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A questão separatista
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Por João César de Melo, publicado pelo Instituto Liberal

Como devemos enxergar um bloco político-econômico que faz ameaças aos integrantes que manifestam o desejo de sair dele?

É pertinente nos lembrar de um bloco que desmoronou pouco antes da criação da União Europeia. Um bloco formado a partir da coerção de um poder central sobre diversos países de diferentes línguas, histórias, culturas e religiões. Chamavam esse bloco de União Soviética. Quem se lembra?

Em nome dos interesses coletivos, a maioria dos países da metade oriental da Europa foi obrigada a sustentar o projeto representado pela sigla URSS − ou CCCP. Pregava-se que sem a liderança dos homens de Moscou, não seria possível que todos aqueles países vivessem em paz uns com os outros. Hoje, a União Europeia prega a mesma coisa: sem a liderança dos homens de Bruxelas, não é possível se manter a paz.

Sim, tento dizer que a UE foi criada com as mesmas intenções da URSS: implantar um governo sobre todos os outros, um superestado que tentará impor uma ordem regional com a pretensão de se tornar uma ordem global.

Obviamente, muitas lições foram aprendidas com o colapso da União Soviética. Em vez de planificar a economia, decidiram regulá-la. Em vez da violência como instrumento de coerção, decidiram controlar os países através da política. Em vez de uma KGB, decidiram financiar uma patrulha cultural e midiática sempre de prontidão para desmoralizar e isolar qualquer indivíduo ou movimento contrário ao poder encastelado em Bruxelas.

Em resumo: sem violência, fazer com que todas as pessoas e empresas trabalhem em função de um projeto idealizado por um pequeno grupo de pessoas que se apresenta com sabedoria suficiente para dizer como o mundo deve ser.

O resultado de tamanha arrogância: a insatisfação da maioria dos subordinados.

O referendo do Reino Unido evidenciou que o modelo de concentração de poder é injusto e imoral. O cidadão comum não aceita que sua vida e que seu trabalho sejam legislados por pessoas com as quais não tem qualquer relação. Não aceita ser obrigado a pagar impostos para sustentar políticas sobre as quais ele discorda ou mesmo desconhece. Não aceita pagar impostos que sejam convertidos em benefícios noutras cidades, noutras regiões, noutros países.

Tanto os cidadãos que votaram em favor do Brexit, quanto os que apoiam outros movimentos separatistas na Europa têm uma insatisfação em comum: a falta de autonomia política e econômica das cidades onde residem.

No Brasil, os movimentos separatistas do sul e de São Paulo representam apenas o desejo dessas populações de cuidar de suas próprias vidas, trabalhar em função de si mesmos, ver os impostos que pagam sendo convertidos em melhorias nas cidades onde moram.

A verdade que deveria ser enxergada: o conceito de estado é um absurdo em si mesmo. É uma grande burrice acreditar que para estabelecer relações comerciais, viabilizar infraestruturas e manter a paz as cidades precisam se submeter a um poder regional que, por sua vez, deve se submeter a um poder federal.

Nível máximo de burrice é acreditar que o livre fluxo de pessoas, de mercadorias e de capitais depende da existência de deputados, ministros e presidentes.

Como já escrevi noutro artigo, formamos uma massa de 7 bilhões de escravos. Escravos de governos regionais e federais. Escravos de blocos comercias. Escravos de partidos políticos. Escravos de sindicatos. Escravos de ideologias contrárias às nossas. Escravos do comunismo cool, que prega um mundo onde ninguém seja dono do fruto de seu próprio trabalho.

Só nos aproximaremos da liberdade e do legítimo desenvolvimento quando as cidades se tornarem autônomas, com seu poder municipal sendo reduzido ao nível de qualquer condomínio atual − um pequeno grupo de pessoas eleitas para nada além de administrar contas em comum, sem qualquer poder sobre a vida privada dos moradores.

Uma cidade autônoma poderia criar um sistema de educação pelas mesmas razões que moradores de um condomínio decidem manter pequenas creches.

Uma cidade autônoma poderia criar equipamentos urbanos, culturais e esportivos pelas mesmas razões que moradores de um condomínio decidem manter uma academia, uma obra de arte no hall de entrada e uma quadra recreativa.

Uma cidade autônoma poderia construir pontes e estradas pelas mesmas razões que condôminos decidem reformar jardins e substituir elevadores.

Não haveria acordos comerciais assinados por políticos. Haveria apenas comércio entre pessoas e empresas.

Comerciantes e empresários seriam os principais defensores da imigração, já que eles precisam tanto de novos trabalhadores quanto de novos consumidores.

Não lhes oferecendo benefícios, nenhuma destas cidades teria problemas com imigrantes, já que eles chegariam para trabalhar, não para parasitar.

Caberia à sociedade viabilizar projetos culturais, esportivos e sociais. Aparatos judiciais, de segurança e prisionais seriam contratados como se contrata qualquer outro serviço. Os cidadãos teriam direito apenas à paz, à liberdade e à suas propriedades físicas e intelectuais.

A ideia de grandes exércitos militares cairia no ridículo porque, sem políticos criando conflitos entre países, a paz seria mantida a partir das relações comerciais entre as cidades.

Cidades atualmente pobres atrairiam empresas lhes oferecendo terras e mão-de-obra mais baratas. Não haveria mais terras públicas. Tudo, absolutamente tudo, teria dono, que poderia tanto ser uma pessoa quanto uma empresa ou comunidade.

A administração municipal não teria poder sobre a vontade das comunidades. O uso de ruas, calçadas, praças, parques e praias seria decidido pelas comunidades diretamente relacionadas a eles. O que nos tornaria brasileiros seriam nossos vínculos linguísticos e culturais, não um calhamaço chamado de constituição.

A qualidade da administração dessas cidades as tornaria atrativas ou não aos mais diferentes tipos de pessoas, fazendo-as competirem umas contra as outras da mesma forma que empresas fazem no mercado, como já esclareceu Frank Chodorov, libertário americano:

Quando o indivíduo é livre para se locomover de uma jurisdição a outra, surge um limite ao grau com que um governo pode utilizar seus poderes monopolísticos.  O governo se torna refém do medo de perder cidadãos pagadores de impostos e isso restringe suas ações totalitárias da mesma maneira que o temor de uma perda de clientes impede que alguns monopólios se tornem muito arrogantes.

Acrescento: não tendo duas outras esferas administrativas acima da municipalidade, os cidadãos teriam muito mais poder de decisão e de fiscalização sobre o destino dos impostos que pagam.

Obviamente, tal cenário está muito distante de nossa realidade, porém, é necessário tê-lo como o horizonte a ser perseguido. Como? Reduzindo a concentração de poder na esfera federal, para se conquistar o direito à secessão regional e em consequência a autonomia das municipalidades.

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