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A lealdade aos valores: parabéns ao coronel que denunciou o próprio irmão assassino
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Não faz muito tempo escrevi aqui um texto sobre a diferença entre a lealdade aos valores e aquela aos comparsas, típica das máfias e demais organizações criminosas. Comentava sobre a declaração desastrosa da presidente Dilma, de que não respeitava delatores. Respeito, ao contrário de Dilma, mais os delatores do que aqueles que levam para o túmulo os segredos de seus cúmplices. Ao menos a delação é uma forma de compensar parcialmente a sociedade pelos crimes.

Pois bem: tivemos agora um caso perfeito para ilustrar essa diferença. Família é uma instituição fundamental, ainda mais para um liberal com viés conservador como eu. Sou o primeiro, portanto, a enaltecer a lealdade aos membros familiares, o que já parece fazer bem mais sentido do que a lealdade aos companheiros de uma organização qualquer. Mas mesmo na família há limites. Se nosso irmão se torna um assassino, devemos ser leais a ele ou aos nossos princípios éticos e morais?

O coronel da reserva da PM Edivaldo Camelo da Costa optou pela segunda alternativa. Denunciou o próprio irmão, Edvardo, que teria assassinado um inocente em assalto no metrô carioca. Alguns resolveram condenar sua atitude, mas eu uso esse espaço para lhe dar os parabéns. Agiu de forma correta. A sociedade ordeira agradece. E sua própria justificativa para a denúncia demonstra como ele está ciente da importância desse papel de cidadão, que deve ser leal aos valores, não aos irmãos da “tribo”:

Se eu pudesse voltar atrás, não teria ido resgatá-lo (Edvardo estava vivendo como sem-teto numa favela). Se o tivesse deixado largado, ao relento, ele ficaria por lá. Será que, ao dar a ele oportunidade e trabalho, não acabei ajudando meu irmão a se articular novamente no mundo do crime? A quem questiona minha atitude (de denunciá-lo), eu pergunto: no meu lugar, você o ajudaria? Hoje, sinto arrependimento e até culpa. Ele matou um inocente.

[…]

Alguns parentes me criticaram, questionaram como posso ter entregado meu próprio irmão. Tento explicar que o cara não roubou uma galinha. Matou um homem. Ele mostrou que não tem como conviver em sociedade.

[…]

A psicóloga do presídio disse, num relatório, que meu irmão estava pronto para sair, que tinha mudado. Eu vi o questionário. Ela não percebeu que era uma farsa, uma fantasia. Como profissional, deveria ter notado isso.

[…]

Só meus irmãos acreditavam que ele poderia se recuperar. Meu pai nunca acreditou. Uma vez, chorando, ele me contou que, numa conversa, Edvardo lhe disse que não tinha jeito, que era bandido, que ia assaltar. Isso foi nos anos 1990. Meu pai sofreu, sempre foi honesto.

[…]

Ainda não estou conseguindo dormir nem me alimentar direito, mas, daqui a pouco, minha ferida vai fechar e pedirei perdão à família da vítima. Tenho minha mulher e dois filhos, que me apoiam. Isso é que importa. Cumpri minha obrigação de cidadão.

Aqui temos alguns pontos importantes a destacar. Primeiro, o já apontado acima: a importância de, numa sociedade civilizada, valorizarmos mais os princípios éticos do que a nossa tribo, família, grupo. Segundo, a irresponsabilidade da psicóloga do presídio. Fica por isso mesmo? Essa gente costuma acreditar, de forma romântica, na recuperação da maioria, e devolve ao convício social criminosos perigosos. E fica por isso mesmo.

Por último, ambos tiveram a mesma origem, o mesmo background, mas um virou policial e o outro bandido. Isso derruba a tese “progressista” de que o criminoso é uma “vítima da sociedade” que não teve oportunidades. Eram irmãos, mas um escolheu o lado da lei, enquanto o outro escolheu o crime. E mais de uma vez. Deve ser punido de acordo, e espera-se, dessa vez, que não apareça uma psicóloga para afirmar que ele está arrependido e pronto para voltar ao convívio social novamente.

Parabéns, Edivaldo. Sei que não deve ser fácil denunciar o próprio irmão, sangue do seu sangue. Mas você fez o certo. Solto, seu irmão assassino poderia tirar mais vidas inocentes. Pense que você ajudou a salvá-las, como talvez o auxiliar de serviços gerais Alexandre Oliveira, morto no metrô por Edvardo, poderia estar vivo se a psicóloga não resolvesse acreditar na regeneração de um assassino. Cumpriu sua obrigação de cidadão sim. E isso merece reconhecimento em um país dominado pela vitimização de bandidos e pela lealdade aos companheiros colocada acima da lealdade aos princípios e valores morais.

Rodrigo Constantino

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