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A geração superficial e o jornalismo verdadeiro
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Em sua coluna de hoje, Carlos Alberto Di Franco chama a atenção para um ponto importante: o jornalismo vem demonstrando sinais de perda de alma e rigor, o velho “cheiro de asfalto”. Isso seria consequência, segundo o autor, da era digital apressada em que vivemos.

Ele começa comparando a enorme quantidade de fotos que tiramos hoje com os álbuns do passado, que mexiam mais com a memória afetiva. Hoje temos uma overdose de fotos, de selfies (narcisismo), arquivadas compulsivamente em pastas que ficam esquecidas no dispositivo.

Segundo Di Franco, o mesmo ocorre com o consumo de informação. Navegamos freneticamente pela internet, somos submetidos a um frenesi de notícias, fotos, textos e “memes”. Mas há um custo nesse excesso de informação e de estímulo: perdemos foco, concentração e dispersamos nossa inteligência. “Ficamos reféns da superficialidade”, conclui o jornalista.

A crítica não é nova. Em A geração superficial, Nicholas Carr já tinha se questionado sobre o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Para ele, há uma mudança profunda, que altera nossos hábitos e também nossa forma de pensar e ver o mundo.

É um mundo muito mais veloz, com uma incrível profusão de informações, que podem criar nos usuários uma dependência de cada vez mais “alimento”, de estar conectado o tempo todo. Alguns especialistas acham que isso tudo é positivo, que as novas gerações estarão adaptadas, dotadas de uma capacidade mental diferente e abrangente. Outros acham que quantidade não é qualidade, e que a perda de foco e de concentração pode acarretar danos em nossa inteligência.

Não vou tomar partido aqui. Sempre que vejo com certo receio ou mesmo horror as novas tendências, procuro me lembrar do alerta de David Hume: “O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza humana”. Ou então o de George Orwell: “Toda geração se imagina mais inteligente do que a anterior e mais sábia do que a seguinte”.

Mas mesmo sem concluir se o efeito líquido das mudanças é positivo ou negativo, creio que é perfeitamente legítimo levantar dúvidas e aceitar que mesmo os ganhos podem embutir uma perda na equação. Ou seja, perdemos alguma coisa mesmo ganhando outras melhores – se for o caso.

Sendo eu mesmo um economista que possui um canal de opinião atualizado várias vezes ao dia, posso atestar que existe um claro “trade-off” entre quantidade e qualidade. Fazendo uma comparação com minha área de atuação anterior, existem os gestores de “valor”, cujo ícone máximo é Warren Buffett, e os traders “quantitativos” de alta-frequência.

Análises profundas exigem mais tempo e dedicação, características cada vez mais escassas no mundo moderno. Mas o que seria do mercado financeiro sem os “value investors”, com suas análises bem mais detalhistas? Sem dúvida algo se perderia, até em termos de eficiência dos mercados. Para o jornalismo, essa mudança impõe uma perda significativa também, como alerta Di Franco:

A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será? Não creio, sinceramente. Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com alma, rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre.

Jornalismo sem alma e sem rigor. É o diagnóstico de uma doença que contamina inúmeras redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar os seus modelos e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo brilho à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, isento. As melhores pautas estão nas encruzilhadas da vida. O prestígio de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não se edifica com descargas de adrenalina. É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história.

O problema é que jornalismo sério, feito dessa forma mais profunda e sem seguir o ritmo alucinado das redes sociais, custa caro, demanda tempo. E os veículos de informação ainda não descobriram uma fórmula razoável para remunerar esse investimento, até porque concorrem com o frenesi das redes sociais e blogs, atendendo a um desejo quase insaciável de mais informação.

Não sei o que vai acontecer no futuro. Só sei que o mundo perderá muito se as novas gerações não tiverem paciência ou “saco” de se afastar um pouco do ambiente caótico da internet para degustar um estudo mais aprofundado, uma reportagem mais detalhista.

É divertido curtir vários “memes” de uma vez ou ler frases e comentários curtos sobre tudo. Mas é muito triste abrir mão de reflexões mais profundas e da busca por informações mais robustas de quem realmente fez o dever de casa da forma mais imparcial possível. Eis a função do bom jornalismo.

Rodrigo Constantino

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