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As ruas: não se esqueçam das ruas, senhores!
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Foi a pressão popular que derrubou o governo mais corrupto da história brasileira. É claro que não fez isso sozinha. Contou com gente séria no Ministério Público e na Polícia Federal, e também gente não tão séria assim na política, de olho em interesses imediatos. Mas a pressão das ruas foi o fator preponderante, alimentado pela Operação Lava Jato. É isso que será testado nos próximos dias.

O PT acusou de “golpe” o impeachment, pois sua narrativa será sempre a de vítima. Não entendeu – ou fingiu não ter entendido – que Eduardo Cunha e Michel Temer foram instrumentos das ações populares, não suas causas. Tanto que Cunha está preso. E Temer balança, mas não cai – ainda. Precisa se equilibrar na corda bamba, e tem que fazer isso protegendo a Lava Jato. Caso contrário, cairá também.

O novo Brasil não tem bandido preferido, não aceita a velha politicagem, não toma partido. Ou por outra: toma sim, mas é o partido do interesse nacional, do combate à corrupção, da superação da crise econômica e social. O povo está cansado, sofrendo, e quer avanço. Não vai compactuar com políticos safados.

É a mensagem de otimismo do historiador Marco Antonio Villa em sua coluna no GLOBO hoje. Ele afirma que Brasília vive numa bolha e ainda não se deu conta do perigo que corre, pois o mundo da fantasia criado lá não permite que os políticos sintam bem o pulso da nação, o clima de revolta. Ele diz:

Somos governados por uma elite perversa e hipócrita. Interesse público? Nenhum. Brasília, na sua eterna indiferença com os destinos do Brasil, a cada dia dá mostras de que a República que nasceu da Constituição de 1988 já deu o que tinha de dar — e deu pouco, para o povo, entenda-se.

O que chama a atenção é a crença dos donos do poder de que os brasileiros vão assistir passivamente ao velho jogo do é dando que se recebe. Como se a luta vitoriosa pelo impeachment tivesse esgotado a capacidade de mobilização. Ledo engano. No final de 2015, poucos imaginavam que, seis meses depois, Dilma Rousseff estaria fora da Presidência da República. E isto só ocorreu pela pressão popular.

Para o bloco do poder, o impeachment encerrou a crise política. Errado. O impeachment somente destampou a panela de pressão. A crise vai se agravar após as revelações das delações da Odebrecht. E mais ainda pela resistência organizada na Praça dos Três Poderes contra a Lava-Jato.

[…]

A questão central é que a velha ordem quer se manter a todo custo no poder. E tem milhares de apoiadores — sócios menores e maiores — que vivem à sombra do saque do Estado. Usam, paradoxalmente, do estado democrático de direito para se defender. Ou seja, a lei, ao invés de proteger o Estado e a cidadania, acabou se transformando em instrumento que garante e protege os corruptos.

Exato. E boa parte da população já se deu conta disso, e quer mudanças, quer a lei e o estado protegendo o próprio povo, não a classe governante e seus apaniguados. A Lava Jato continua intocável para milhões de brasileiros, cientes das tentativas de melar o jogo, parar por aqui, blindar os caciques. Mas, como José Casado mostra em sua coluna, ainda falta muito para que a Lava Jato chegue perto da Operação Mãos Limpas, sua inspiração italiana:

Lá, em oito anos, foram investigadas 6.059 pessoas — entre elas, 483 parlamentares, dos quais quatro ex-primeiros-ministros. Contaram-se 2.993 prisões e cerca de mil condenações. Empresários se suicidaram, sobreviventes se beneficiaram da anistia autoconcedida pelos políticos.

Aqui, em quase três anos, são 788 investigados com 188 prisões — 90% empresários, e um político com mandato. Contam-se 120 condenações na primeira instância judicial.

Até dezembro, apenas três ações haviam sido abertas contra parlamentares no Supremo. Uma contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) e duas contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enviadas a Curitiba depois da sua cassação.

O Supremo terminou 2016 aguardando decisão da Procuradoria-Geral sobre 58 inquéritos sem denúncia formalizada, de acordo com o relator no STF, Teori Zavascki. Desses, 25 (ou 43%) estavam na polícia ou no Ministério Público. O restante fora ao arquivo (seis casos), juntados ou redistribuídos a outros juízes (27).

Os caciques políticos estão redondamente enganados se acham que vão conseguir encerrar o processo por aqui. O que vimos foi apenas o começo! Quem acha o contrário não entendeu a força das ruas. “No Congresso sobram evidências de tentativas para um certo ‘acordo nacional’. O problema é o mesmo do último carnaval: falta combinar com a rua”, conclui Casado.

E a rua não irá contemporizar com bandidos. Merval Pereira mostra em sua coluna que o presidente Michel Temer talvez já tenha percebido isso, e age para ao menos demonstrar ciência de que não haverá espaço para bandalhas:

O presidente Michel Temer definiu ontem publicamente o novo critério: caso seja feita denúncia contra um ministro, ele será afastado provisoriamente. Caso ele se transforme em réu, será “afastado definitivamente”.  O próximo passo para que Temer se afaste das maquinações contra a Lava Jato deve ser a escolha do novo ministro da Justiça.

A conjunção de nomeações, colocando Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF), abrindo vaga para um novo ministro em área tão sensível, que comanda a Polícia Federal, além da nomeação de Moreira Franco para um ministério criado aparentemente para blindá-lo de uma provável delação premiada, fez com que a possibilidade de um movimento coordenado contra a Lava Jato parecesse provável especialmente voltando a cogitação do advogado Antonio Mariz de Oliveira para a Justiça, possibilidade que havia sido vetada pelas suas posições contra pontos fulcrais da Operação.

Mais uma vez Temer desistiu de Mariz, e Alexandre de Moraes teve o apoio público do coordenador dos procuradores de Curitiba Deltan Dallagnol, que em recente entrevista ao site O Antoganista disse que Moraes nunca deu qualquer sinal de obstrução da Polícia Federal, e tem posições alinhadas à Lava Jato em relação à prisão em segunda instância e à redução do alcance do foro privilegiado.

O resumo da ópera é que o povo brasileiro está de olho, e com sangue nos olhos! Quem tentar melar a Lava Jato será atropelado por essa multidão em busca de mudanças. Já vimos certos formadores de opinião tendo sua reputação arduamente conquistada ao longo de anos ruindo num piscar de olhos, pois passaram a focar sua energia em ataques à Lava Jato. Críticas construtivas tudo bem; mas priorizar a Lava Jato como alvo, em vez de algo que deve ser protegido contra as maquinações políticas, isso é suicídio moral nos dias de hoje.

E com razão! Pois ainda falta muito que ser feito para limpar essa podridão do Antigo Regime. Se os políticos poderosos acham que serão capazes de driblar a Justiça, estão equivocados e vão conhecer a força das ruas uma vez mais.

Rodrigo Constantino

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