuma se fazer. No dia da deflagração, quando ela já estiver em andamento, o diretor-geral comunica o ministro da Justiça que há uma deflagração de operação", diz. Ele cita como exemplo o episódio da busca no gabinete do senador Fernando Bezerra. "Em um caso como esse, a PF, no dia da deflagração, quando já não há nenhum risco para a operação, comunica ao ministro da Justiça que ela está ocorrendo e ele comunica ao presidente porque há implicações políticas sobre esse assunto. Mas sempre em um momento em que não coloque em risco a investigação”, esclarece o presidente da ADPF.

Segundo Paiva, a PF não deve fornecer relatórios sobre investigações em andamento. “Não se passa relatórios sobre investigações para o presidente da República, nem para o ministro da Justiça. Não se passa, inclusive, relatórios de investigação para o próprio diretor-geral da polícia”, assegura.

Caso sobre a facada em Bolsonaro foi exceção na Polícia Federal

Em seu depoimento à PF, Moro disse ter apresentado um relatório ao presidente sobre a investigação a respeito do atentado à faca sofrido por ele durante a campanha, em 2018.

Moro reiterou que, ao contrário do que foi dito por Bolsonaro, jamais obstruiu a investigação e teria pedido à Advocacia-Geral da União para defender o acesso ao celular do advogado de Adélio Bispo de Oliveira, condenado pelo crime, “não pelo interesse pessoal do Presidente, mas também  pelas questões relacionadas à Segurança Nacional”, disse o ex-ministro.

Moro também defendeu a investigação da PF. “A Polícia Federal de Minas Gerais fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto” disse.

A apresentação da investigação ao presidente, segundo Moro, decorreu “da sua condição de vítima e ainda por questão de Segurança Nacional, entendendo o Declarante que não havia sigilo legal oponível ao Presidente pelas circunstâncias especiais”.

Segundo Paiva, essa é uma situação excepcional. “Nesse caso o presidente era vítima e, como vítima, e como ele estava reclamando muito que a PF não estava se esforçando na investigação, foi apresentado a ele o que já tinha sido feito”, afirmou o presidente da ADPF.

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