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A lição de Cajamarca: o poder da tecnologia na geopolítica. Ou: Ataualpa x Pizarro
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Segue um artigo meu mais antigo, com base no terceiro capítulo de Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond, sobre a importância dos fatores tecnológicos na geopolítica mundial:

A lição de Cajamarca

“Os homens não são prisioneiros do destino, mas apenas prisioneiros de suas próprias mentes.” (Franklin D. Roosevelt)

Durante toda a história da humanidade, o item tecnologia sempre foi crucial na definição dos povos dominadores. A civilização não começou a prosperar no Crescente Fértil por acaso, mas justamente porque lá foi possível um avanço agrícola fantástico, assim como a domesticação de diversos animais úteis ao homem. Entre inúmeras outras causas, a situação tecnológica de um povo merece destaque como fator preponderante nas conquistas.

O caso que vamos analisar como exemplo é notório, por envolver realidades tão distintas e deixar em evidência a relevância desse fator na batalha. Não vem ao caso aqui julgar princípios morais, mas vale ressaltar que os perdedores não eram pobres vítimas inocentes, já que eram bárbaros e exterminaram seus inimigos quando possível.

De um lado temos Ataualpa, o poderoso imperador inca, considerado por seus súditos como o próprio Deus Sol na Terra. Do outro lado, Francisco Pizarro, o conquistador espanhol a mando do rei Carlos I. Pizarro liderava um grupo com menos de 200 pessoas, enquanto Ataualpa contava com cerca de 80 mil índios. Tamanha desproporção numérica não impediu que Ataualpa fosse capturado por Pizarro, no que pode ser considerado um marco da história moderna. Temos conhecimento detalhado dos fatos, através de textos de vários espanhóis presentes no conflito, que se deu em 1532, nas montanhas peruanas de Cajamarca.

Após Pizarro ter enviado mensagem a Ataualpa de que sua visita era amigável, solicitando um encontro, cerca de dois mil índios abriam caminho para o líder inca, seguidos pelos guerreiros que marchavam em fileiras ao seu lado para o encontro. Os esponhóis aguardavam escondidos, em uma organizada emboscada. Muitos urinaram de medo da assombrosa visão, em estado de absoluto terror.

Pizarro enviou então o frei Vicente de Valverde para falar com Ataualpa, e pedir que, em nome de Deus e do rei da Espanha, ele se submetesse à lei de Cristo e ao serviço da Sua Majestada. Foi entregue uma Bíblia a Ataualpa, que, sem jeito e irritado, conseguiu abri-la. A seguir, jogou-a longe, com o rosto tomado de raiva. Era o pretexto perfeito para o ataque surpresa, e o frei gritava para os cristãos investirem contra os “cães inimigos”.

Os espanhóis começaram imediatamente a atirar, e a cavalaria saiu do esconderijo, avançando sobre os perplexos índios que lotavam a praça. Os índios, que jamais tinham visto um cavalo ou uma arma de fogo, entraram em pânico, se amontoando e se sufocando. A carnificina foi total, e os cristãos mataram ou feriram milhares de índios. No total, seis ou sete mil índios morreram, pelas estimativas dos espanhóis, e o próprio Ataualpa admitiu ter perdido sete mil homens naquela batalha.

Ataualpa foi feito prisioneiro por oito meses, periodo o qual Pizarro obteve uma fortuna sob a forma de resgate em troca da promessa de libertá-lo. Após receber ouro o suficiente para encher um grande quarto, Pizarro ignorou sua promessa e executou Ataualpa.

É intrigante que menos de duas centenas de guerreiros esfarrapados da Espanha tenham dominado o mais poderoso império inca, composto por milhares de índios. Quais os motivos por trás desta façanha? Como isso foi possível? Dentre algumas possíveis explicações, o fator tecnológico esclarece bastante coisa. Os índios nunca tinham visto uma arma de fogo, e entraram em pânico com elas. Suas roupas eram vulneráveis às espadas de aço dos espanhóis. Até os cavalos, que podem ser considerados avanços militares, e que mantiveram grande importância até a Primeira Guerra Mundial, fizeram significativa diferença na batalha, já que os incas desconheciam este animal.

Além disso, os incas estavam divididos, vindo de duras batalhas entre eles próprios. A ignorância deles também foi um fator-chave, posto que eles caíram numa armadilha tola, por desconhecerem em maiores detalhes o comportamento humano e a história. Por fim, doenças transmitidas para pessoas sem imunidade por invasores com considerável imunidade causaram a morte de milhares de nativos. Varíola, sarampo, gripe, tifo e peste bubônica chegaram a dizimar por completo certos povos indígenas, que não tinham jamais entrado em contato com essas doenças, sem tempo para desenvolverem os anticorpos necessários para seu combate.

O desequilíbrio dos equipamentos foi decisivo em inúmeros confrontos de europeus com nativos americanos ou outros povos. Os únicos nativos do continente americano capazes de resistir à conquista dos europeus foram justamente aqueles que conseguiram reduzir essa disparidade militar, aprendendo a lidar com cavalos e armas, como o caso de vários índios dos Estados Unidos.

Quaisquer que sejam as mais influentes causas dessa disparidade tecnológica, o fato é que o avanço do conhecimento e o progresso científico são determinantes no desenho do rumo da humanidade. O acaso pode explicar uma parte, principalmente nos primórdios, como a sorte de certos povos que tiveram a fertilidade da Mesopotâmia aos seus pés. Parece evidente que todos evoluíram por tentativa e erro, se adaptando às condições externas existentes. Quanto melhor então as condições naturais, maior os avanços dos povos.

Mas o mérito não deve nunca ser descartado, ainda mais em um mundo mais globalizado, com vastas informações disponíveis. Não aprender com o sucesso alheio, no mundo moderno, é atestado de estupidez. E atualmente o sucesso está representado pelos Estados Unidos, cujo progresso tecnológico é fruto basicamente de seu modelo político-cultural, que incentiva a liberdade individual, a busca pelos interesses particulares, e descentraliza o poder político. Ao menos era assim até recentemente.

Em resumo, é o capitalismo liberal que melhor possibilita o progresso tecnológico, que por sua vez é determinante na trajetória das civilizações. E os bárbaros da atualidade podem apenas agradecer, enquanto não aprendem com o sucesso dos outros, por Tio Sam não ser como Pizarro. Caso fosse, os povos mais atrasados poderiam ter o mesmo destino de Ataualpa.

Alguém acha que o mundo seria melhor e mais pacífico se, em vez de os Estados Unidos, o poderio militar e tecnológico inigualável estivesse nas mãos do Irã, da Coreia do Norte, de Cuba ou mesmo da China? Lembrem-se disso quando repetirem que o Tio Sam é responsável pelos males do mundo…

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