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Ajustes ilusórios, cálculos políticos e a necessária reforma que não avança
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É preciso tomar algum cuidado nas críticas ao governo Temer, pois há uma legião de débeis mentais gritando “Fora Temer” por aí, e toda crítica seria combustível para essa patota, ainda que pelos motivos errados. Temer representa, em todos os aspectos, um baita upgrade em relação ao governo Dilma. Tem postura mais adequada, fez um diagnóstico acertado de nossos maiores problemas econômicos, colocou uma equipe decente para atacá-los, e não é petista. O avanço é notável.

Mas isso não quer dizer que esteja fazendo a coisa certa. Ou por outra: não quer dizer que esteja caminhando na direção certa na velocidade e na magnitude necessárias. O Brasil tem pressa. O PT quebrou nossa economia, deixou uma herança maldita, com contas públicas num vermelho “nunca antes visto neste país”. O tempo urge, e é preciso reverter esse quadro o quanto antes, sob o risco de mais uma década perdida, para dizer o mínimo.

Paulo Guedes, em sua coluna de hoje, chama a atenção para essa oportunidade única, que é usar a crise para as reformas estruturais necessárias, a começar por um novo pacto federativo. Sabemos que o federalismo existe apenas no nome em nosso país, onde Brasília concentra 70% da arrecadação tributária, transformando os estados e municípios em reféns que precisam passar o chapéu depois em busca de migalhas. Diz Guedes:

A falta de perspectiva de um pacto federativo torna as instâncias públicas regionais intolerantes às propostas de maiores controles federais sobre suas despesas. A proposta de uma reforma fiscal descentralizando recursos para estados e municípios recrutaria apoio parlamentar para o necessário enxugamento de uma hipertrofiada engrenagem administrativa do governo central, semeada pelo regime militar e cultivada pela demagogia e pela corrupção.

E conclui:

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Tenho a mesma dúvida. Ou melhor: tenho, infelizmente, quase certeza de que não entendem a urgência das reformas e que vão, por isso, fazê-la bem aquém do necessário, totalmente “meia-boca”. O editorial do GLOBO também se mostra preocupado com esse “ajuste ilusório”. Após resumir as medidas que foram feitas no passado para conter os abusos dos gastos públicos estaduais, o jornal conclui:

Mas todo esse arcabouço não foi capaz de resistir ao populismo de PT, Lula e Dilma. Já na parte final do segundo governo Lula, a pretexto de se contrapor aos efeitos recessivos da crise mundial aprofundada pelo estouro da bolha imobiliário-financeira americana, Lula e Dilma passaram a aplicar a velha cartilha econômica petista: muito crédito subsidiado por meio de instituições financeiras públicas, incentivos a mais gastos dos governos, a começar pela União etc.

Passou-se a fazer vista grossa a desequilíbrios fiscais nos estados, inclusive estimulados a se endividar no exterior. A Lei de Responsabilidade Fiscal virou, na prática, letra morta, sob a condescendência do Planalto de Dilma, do Ministério da Fazenda de Guido Mantega, da Secretaria do Tesouro de Arno Augustin. Da caixa de ferramentas estatísticas deste saiu a “contabilidade criativa”, para mascarar déficits e permitir a reeleição de Dilma. Um dos resultados é que a presidente está afastada e prestes a perder o mandato por impeachment devido a crimes de responsabilidade na área fiscal.

Mais uma vez, estados e grandes municípios precisarão ter as dívidas federalizadas, porque o salto da inflação e o profundo mergulho recessivo, causados pela política lulopetista, o “novo marco macroeconômico”, quebrou a Federação. Como da vez anterior, a sociedade arcará com o custo da renegociação.

É lógico que estes entes federativos, como na década de 90, têm de fornecer contrapartidas à União, na forma de contenção efetiva de despesas a partir do acerto de contas. Também como em 90, aguarda-se a privatização de empresas para a geração de receitas extraordinárias.

Enquanto os estados e municípios puderem gastar de forma irresponsável e contar com a “boia salvadora” do governo federal, teremos a receita certa para o desastre inflacionário. O Brasil precisa aplicar para valer a Lei de Responsabilidade Fiscal em todas as esferas, limitar o poder de estrago dos diferentes governos, vendendo empresas estatais e, principalmente, acabando com a farra dos bancos públicos. Deve, ainda, descentralizar a arrecadação, esvaziando o poder de Brasília.

Somente assim teremos mais juízo no trato com a coisa pública, mais perto do povo. Em suma, o país precisa de uma reforma no pacto federativo e um drástico corte no escopo do estado, aprovando as reformas estruturais. Temer, ao contrário de Dilma, entende isso em parte e até parece desejar ir nessa direção. Mas é preciso ter a coragem de ir para o sacrifício no curto prazo, não se importar com a “impopularidade” das mudanças, segundo a ótica dos grupos de interesses que vão perder e chiar muito com elas.

Como escreveu Guedes, somente uma ruptura com as práticas atuais traria imediatos e duradouros dividendos políticos. Achar que dá para remar devagar contra a maré vermelha é uma ilusão: se Temer assim o fizer, será engolido pelo tsunami da realidade.

Rodrigo Constantino

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